Bolsonaro em Nova York, se falar o que pensa, vai escandalizar a ordem mundial

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O Globo

Bolsonaro deve falar nesta terça-feira em Nova York. É o acontecimento da semana, embora as semanas no Brasil surpreendam com frequência. Escrevi um artigo tentando elaborar sobre o contexto que espera Bolsonaro. No passado não era assim. Os presidentes brasileiros inauguravam a sessão da ONU com discurso protocolar e bocejos na plateia.

Sarney foi criticado por citar um obscuro poeta maranhense em seu discurso. Se o problema agora fosse esse, nem valeria escrever sobre o tema.

FORTE REAÇÃO – Bolsonaro ignora o ímpeto das forças que despertou com sua política amazônica. Ninguém o avisou. Seu chanceler acha que a Nasa não distingue fogueira de queimada. Internamente, estimulou os predadores. Era evidente que o enfraquecimento da fiscalização, a promessa de trazer mineradoras americanas para atuar na Amazônia, tudo isso contribuiu para a frase que estava no ar: da próxima vez o fogo.

Nos Estados Unidos houve quem afirmasse que as queimadas na Amazônia são uma grande ameaça à segurança nacional e devem ser tratadas como armas de destruição massivas.

Macron recuperou, timidamente, o discurso de Mitterrand sobre soberania limitada. Mitterrand a mencionou em dois casos: destruição ambiental e grandes violações dos direitos humanos.

CONSEQUÊNCIAS – Esse debate aparece pouco no Brasil. Mais concretas são as consequências econômicas. Fundos de pensão estrangeiros, que administram trilhões, exigem uma política de preservação da Amazônia. No meio da semana, a Áustria fez saber que não apoiaria o tratado da Europa com o Mercosul por razões ambientais.

São muitas as oportunidades que o Brasil pode perder se insistir no tom de Bolsonaro. O centro do debate não é a soberania, mas o que o Brasil faz dela numa região específica que interessa ao planeta.

Num contexto tradicional de buscar as melhores vantagens para o país, a Amazônia é dos maiores trunfos para nossa diplomacia. Basta reconhecer como legítima a preocupação internacional, que não é apenas dos líderes mundiais, mas também de seus eleitores.

COOPERAÇÃO – A partir daí, é possível definir um amplo campo de cooperação. Só não fico aflito porque sei que uma coisa é Bolsonaro e suas redes; outra é o Brasil real. Nove governadores da Amazônia Legal falam pela região e desenvolvem uma política própria. Sabem melhor o que estão fazendo porque conhecem a Amazônia e se preocupam com a sorte de 28 milhões de pessoas que vivem na região.

De uma certa forma, isso acontece também com o Trump nos Estados Unidos. Os governadores que levam a sério as mudanças climáticas desenvolvem uma política própria.

O problema, no caso brasileiro, é que Bolsonaro é um presidente bastante conhecido no exterior. Nova York não se importa tanto com a ONU e os discursos. Mas a imprensa e a televisão certamente vão se interessar. Será uma semana de grandes debates sobre o clima na ONU. Manifestações e tudo mais.

O QUE DIRÁ? – Não sei precisamente o que Bolsonaro falará. Mas, se falar o que pensa, vai escandalizar; se falar o que não pensa, talvez não seja convincente.

Se pelo menos citasse poetas maranhenses. O passivo já é grande. É preciso reconstruir a relação com os europeus, afastar as sempre presentes ameaças de boicote comercial.

Bolsonaro vê a Amazônia com os olhos dos fazendeiros que o apoiam. Critica os fiscais e ignora um campo em que precisa crescer: o combate à biopirataria.

CONHECIMENTO – O centro da tragédia de sua política amazônica é subestimar o conhecimento que a floresta pode produzir e o já acumulado pelos seus habitantes. No Pará existe um homem que cria cobras e vende seu veneno para a indústria farmacêutica. Ganha bem, e o veneno tem inúmeras utilidades medicinais. Novas espécies são identificadas pelos pesquisadores, às vezes cinco por semana.

O conhecimento da Amazônia é o instrumento estratégico que o Brasil precisa manobrar, definindo a cooperação estrangeira, direitos autorais de povos da floresta, enfim exercendo sua soberania nos fatos onde realmente ela interessa, e não em discursos para entusiasmar eleitores, cada vez menos entusiastas, cada vez mais envoltos nas brigas internas.

Quando não há horizontes, a sensação é de naufrágio, que, aliás, se define mesmo como a perda do horizonte.

15 thoughts on “Bolsonaro em Nova York, se falar o que pensa, vai escandalizar a ordem mundial

  1. não há nada de bom que Bolsonaro possa dizer que uma rápida busca no Google não desminta: quem falava em matar, em desmatar, em garimpar, em escorraçar índios de suas terras? Pouco vai adiantar desfilar a cunhã que embalou como bagagem para lá.

    http://bit.ly/2mGjoqW

  2. “…sabem melhor o que estão fazendo porque conhecem a Amazônia e se preocupam com a sorte de 28 milhões de pessoas que vivem na região.”

    -Ué?
    -Parece que os Coronéis do Norte só começaram a se preocupar com a miséria das pessoas da região agora, depois do dia 01 de janeiro de 2019.
    -Sendo assim, então o Bolsonaro, o “despertador das virtudes”, deveria ter sido presidente na época do José Sarney, para fazer esse “despertar” acontecer mais cedo na alma de quem sempre usou o Estado para si. Aí teríamos trinta anos de preocupações com a pobreza, com o emprego e com o desenvolvimento da região.
    -Talvez esses patriotas, que têm “amazonino” até no nome, já tivessem resolvido esses problemas, que foram todos mantidos no esquecimento até 31 de dezembro de 2018.

  3. Os dados sobre o desmatamento na Amazônia mostram que de 1994 ate 2004 (pico) ocorreu um elevado aumento no desmatamento, mas de 2004 ate 2012 (minimo), a queda no desmatamento foi constante e colossal.

    Essa queda evidencia os esforços dos governos federal e locais para a melhoria do quadro. E olhe que nesse período, o Brasil experimentou forte crescimento econômico e social. O Brasil virou referência mundial nesse quesito. Seria possível crescer economicamente e preservar o ambiente.

    Mas, desde 2012, o desmatamento vem aumentando a uma taxa crescente, com 2018 chegando a um valor acima do esperado.

    Com Jair na presidencia, surge o alerta vermelho: o desmatamento nos primeiros meses do ano de 2019, é muito maior do que todas as previsões mais pessimistas.

    Então, ou Jair mostra ação para reduzir o desmatamento na amazônia ou será visto como um genocida ambiental, que esta queimando os esforços de uma década do Brasil para reduzir os desmatamento e garantir a preservação do maior tesouro da Amazônia: sua biodiversidade.

    • “De admiradora de Jean Wyllys a eleitora de Bolsonaro: a youtuber indígena que defenderá o governo na ONU:

      “Existe muito fake news dizendo sobre as queimadas. Estão dizendo que é culpa do governo Bolsonaro, que ele entrou e está queimando todo o Xingu. Não existe isso daí. A nossa cultura é fazer roça pra plantar mandioca e pra plantar outras coisas. Isso faz parte da nossa cultura, não é porque entrou um novo governo e ele tá queimando tudo. Nessa época de ano, essa época quente, sempre houve queimadas pra queimar roça. Isso faz parte, é normal. Isso é tudo exagero que a mídia está fazendo, não é culpa do governo”, afirma Ysani em um vídeo de dois minutos e meio postado há dois dias na página do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, com legendas em inglês.”

      https://www.bbc.com/portuguese/brasil-49804834

      (Evoluir é preciso!)

    • Se depender de passado Bolsonaro está perdido, pois era apaixonado por Hugo Chavez e votava com o PT. Inclusive chegou a ser preso quando era capitão do exército porque descobriram um plano dele para explodir bombas em quartéis por aumento de soldo.

  4. A nível mundial grupos conquistaram direitos de autonomias regionais e até independência por pressões mundiais e da ONU.
    Tem político (e jornalista) brasileiro mais preocupado em mostrar indignação às insinuações e assédios estrangeiros ao território, mas a via para alcançarem um determinado status pode ser outra, indireta, ao incluir o elemento povos indígenas.
    Se os militares e o governo que pretende demonstrar nacionalismo sem (de fato) ser quisessem o Brasil respeitado, agiria com respeito às minorias.

  5. Com todo respeito que Fernando Gabeira merece, não concordo com seu artigo publicado aqui.
    Primeiramente, com o nível de candidatos que disputaram a eleição passada, daria para Gabeira se eleger presidente ou governador (parece ter conhecimento necessário para assumir ambos os postos, mas prefeririu não se candidatar a nenhum dos dois. E agora, assim como FHC, usa essa tribuna para dar pitacos prematuros).
    É interessante lembrar, que o governo iniciou em janeiro e a “porteira” estava arrombada. Nenhum político brasilieiro seria capaz de fazer nenhuma melhoria acentuada em tão pouco tempo e é bom lembrar que “vários políticos sobrenaturais” simplesmente se omitiram de fazer algo, pois sabiam da bagunça que encontraria o país.
    A esses, tenho um ditato bem objetivo “É MUITO FÁCIL SER PEDRA, QUERO VER SER VIDRAÇA”.

  6. Aprendi mais um termo, Despertador das Virtudes.
    É fato, depois que ele assumiu houve um surto de virtudes despertadas e os virtuosos estão em pé de guerra, como pode um cara desse ser presidente?
    A esquerda é o berço desse parto de virtuosidade.
    Antes era o céu, agora é inferno.

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