Deltan vê com “cautela” a indicação de um nome fora da lista tríplice para a PGR

“O País precisa de alguém independente lá (na PGR)”

Ricardo Brandt e
Fausto Macedo
Estadão

O procurador da República Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato, em Curitiba, afirma que recebeu com “cautela” a indicação feita por Jair Bolsonaro de um nome fora da lista tríplice para o cargo de procurador-geral da República. Augusto Aras foi escolhido pelo presidente e contrariou escolha feita pela categoria, que havia listado três nomes de possíveis sucessores da atual PGR, Raquel Dodge. “O País precisa de alguém independente lá (na PGR) e a lista tríplice contribui para essa independência. Além disso, os nomes da lista tríplice passaram por um teste de fogo em debates públicos. O histórico e os planos de gestão deles foram testados e aprovados, de modo transparente e democrático”, afirmou Dallagnol, em entrevista exclusiva ao Estadão.

“O procurador-geral tem importantes atribuições, inclusive em matéria anticorrupção. É ele, por exemplo, que decide investigar ou processar deputados, senadores e ministros em grande parte dos casos. É ele quem participa da formação de precedentes no Supremo”, acrescenta. Por e-mail, Dallagnol falou ao Estado sobre a fase de ataques à Lava Jato, sobre o esvaziamento no Congresso do pacote anticorrupção do ministro Sérgio Moro, Justiça e Segurança Pública, dos reveses que a operação enfrenta no Supremo Tribunal Federal (STF).

Estado: Não é a primeira vez que a Lava Jato enfrenta ataques nesses cinco anos. É a fase de ataques mais efetivos?

Deltan Dallagnol: Com certeza. No fim de 2016, quando as 10 Medidas Contra a Corrupção foram desfiguradas, foi aprovada na Câmara dos Deputados uma lei de abuso de autoridade que objetivava intimidar policiais, procuradores e juízes que enfrentassem poderosos. Em seguida, o Senado chegou a dar urgência ao projeto, mas recuou. Naquela época, um parlamentar respeitado me disse que aquilo era um jogo de cena. Não era uma desistência, mas sim uma retirada estratégica e que voltariam ao ataque no momento certo para retaliar a Lava Jato. Agora, a lei foi aprovada. Pelo jeito, o momento chegou.

Estado: É possível detectar de que frente vem esse ataque?

Dallagnol: Identifico um enfraquecimento no combate à corrupção vindo de vários lados. Uma recente decisão do Supremo pode anular grande parte das condenações da Lava Jato, a depender da extensão que venha a se dar a ela. Um ministro daquela Corte proibiu certas comunicações do Coaf e da Receita Federal para o Ministério Público e a polícia que são essenciais para investigações de corrupção. O tribunal pode rever ainda a prisão em segunda instância. No Congresso, era necessário melhorar a Lei de Abuso, mas o que veio foi uma lei que amarra investigações e processos contra poderosos. Além disso, são gestadas péssimas mudanças como a proibição da colaboração premiada de presos. O projeto anticrime do ministro Moro está sendo esvaziado no Congresso. O procurador-geral não saiu da lista tríplice. Importante dizer que não é uma crítica às instituições, que são essenciais à democracia ou às pessoas, mas a atos e decisões que, na visão de agentes do Ministério Público, prejudicam o trabalho anticorrupção. Há muitos agentes nos três Poderes hoje, aliás, que defendem vigorosamente a causa anticorrupção. Precisamos de mais gente assim.

Estado: O que está em jogo?

Dallagnol: O legado da Lava Jato como patrimônio da sociedade brasileira e o futuro da causa anticorrupção no País. Está em jogo que tipo de país queremos ter e deixar para nossos filhos e netos.

Uma pesquisa da Transparência Internacional mostra que a população brasileira é a segunda mais honesta da América Latina quando se olha para a base da pirâmide. Contudo, no topo, temos um violento capitalismo de compadrio, uma corrupção institucionalizada, uma apropriação privada do poder e dos recursos públicos. Estudos mostram que países com menos corrução têm melhores índices de desenvolvimento econômico e social. Está em jogo que país queremos ter. E não adianta ficar sentado esperando que melhoras caiam no nosso colo. Temos que buscá-las, é claro, pelos canais democráticos.

Estado: O próprio STF tem decidido retirar casos de Curitiba, como o caso Mantega. Há riscos para os processos?

Dallagnol: O caso (do processo contra o ex-ministro Guido) Mantega envolve evidências de que houve a edição de medidas provisórias do interesse da Braskem em troca do pagamento de nada menos do que R$ 50 milhões ao Partido dos Trabalhadores. Os fatos têm uma relação de conexão com outros fatos que tramitam na Justiça Federal de Curitiba. O ministro Gilmar Mendes, do Supremo, discordou e mandou o caso para Brasília. Decretou ainda a nulidade das decisões, inclusive de buscas e prisões. Vejo dois problemas na decisão. Primeiro, o caso deveria ter subido a escada dos outros tribunais, via habeas corpus, antes de chegar ao Supremo. Houve um atalho via reclamação que entendemos equivocado, o que chamamos de supressão de instância. Em segundo lugar, o ministro responsável seria o ministro Edson Fachin, responsável pela Lava Jato, e não o ministro Gilmar, que tinha decidido um caso diferente relativo a Guido Mantega, da JBS. A própria PGR apontou que o direcionamento da distribuição ao ministro Gilmar era indevido. No passado, criticamos decisões do ministro Gilmar no caso integração, envolvendo pessoas ligadas a Beto Richa, ex-governador do Paraná pelo PSDB, que deveriam em nosso entender ser decididas pelo ministro Luís Roberto Barroso, responsável pelo caso. Na minha perspectiva, com todo respeito à Corte, isso traz riscos e insegurança jurídica para os processos.

Estado: Como recebeu notícia de desligamento dos seis colegas integrantes do Grupo de Trabalho da Lava Jato na PGR?

Dallagnol: Eles são colegas respeitados, sérios, dedicados e competentes. Farão uma grande falta para a atuação da Lava Jato perante o Supremo Tribunal Federal, uma frente de esforços determinante para o futuro da operação. É com eles que, na prática, interagíamos no dia a dia.

Estado: Pode haver uma debandada na FT em Curitiba ou em outras forças SP, RJ etc?

Dallagnol: Em Brasília, os procuradores atuavam como assessores da procuradora-geral. Apoiavam ela na atribuição dela, e não naquela deles mesmos. Já em Curitiba, São Paulo e Rio, não atuamos como assessores da procuradora-geral e não fomos informados do que aconteceu porque aparentemente se relaciona a algo com sigilo. Aqui em Curitiba, trabalhamos na nossa própria atribuição, de modo conjunto, democrático e sem chefes. Passaram 19 procuradores aqui, colegas que também são respeitados por seu caráter, dedicação, competência e profissionalismo. Atuamos com absoluta correção em nossa atividade e confiamos uns nos outros. A equipe segue unida.

Estado: Um dos motivos teria sido o entendimento em um acordo de colaboração. Houve uma mudança de procedimentos e postura em relação aos acordos de colaboração com Raquel Dodge?

Dallagnol: O andamento de acordos ficou mais lento nesta gestão. Por outro lado, a procuradora-geral manteve a estrutura da Lava Jato em Curitiba, prorrogou a força-tarefa e tinha uma excelente equipe de procuradores perante o Supremo. Devemos conviver com divergências, desde que o foco da atuação seja o interesse público.

Estado: Havia uma esperança de que com Bolsonaro no governo e o ministro Sérgio Moro na equipe, houvesse avanços no combate à corrupção?

Dallagnol: Os principais avanços contra a corrupção dependem de novas leis no Congresso, embora o presidente e o ministro da Justiça possam contribuir na articulação política. Hoje se sabe muito do que se precisa fazer para diminuir a corrupção. A dificuldade é que quem tem o poder para mudar muitas vezes não quer as mudanças porque se beneficia do estado de coisas. Independentemente da preferência partidária, precisamos investir tempo, cobrar preparo dos candidatos, olhar seu histórico, cobrar compromisso com a pauta anticorrupção e também fazer contribuições eleitorais de pequenos valores porque os candidatos  enfrentarão um fundo eleitoral bilionário que estará nas mãos de caciques partidários. É preciso também cobrar quem está lá hoje, passar a mão no telefone ou enviar e-mail para os deputados e senadores. Isso tudo é fortalecer a cidadania.

Estado: Como recebeu a notícia de indicação pelo presidente de um nome fora da lista tríplice para assumir a PGR?

Dallagnol: Com cautela. O procurador-geral tem importantes atribuições, inclusive em matéria anticorrupção. É ele, por exemplo, que decide investigar ou processar deputados, senadores e ministros em grande parte dos casos. É ele quem participa da formação de precedentes no Supremo. O País precisa de alguém independente lá e a lista tríplice contribui para essa independência. Além disso, os nomes da lista tríplice passaram por um teste de fogo em debates públicos. O histórico e os planos de gestão deles foram testados e aprovados, de modo transparente e democrático.

Estado: O presidente comparou o cargo de PGR a uma “dama” no tabuleiro de xadrez. Como recebeu essa comparação e a própria manifestação da ANPR que viu tentativa de alinhamento entre o presidente o novo PGR?

Dallagnol: Não li essa manifestação, mas precisamos de um procurador-geral forte, independente e que tenha liderança institucional. A Constituição desenhou o Ministério Público como um órgão independente dos demais Poderes justamente porque uma de suas funções é fiscalizá-los.

Estado: O que esperar do novo PGR?

Dallagnol: Vamos ver.

Estado: O novo PGR já falou em “correção de pequenos desvios” e “personalismo” ao tratar sobre a força-tarefa da LJ. Isso preocupa?

Dallagnol: Nosso plano sempre foi de apresentar o trabalho da Lava Jato ao procurador-geral, fosse quem fosse, inclusive para desmistificar alguma percepção que a nosso ver seja equivocada. Hoje circula muita informação deturpada sobre nossa atividade. De nossa parte, faremos nosso melhor para seguir servindo a sociedade, responsabilizando corruptos poderosos e recuperando o dinheiro desviado. Neste ano, já fizemos mais denúncias do que nos anos de 2015, 2017 e 2018 inteiros e fizemos acordos de recuperação de R$ 2 bilhões.

Estado: De que forma os ataques e os questionamentos de procedimentos feitos ao senhor e a membros da equipe da FT com base nas mensagens hackeadas tem afetado o trabalho da LJ?

Dallagnol: De diferentes formas. Além de exigir tempo para levantarmos informações sobre fatos, muitos ocorridos há anos, há ainda uma frustração com constantes deturpações do que aconteceu. As falsas acusações, construídas sobre interpretações enviesadas de mensagens que em geral não conseguimos atestar, faz a Lava Jato sangrar. E aí vêm os tubarões. Muitos investigados e réus da Lava Jato seguem com grande poder.

Estado: Como vê a possibilidade de punição administrativa contra o senhor ?

Dallagnol: Hoje há dois casos em que foi instaurado processo administrativo disciplinar contra mim, por alegada quebra de decoro. Um por críticas feitas numa entrevista de rádio a decisões dos ministros Gilmar, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski. Outro por críticas ao senador Renan Calheiros e por defender o voto aberto na eleição para presidência do Senado. No meu entendimento, minhas manifestações se deram dentro de meu direito de liberdade de expressão, com o propósito de contribuir para o debate democrático. Não fiz ofensas pessoais, não usei palavrões e jamais defendi pautas partidárias. Por isso, espero que não haja punições.

13 thoughts on “Deltan vê com “cautela” a indicação de um nome fora da lista tríplice para a PGR

  1. Antes da Revolução … vigia o Antigo Regime, desde o poderoso Nemrod.

    Jesus se negou a ser Rei no Antigo Regime, né???

    Após a Revolução Russa … houve a reação da Direita … com fascismo, nazismo, (new deal), franquismo, salazarismo, pinochetismo … todos à margem da Doutrina Social da Igreja (pois não prevê Ditaduras!!!) … e em nenhum caso houve Restauração Real do Antigo Regime!!!

    Caso especial é o da Revolução das Mulheres com Terço nas Mãos de 19/03/1964 com Família Deus Liberdade … só atendidos com a CIDADÃ de 1988!!!

    Com as recentes decisões … se volta ao Antigo Regime … e até em situação pior; pois os capitães hereditários não eram proibidos de investigar os Fidalgos – só tinham que enviar o Processo para o Rei!!!

    Quando da Tentação: “Lc 4, 5. O demônio levou-o em seguida a um alto monte e mostrou-lhe num só momento todos os reinos da terra, 6. e disse-lhe: Dar-te-ei todo este poder e a glória desses reinos, porque me foram dados, e dou-os a quem quero. 7. Portanto, se te prostrares diante de mim, tudo será teu. 8. Jesus disse-lhe: Está escrito: Adorarás o Senhor teu Deus, e a ele só servirás (Dt 6,13).

    O Antigo Regime é de Satanás!!!

    Só a CIDADÃ restaura o período dos Juízes – quando todos e todas eram iguais perante a LEI LEI LEI.

    A diferença da CIDADÃ … perante as outras Constituições Brasileiras e perante as outras Constituições Mundiais … … … está na INDEPENDÊNCIA do MP … só no Brasil o PGR não tem nenhuma sujeição ao Presidente … ao contrário de Reino Unido, EUA, França, Rússia etc

    • Eliel, meu caro … Bolsonaro foi eleito legitimamente pela CIDADANIA brasileira … todos sabiam que era de Direita … acontece que a CIDADÃ de 1988 não proíbe Presidente da Direita; como também não proíbe da Esquerda, né???

      Não há dúvidas de que há Aparelhamento nas Instituições … e agora se terá um de Direita, certo???

      É previsível … visto que foi escolhida a Direita … e ela tem todo o Direito de governar como Direita … … … só não pode é pisar na CIDADÃ – 2 Presidentes já dançaram … e, com meu emedebismo histórico mais que assumido, às vezes acho que Bolsonaro quer seguir o caminho Autoritário de Collor e de Dona Dilma kkk KKK kkk

    • Ronaldo, meu caro … o senhor está equivocadíssimo.

      Certo que só temos 3 Poderes!!!

      Quanto ao/a PGR devemos observar:
      1 – a Constituição de 1946 dava ao Presidente a nomeação do PGR … que era demissível “ad nutum”.
      2 – A Constituição de 1967 tirou o demissível; porém, se cassava, né???
      3 – A CIDADÃ só permite a demissão do/da PGR após concordância do Senado.

      Porém, todos os procuradores são independentes em termos funcionais … não se lembra do Schelb e do Luís???

      Há procuradores solicitando a Dona Raquel as delações da OAS … com finalidade de sustentar pedido de impedimento!!!

      Sds.

  2. RAVOX BRASIL
    Por 14 anos, procuradores esquerdistas comandaram a Procuradoria-Geral da República (junho/2003 a setembro/2017). Eles acreditam que podem voltar ao comando, utilizando a mesma estratégia: a farsa da lista tríplice.

    Antes de o PT chegar ao poder, havia uns procuradores de esquerda que se consideravam sem vez na cúpula da Procuradoria-Geral da República.

    Por causa dessa situação, eles criaram um grupo político autodenominado de Tuiuiú em alusão à ave pantaneira que tem dificuldade para voar, (que neste caso, chamarei de SISTEMA), pois era assim, sem oportunidade para voo aos cargos mais altos, que eles se consideravam.

    Todos os quatro procuradores-gerais nomeados nos governos Lula e Dilma pertenceram ao grupo (SISTEMA), que tem o seguinte lema secreto: “Aos amigos, tudo; aos indiferentes, nada; aos inimigos, os rigores da lei e tudo de legal ou ilegal que possa ser utilizado como acusação”.

    Houve um acordo tácito (presumido) de permanência recíproca no poder entre o grupo Tuiuiú (SISTEMA) e o governo petista. Para tanto, os tuiuiús utilizaram uma “eleição” denominada de “eleição da lista tríplice” para escolha do procurador-geral da República (PGR).

      • Prezados Eliel e Marcos … há um vídeo da Band com entrevista dada pelo senhor Aras.

        https://www.youtube.com/watch?v=SH9CDC0p5ek&t=979s … Ponto a Ponto: Augusto Aras … Band Jornalismo … Publicado em 5 de set de 2019 … O programa Ponto a Ponto reapresenta a entrevista do subprocurador Augusto Aras. Ele foi indicado nesta quinta por Jair Bolsonaro para suceder Raquel Dodge na Procuradoria-Geral da República.

        29/05/2019 – data da entrevista!!!
        … … …
        Observações de um emedebista histórico:
        1 – Aras em nenhum momento fala sobre as atribuições específicas do MP: defender a ordem jurídica e o regime democrático e garantir os direitos constitucionais;
        2 – se preocupa muito com o corporativismo dentro do MP; e não fala nadica sobre o corporativismo nas outras Instituições;
        3 – Dá a entender que o PGR é para trabalhar junto com o Presidente … quando a CIDADÃ afirma que não há dependência nenhuma!!!
        4 – critica procurador aparecer – e como esconder um que seja atuante???

        Sds.

  3. Deixa eu ver se entendi:

    -O cara pode ser subprocurador-geral durante trezentos anos… mas não pode ser procurador-geral na falta do chefe.
    -É isso?
    -Que dizer que o sub ou o vice não têm competência ou honestidade suficiente para ocupar o cargo do titular?
    -então para que existem tais cargos?

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