E agora? Lula assiste à China engordar o Brics com ditaduras e Estados falidos

Chanceler da África do Sul diz que países do Brics concordaram sobre  expansão | Dinheirama

Dois pra lá, dois pra lá, e a China vai dominando o Brics

Igor Gielow
Folha

Quando surgiu como ideia nos anos 2000, o Brics fazia sentido ante uma realidade mutante. A China emergia com força para o posto de potência desafiante do século 21, com os desafiados Estados Unidos envolvidos em suas guerras sem sentido.

Brasil e Rússia viravam xodós dos mercados com a forte demanda por commodities e os altos preços do petróleo, e no fim da festa a África do Sul chegou para marcar a presença do continente africano, grande playground das ambições chinesas com seus investimentos da Iniciativa Cinturão e Rota. Já a complexa Índia vinha com o peso de sua economia e população, que viria a ultrapassar a chinesa neste ano.

MULTIPOLARIDADE – Como bloco, o Brics encarnava uma multipolaridade que rejeitava o domínio americano estabelecido no pós-Guerra Fria, ainda que na prática seus membros estivessem fazendo negócios com o Tio Sam como sempre.

Ao longo dos anos, do ponto de vista político, navegou entre a utilidade retórica a governantes de ocasião e a mera irrelevância. Seu único ramo concreto, o banco ora presidido pela ex-presidente brasileira Dilma Rousseff, é um instrumento de “soft power” chinês na essência, não por acaso sediado em Xangai.

A Guerra Fria 2.0 lançada em 2017 por Donald Trump contra a assertividade de Xi Jinping, seguida pela convulsão que o mundo vive após uma pandemia devastadora e a volta dos canhões à Europa, cortesia de um dos fundadores do Brics, Vladimir Putin, tudo isso alterou esse cenário.

INVASÃO DA UCRÂNIA – A invasão de 2022 da Ucrânia e a reação ocidental, na forma de sanções draconianas à Rússia e o apoio militar a Kiev, aceleraram o processo de divisão mundial. Grosso modo, Pequim, Moscou e aliados de um lado, EUA e o tal Ocidente coletivo, do outro. No meio, atores relevantes, mas de musculaturas díspares. Caso de Brasil e Índia.

O presidente Lula acalentava, com sua volta ao poder após a devastação deixada na política externa de Jair Bolsonaro, o sonho de tornar-se um líder mundial inconteste. Meteu os pés pelas mãos com suas idas e vindas sobre a guerra e é contestado em seu próprio quintal, do pequeno Uruguai à nova esquerda andina.

Enquanto isso, os indianos iam à Lua, literalmente até. De forma figurativa, Narendra Modi deu um salto espacial à influência de seu país, virando o verdadeiro Lula idealizado: cortejado com visitas de Estado e negócios militares com EUA e França ao mesmo tempo em que, falando em paz, se nega a condenar Putin e amplia a compra de petróleo barato russo.

GRUPO QUAD – Isso permite ao país permanecer num Brics cada vez mais chinês e ser o maior antagonista de Pequim na Ásia, alinhando-se cada vez mais com Washington no Indo-Pacífico, como o grupo Quad (com Japão e Austrália também) demonstra. Se a convivência será possível no futuro, é insondável enquanto o bloco mantiver sua inapetência política.

Com tudo isso, a cúpula da grande expansão do Brics foi um espetáculo de Xi, que busca ser o líder do autoproclamado Sul Global. Rótulos em diplomacia são úteis para sistematizar processos e vender notícia, mas simplificam as coisas.

Veja o Eixo do Mal, pecha impingida pelo presidente George W. Bush ao trio Irã, Iraque e Coreia do Norte em 2002, na aurora de sua campanha militarista que marcou o início do século. Era uma falácia para designar os bodes expiatórios da ocasião. O Sul Global, os antigos não alinhados da primeira Guerra Fria, é uma construção imaginária dadas as disparidades de interesses.

NAFTALINA IDEOLÓGICA – O termo carrega naftalina ideológica antiamericana, mas é dito com boca cheia pelo indiano Modi, para ficar em um exemplo. Hoje, o Brics abarca uma ditadura rival dos EUA (China), uma autocracia aliada a Pequim (Rússia) e três democracias em estágios diferentes de desenvolvimento, com boas relações com o Ocidente (Brasil, Índia e África do Sul).

A composição proposta no convite a novos membros altera esse balanço, embora sempre seja possível justificar abraço em qualquer capeta. Se todo mundo entrar, o grupo ganhará três ditaduras árabes (Arábia Saudita, Emirados e Egito), uma teocracia integrante do antigo Eixo do Mal (Irã) e dois Estados em graus variáveis de falência, a Argentina em crise aguda e a Etiópia recém-saída de mais uma guerra civil.

Os petrodólares dos representantes do Golfo Pérsico justificam qualquer coisa, claro, e Lula poderá cantar vitória por finalmente ter incluído a Argentina no pacote —embora a possibilidade do radical Javier Milei levar a Presidência no país vizinho embaralhe tudo.

NOVOS CAPÍTULOS – A desdolarização, uma das pedras de toque das nações do Brics, ganhará novos capítulos e servirá à retórica de autonomia ao gosto do cliente: Putin precisa dela porque está desplugado do sistema internacional, Xi quer ampliar o escopo do yuan, Lula busca falar grosso.

Nos EUA e na Europa, o Brics ampliado será visto como uma versão sinófila do Eixo do Mal, o que é tão reducionista quanto acreditar em Sul Global.

Na prática, será preciso esperar para ver se a fanfarra dará lugar a mecanismos novos de integração ou se o bloco seguirá sua vocação de irrelevância, agora um pouco mais a serviço de Pequim no seu embate com Washington.

8 thoughts on “E agora? Lula assiste à China engordar o Brics com ditaduras e Estados falidos

  1. Estaria ai nascendo uma nova “União Soviética”?
    Não adianta espernear, gritar ou se descabelar, seremos sempre um “satélite” a orbitar uma astro principal.
    Quanto a Argentina, estão fazendo “qualquer negócio”, pois pior do que já estão, será impossível ficar.
    Passam a acreditar que lula será o Messias que ira salva-los, pois quanto aos seus políticos, perderam as esperanças, a ponto de eleger um
    um “anarco doidão”, que é o sintoma mais perceptível do desespero hermano.

  2. Lula é um oportunista barato! Só pensa em si e na possibilidade de receber um prêmio Nobel . Seria o fim da Academia Real das Ciências da Suécia. Um mala internacional. Egoista e egocentrista. Apenas um anão moral rastejando por essa esfera de terra.

  3. “O aumento do comércio e o uso de moedas locais para troca, a incorporação de países da América Latina à nova rota de seda “ ”, a entrada da Argentina no BRICS, o aumento do investimento direto estrangeiro são alguns sinais de que a gigante asiática leva a sério a disputa sobre esse território.

    Os povos de Nossa América devem estar cientes de que ambos os projetos estratégicos (EUA e China) têm uma concepção extrativista que visa saquear nossos recursos; Somente uma região politicamente fortalecida e economicamente integrada nos permitirá usar esses recursos para permitir o bem-estar e o desenvolvimento econômico da região. Como o Libertador José de San Martin nos ensinou, “ quando a Pátria está em perigo, tudo é permitido, exceto não defendê-lo ”.”.

    https://estrategia.la/2023/08/24/el-brics-ampliado-la-desdolarizacion-y-los-recelos-de-occidente/?fbclid=IwAR21spTVKGLxDLzOKK6ys9up_mtngh0GOZKku9BxMgZMI5PbihD5H8YMlds

    https://estrategia.la/2023/08/25/china-en-latinoamerica-intercambio-comercial-yuanes-y-brics/

  4. Sabemos a quê a submissão aos EUA não levou-nos. Vamos ver como ficaremos focando em outros caminhos. Os EUA e OTAN claro que vão criticar esses acordos. Principalmente com a adoção de outras moedas para o comércio.

    A Arábia Saudita, nova integrante dos Brics, já está abandonando a exclusividade dos petrodólares para suas vendas de petróleo. A Índia já compra petróleo com sua moeda. E até a França já comprou petróleo usando Yuans.

    O dólar ainda domina o comércio mundial, mas já não é exclusividade e isso é péssimo aos EUA.

  5. Irã eixo do mal segundo a régua moral de quem? Dos EUA e dos naziisraelenses??? Piada. Os persas já tem uma economia mais forte e mais diversificada que a brasileira. É o melhor país que vai ingressar nos BRICS.

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