
Menotti Del Picchia, um intelectual multifacetado
Paulo Peres
Poemas & Canções
O político, tabelião, advogado, jornalista, pintor, cronista, ensaísta, romancista e poeta paulista Paulo Menotti Del Picchia (1892-1988) se inspirou numa chuva de granizo que fustigava um cafezal.
CHUVA DE PEDRA
Menotti Del Picchia
O granizo salpica o chão como se as mãos das nuvens
quebrassem com estrondo um pedaço de gelo
para a salada de frutas dos pomares…
O cafezal, numa carreira alucinada,
grimpa as lombas de ocre
apedrejada matilha de cães verdes…
fremem, gotejam eriçadas suas copas
como pêlos de um animal todo molhado.
O céu é uma pedreira cor de zinco
onde estoura dinamite dos coriscos.
Rola de fraga em fraga a lasca retumbante
de um trovão.
Os riachos correm com seus pés invisíveis e líquidos
para o abrigo das furnas. No terreiro,
as roupas penduradas nos varais
dançam, funambulescas, com as pedradas,
numa fila macabra de enforcados!
Sonete de mágoa e de esperança
Por que de mim te alongas ou te afastas?
Será que em ti perdi meu gesto e rosto?
As minhas horas todas já são gastas
Em sonhar-te ditosa ou sem desgosto.
És glória , luz, , e amor.E eu? Sol-posto.
Mas, fugindo de mim , tu me vergastas
E deixas-me ferido, e pobre, exposto
Às vinganças do tempo , iconoclastas.
Para agradar-te , finjo que sou jovem.
Busco enganar-te , a ver se te comovem
As palavras que oferto , de afeição,
A fim de que, qual dádiva , me olhes
Com toda a tua graça e não desfolhes
As pétalas da minha ilusão.