A coalizão dos caras de pau

Paul Krugman

A esta altura, os argumentos econômicos em defesa da austeridade – ou seja, de cortar os gastos do governo mesmo que diante de uma economia fraca –já desabaram.

As alegações de que cortes de gastos na realidade promoveriam a criação de empregos ao reforçar a confiança já foram provadas falsas. As alegações de que existe uma espécie de linha vermelha da dívida que os países deveriam respeitar a todo o custo se baseiam em cálculos confusos e, em certa medida, simplesmente incorretos. As previsões de uma crise fiscal continuam a não ser confirmadas pelos fatos; já as previsões de que medidas duras de austeridade se provariam desastrosas mostraram ser completamente acuradas.

No entanto, os apelos por uma reversão da virada destrutiva em direção da austeridade continuam a encontrar dificuldade de aceitação. Isso em parte reflete interesses velados, porque as políticas de austeridade servem aos interesses dos credores endinheirados; em parte, reflete a falta de disposição de pessoas influentes para admitir que estavam erradas.

Mas existe, acredito, ainda outro obstáculo à mudança: o cinismo profundo e generalizado quanto à capacidade dos governos democráticos para mudarem de rumo no futuro, depois que adotarem programas de estímulo.

Portanto, o momento parece propício a apontar que esse cinismo –que aparenta ser realista e sóbrio– não passa de completa fantasia.

Pôr fim às medidas de estímulo jamais foi problema. Na realidade, o registro histórico demonstra que elas quase sempre foram descontinuadas cedo demais. E pelo menos nos EUA, temos um bom histórico de comportamento fiscal responsável, com uma exceção –a saber, a irresponsabilidade fiscal que prevalece quando, e apenas quando, a linha dura conservadora está no poder.

Vamos começar pela alegação de que os programas de estímulo, quando iniciados, jamais se encerram.

Nos EUA, programas de gastos governamentais para estimular a economia são uma raridade –o New Deal do presidente Franklin Roosevelt e o pacote de recuperação econômica do presidente Barack Obama, muito menor, são os dois únicos grandes exemplos. E nenhum dos dois programas se tornou permanente– na realidade, os dois foram atenuados cedo demais.

Roosevelt cortou severamente o estímulo em 1937, o que devolveu os EUA à recessão. O programa de recuperação de Obama atingiu seu pico em 2010 e depois disso foi perdendo o ímpeto, o que representa um dos motivos para que nossa recuperação seja lenta.

E quanto aos programas criados para ajudar os contribuintes prejudicados por uma economia deprimida? Não se tornam programas permanentes?

Uma vez mais, não. Os benefícios-desemprego flutuam de acordo com os ciclos de negócios, e em termos de porcentagem do Produto Interno Bruto (PIB), são hoje de cerca de metade do que eram em seu pico mais recente. O uso do auxílio-alimentação continua em alta, graças ao mercado de trabalho que continua horrível, mas a experiência histórica sugere que também cairá acentuadamente se e quando a economia realmente se recuperar.

Incidentalmente, a experiência estrangeira segue o mesmo padrão. É comum ver o Japão descrito como país que adota uma sequência interminável de medidas de estímulo fiscal. Na realidade, os japoneses adotam políticas de estímulo intermitentes, aumentando os gastos quando a economia está fraca e restringindo-os quando surgem os primeiros sinais de recuperação (o que reconduz sua economia à recessão).

Assim, a ideia mesma de que os estímulos de tornam permanentes é uma fantasia disfarçada em realismo e sensatez. No entanto, mesmo que você não acredite que o estímulo é permanente, as teorias econômicas keynesianas dispõem não só que um país deve acumular deficit nos momentos ruínas mas que deveria pagar suas dívidas nos momentos positivos. E seria tolo imaginar que isso de fato aconteça, não?

Na realidade, não. O indicador essencial a observar é a razão entre dívida e PIB, que mede a posição fiscal de um governo melhor do que o valor em dólares da dívida, ainda que este seja mais simples de acompanhar. E, se você observar a história dos Estados Unidos desde a Segunda Guerra, descobrirá que, dos dez presidentes que precederam Barack Obama, sete deixaram seus cargos com uma razão dívida/PIB inferior à que existia ao assumirem.

AS TRÊS EXCEÇÕES

Quem foram as três exceções? Ronald Reagan, e George Bush pai e filho. Assim, elevações de dívidas que não se associam a guerras ou crises financeiras extraordinárias estão inteiramente ligadas a governos conservadores de linha dura.

E existe um motivo para esse vínculo. Os conservadores dos EUA há muito seguem a estratégia de “sufocar a besta”, reduzindo impostos de forma a privar o governo da receita de que necessita para pagar por programas de alta popularidade.

O engraçado é que nesse exato momento os conservadores linha dura em questão declaram que não devemos acumular deficit em um período de crise econômica. Por quê? Porque, alegam, os políticos não farão a coisa certa e não pagarão a dívida quando as coisas melhorarem. E quem seriam esses políticos irresponsáveis de quem os conservadores estão falando? Bem, eles mesmos.

Para mim, parece que estamos falando de uma versão fiscal para a definição clássica do termo “cara de pau” – a saber, matar os pais e depois apelar por simpatia porque você é órfão. Aqui temos conservadores nos dizendo que devemos apertar os cintos a despeito do desemprego em massa porque de outra forma futuros conservadores continuarão operando em deficit quando as coisas melhorarem.

Dito assim, é claro que parece tolo; mas não é tolice, e sim uma tragédia. A desastrosa virada para a austeridade destruiu milhões de empregos e arruinou muitas vidas. E é hora de invertermos nosso curso. (transcrito da Folha)

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4 thoughts on “A coalizão dos caras de pau

  1. Amigos do Leão (Mega-Solução, Evolução) X amigos da Onça (coninuismo da mesmice, oposição e situação). É esse o jogo que temos que jogar. Mas, pelo visto o PSDEMB-agregados, Aécio e cia da mesmice, são mesmo um caso irrecuperável de ressaca eleitoral que mesmo ainda nesse estado finge que não tem nada a ver com os porres eleitorais, com os 171s eleitorais já praticados no passado, apostando que o povo tb sofre de amnesia eleitoral. Assim agindo, tentando ocupar o lugar do Novo de Verdade (que é o PNBC-ME-HMM), PSDEMB-agregados, com Aécio e cia da mesmice, comportam-se como amigos da Onça, à moda silvérios dos reis, em relação ao Projeto Novo e Alternativo de Nação e de Política-partidária-eleitoral. Mas os amigos da Onça são assim mesmo e em Política não sabem fazer outra coisa senão apenas cutucar a Onça com vara curta,até que o Leão com o seu PIBÃO vara comprida entre em cena e pegue todos elles de jeito,os quatro,em público,na oposição e na situação. Os que jogam o jogo dos impostores políticos temporais, à base da esperteza, do oportunismo, da confusão, do “do quanto pior melhor” e da má-fé, e fazem de tudo para atropelar o Projeto Novo e Alternativo de Nação e de Politica-partidária-eleitoral, natural, não são abençoados por Deus e serão castigados outra vez, naturalmente. E o tempo mostrará isso.

  2. Brilhante artigo do Prêmio Nobel de Economia Paul Krugman. Mas as coisas se passam assim, porque a Política de Austeridade favorece aos Credores, enquanto que a Política de Estímulos favorece aos Devedores. Como quem faz a maior parte das doações para as Eleições são os Credores, fica difícil fazer a Política certa. Abrs.

  3. Vamos ao que “está realmente acontecendo no mundo”. De teorias e teorias, ninguém aguenta mais. O Japão, há vinte anos sem mover uma palha sequer, jásem crescer, permanece entre as três maiores economias do mundo. Há três semanas, anunciou que colocará no mercado – à disposição dos bancos – US$1,7 trilhão, fato inédito. Com isso, sua moeda caiu 30% e o país voltará a exportar mais. O consumo está estimulado.
    Nos Estados Unidos, o presidente do FED já vem disponibilizando mensalmente aos bancos US$85 bilhões para recuperar a economia do país. Está (mesmo?) dando certo.
    François Hollande pediu ao Banco Central Europeu um socorro de 6 bilhões de euros para um programa voltado para os jovens desempregados.
    Como seja: o Estado (leia-se; o cidadão-contribuinte-eleitor), nestes países, vêm carregando nas costas todos os problemas que a jogatina e a gastança desmedida causaram, ao longo de muitos anos. E prossegue dando mais e mais dinheiro para a “recuperação” das economias. Ora, economistas alemães alertaram há dias que o euro durará no máximo mais cinco anos. Mas, até lá, a devastação é terrível. Reagan, Bush pai e Bush filho “liberaram geral”, estimularam a gastança e o endividamento, fatores que compõem a cultura dos norte-americanos. É o “american way of life” de sempre. Como resultado, os Estados Unidos já estão rererenegociando sua dívida pela vez 79. Wall Street deveria ser fechada antes de Guantánamo, pois é de lá que são fabricadas as mulheres-bomba do estilo austeridade, que explodem nos colos de milhões ou bilhões de famílias em todo mundo.
    Hoje vemos todos os países se valendo dos bancos oficiais para salvar suas economias desta interminável crise … que para mim não terá solução, dentro da cartilha atual.
    O Trabalhador sustenta o Estado. O Estado sustenta os bancos. Os bancos sustentam os empresários. Os empresários … exploram o povo. É a roda da tortura e da morte.
    No dia em que analisassem a sério “A Origem do Capital”, perceberiam sem esforço algum que tudo tem início no Trabalho, o real fator de produção. Mas … preferem adotar procedimentos vampirescos, arrasando com a vida, com a saúde, com a esperança, com a dignidade, com o direito do cidadão a um lugar ao sol, neste mundão que temos.
    Estas teorias todas estão tremendamente erradas!!! Criminosamente erradas!!! Só fazem aumentar a desgraça de multidões incalculáveis!!! Vejam isto. 10 empresas controlam 85% dos alimentos do mundo. O sociólogo suíço, ex-relator das Nações Unidas para o Direito à Alimentação, JEAN ZIEGLER, afirmou que a fome é o fator que mais leva à morte, atualmente. Por ano são 18 milhões de pessoas. Ele não contou que, em quatro anos, no Congo, morreram quatro milhões de pessoas, naquela guerra que terminou em 2003.
    Outro dado macabro. 356 pessoas físicas (pessoas físicas!!!) têm o poder sobre mais de uma metade do dinheiro circulante no mundo.
    Pergunto: um troço desse pode dar certo? Sim, pode. Para “eles”. Repito: A Origem do Capital teria que ser estudada, analisada, pesquisada, etc … e ser implementada em todo o mundo. O Trabalhador – e não estas teorias e suas famigeradas cartilhas – seria o artista principal deste filme e de todos os outros.
    Mas … quem se importa???

  4. Almério, comentário quase-perfeito, vez que não foi dado destaque explícito ao polo gerador dos dinheiros citados, sobretudo nos EUA e Europa: bancos particulares. O FED é um consórcio de bancos particulares, não é “governo americano”.

    Assim caminha a atual desumanidade: os governos dos EUA e Europa imprimem títulos (com juros) que são trocados pelos dinheiros de vento dos bancos centrais particulares que imprimem as notas de dólares e euros (sem juros)…

    O dinheiro é gasto pelos governos, para ajudar suas comunidades.
    E ficam os títulos a serem pagas pelas populações, com juros, para ajudar seus emissores, os bancos.

    Aqui no Brasil, mesma coisa, ainda que ligeiramente diferente: quem imprime moeda não é o governo, ele imprime somente títulos, resgatados lá no final com juros.

    Arremato, com créditos ao Almério:
    Mas … quem se importa???

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