Pedro do Coutto
Ao afirmar no final da semana passada que são inúmeros os casos de violação de sigilo fiscal na área da SRF, o ministro Guido Mantega, responsável maior pelo cumprimento da lei financeira, renunciou tacitamente ao cargo que ocupa. Não sei se a sua iniciativa pública será aceita pelo presidente Lula, mas não importa. Ele revelou não ter condições de gerir a Fazenda, sobretudo porque se encontra no cargo há quase sete anos. Em sete anos aprende-se muita coisa. Ele, Guido Mantega, parece não ter aprendido e percebido nada. Não propriamente do universo econômico, mas sim do universo político.
Como é possível que na delegacia de Santo André, funcionárias aceitem como válida uma procuração evidentemente falsa produzida através do misterioso contador Antonio Carlos Atella Ferreira? Uma simples questão de bom senso e de responsabilidade. Por quê motivo Verônica Serra, filha do candidato José Serra, iria solicitar cópia de sua declaração de IR? Isso em primeiro lugar, em segundo, qual o motivo que a levaria a fazer isso por intermédio de uma procuração? Não terminam aí as contradições. Em terceiro lugar, porque o pedido seria encaminhado através do setor fiscal de Santo André, se ela reside na cidade de São Paulo?
Uma teia imunda de mentiras e de ocultação da verdade – algo tão nocivo quanto mentir e falsificar. A intenção, claro, não podia ser pior. Fechando esta etapa negra da história inverossímil, ao ler o pedido absurdo, a funcionária sequer desconfiou de que algo estava errado? Deveria se dar ao trabalho de confirmar. Caso contrário, ela, mantido esse comportamento, poderia contribuir para devassar o sigilo fazendário de qualquer pessoa.
Aliás foi o que aconteceu. A cena repetiu-se na localidade de Mauá em relação ao ex-ministro Mendonça de Barros, em relação ao ex-diretor do Banco do Brasil Ricardo Oliveira, e o ex-subchefe da Casa Civil de FHC, Eduardo Jorge Caldas Pereira. Este inclusive o mais visado. Romperam seu sigilo fiscal até em Minas Gerais. Incrível. De todos, claro, os mais visados foram Mendonça de Barros e Eduardo Jorge. Bobagem, além de um crime, burrice, porque transações supostamente ilegais não apresentam seu produto nas declarações anuais de Imposto de Renda. Isso equivale a supor que seus autores assinariam as respectivas confissões. Só rindo. Seria cômodo se não fosse dramático.
Os episódios, como admitiu o estado de São Paulo na edição de sábado passado, podem ter contribuído para frear o crescimento acentuado de Dilma Rousseff no Ibope e Datafolha e também a queda de Serra. Mas não são capazes, penso eu, de mudar o quadro da sucessão presidencial claramente definido. Entretanto não é por isso que se deva legitimar a ação dos falsificadores e violadores de declarações de IR. De modo algum. Porque, na realidade, os que dedicam a tal tarefa, não vão parar no cenário eleitoral. Nada disso. Vão utilizar procurações falsas para invadir sites pessoais na Receita e depois tentar chantagear os que considerem suspeitos de rendimentos ilícitos. A violação com motivo político é só uma chave eletrônica para penetrar no mundo de negócios inescrupulosos.
Guido Mantega sabe disso. Sabe que se omitiu ilegalmente. Algo gravíssimo, sob o ponto de vista ético, para um titular da Fazenda. Renunciou. Não só ao governo Lula. Mas jogou fora sua participação no governo Dilma Rousseff. Quem viver verá.