Nelson Lucena, de Caratinga, MG:
”Helio, no momento em que o Ziraldo, meu conterrâneo, parece que vai vestir o fardão tão cobiçado, vejo a tua revelação de que Chico Buarque não quis e não quer a Academia, por causa do pai, que também não quis. Podia explicar como isso aconteceu? Pensei que todos namorassem essa eleição”.
Comentário de Helio Fernandes:
A vida pública no Brasil, caiu muito nos últimos anos, Lucena. Em todos os sentidos e não apenas no político. No plano intelectual acompanhou todo o resto, incluindo a entrada na Academia, muitos fazem o que “for preciso”, para conseguir esse fardão. E a própria Academia tem uma história de submissão e subserviência, que não honra a sua importância histórica, às vezes chega a ser histérica.
Em plena ditadura do Estado Novo, (tão cruel e torturadora quanto a de 1964 ou até mais) o ditador Vargas fez saber que pretendia entrar para a Academia. (Essa comunicação foi feita por intermédio de Lourival Fontes, diretor do DIP, que comandava a censura à imprensa).
Vargas jamais escreveu coisa alguma, se apresentou como candidato com os 10 volumes dos “Discursos”, nenhum escrito por ele. Assim mesmo foi eleito facilmente, era a época em que jornalistas e escritores, (que dominavam a Academia) gozavam das delícias dos empregos públicos, pródigos e valorizados. (Ainda não se vivia de escrever, fosse em jornais ou em livros).
A repercussão negativa foi terrível. Três dos principais intelectuais daquela época, (e chegaram até hoje) Sergio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre e Carlos Drummond de Andrade, protestaram com veemência, não admitiam que a Academia se vergasse daquela forma a um ditador atrabiliário.
Revoltados, fizeram um “pacto pessoal”, que repercutiu fortemente, embora a imprensa fosse abertamente ligada à ditadura. (Como aconteceria em 1964, e como se repetirá sempre, com as naturais restrições de alguns, que honram a humanidade).
Por esse acordo, Sergio, Freyre e Drummond assumiam o compromisso de “jamais entrarem para a Academia”, e não entraram mesmo, apesar dos seguidos convites e insinuações, pois eram naturalmente invencíveis na disputa de qualquer vaga.
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PS – Pouco tempo depois, a Academia tentou se redimir num episódio menor. O general Dolabella, ainda na ditadura, foi candidato único. Teve apenas 10 votos, um choque enorme, morreria de enfarte na mesma noite.
PS2 – Muito tempo depois, Jorge Amado, já na Academia, trataria do episódio, com um livro que publicou com o título sugestivo e elucidativo: “Farda, fardão, camisola de dormir”. Não sei como encontrar, nem quem editou, mas vale a pena a procura e a leitura.
PS3 – Em relação à eleição de agora, teu conterrâneo Ziraldo, caiu dos 11 votos que teve quando perdeu para José Mindlin, cuja vaga agora quer preencher.
PS4 – Única modificação: acadêmicos estão recebendo telegramas de Martinho da Vila. Era apenas um “devaneio” do presidente Marcos Vilaça, tenta se transformar em realidade.