Carlos Alberto Sardenberg
O Globo
Numa boa: se era para colocar o economista Marcio Pochmann no governo, a presidência do IBGE foi uma saída de pouco dano. Lá, o potencial de estragos é menor, quase nada. Com todo o respeito que o IBGE merece, o fato é que lá não se formula nem se pratica política econômica. Trata-se de um órgão que pesquisa e elabora dados. Mede e calcula população, inflação, emprego, desemprego e renda, o Produto Interno Bruto, contas nacionais.
Mais: o IBGE tem tradição e estruturas consolidadas, além de um corpo técnico profissional e gabaritado.
MANIPULAR DADOS? – Algumas pessoas levantaram hipóteses de manipulação dos dados, de modo a criar uma imagem mais favorável do país, beneficiando a propaganda do governo. Por exemplo: martelar os índices de inflação, “produzir” números bem baixinhos, circunstância que favorece o governo de diversas maneiras. Ajudaria a pressionar o Banco Central para uma redução mais acentuada da taxa básica de juros.
Cristina Kirchner fez isso na Argentina. Maduro ainda faz na Venezuela. Aqui mesmo, já houve pressões sobre o IBGE; isso nos anos 80, governo Sarney, para mudar os métodos de cálculo da inflação. Não deu certo. Houve reações políticas e sociais, permitidas pelo ambiente democrático.
Mas, no tempo da ditadura, houve manipulação. Ao final do governo Médici, em 1974, o então todo-poderoso ministro da Fazenda, Delfim Netto, exibia crescimento econômico de milagre, com inflação moderada para a época, 12% ao ano, isso para 1973.
SIMONSEN RECALCULOU – Muita gente desconfiava, mas como reclamar na ditadura? Só de dentro do regime. Foi o que aconteceu no governo Geisel. Nomeado ministro da Fazenda, Mário Henrique Simonsen, entre suas primeiras medidas, providenciou uma revisão da inflação de 1973: não havia sido de 12%, mas de 26,6%, um salto e tanto.
Não foi propriamente uma falsificação, mas um truque. Para conter as óbvias pressões inflacionárias, Delfim havia imposto um controle de preços. A Fazenda fixava os preços, digamos, oficiais, dos principais produtos.
E como sempre acontece nessas circunstâncias, o mercado continua funcionando. Ou seja, havia o preço da tabela e o real, maior, claro. O truque: considerar, na medida da inflação, os preços oficiais. Ocorre que se mediam também os preços reais, que ficavam no armário. Simonsen mandou abrir, e a inflação de verdade era mais que o dobro da oficial.
ATÉ O BANCO MUNDIAL – Seguiu-se um debate entre os dois economistas, mas ficou claro, especialmente para a população, que 26% era o número. O Banco Mundial também fez uma revisão dos dados brasileiros e chegou a uma inflação de 22,5% para 1973. Era por aí.
Qual a chance de acontecer de novo? Zero. Imagine que o presidente do IBGE tente interferir na coleta de preços e cálculo do índice. Em menos de um dia o caso estará na imprensa. Será vazado por funcionários do instituto, zelosos de seu trabalho e sua moral.
Além disso, os índices do IBGE são acompanhados com lupa por centenas de analistas. Há economistas de banco cujo trabalho é adivinhar os números.
COM BASE NO IBGE – Nas consultorias, equipes especializadas até fazem coleta de preços essenciais, além de seguir o detalhe das pesquisas do IBGE, de modo a antecipar cenários para seus clientes.
Basta acompanhar o noticiário. Na véspera da divulgação de qualquer indicador importante, jornais e sites trazem as estimativas do mercado. E sempre bate, não na mosca, mas no alvo.
Tudo considerado, o mercado, os analistas, os jornalistas perceberão qualquer tentativa de manipulação. Quer dizer, então, que a escolha de Pochmann para o IBGE não tem importância alguma?
TEM IMPORTÂNCIA – Trata-se de um mau sinal. Indica que a ideia foi colocar um companheiro numa boa posição, mesmo ele não tendo o currículo e a expertise para o cargo.
Ele não interferirá na gestão da política econômica, como sugeriram pessoas ligadas à ministra Simone Tebet e ao ministro Fernando Haddad. Algo do tipo, deixa pra lá, mal não fará.
Mas pode fazer algum estrago administrativo ou técnico num órgão tão importante. Mede-se um governo pelo que faz e pelo que não faz. Não mexer no IBGE seria melhor. Sobretudo porque a mexida sugere que podem existir coisas piores em andamento.