Pedro do Coutto
Na página da Folha de São Paulo em que brilha todos os domingos, leitura imperdível, Caderno Ilustrada, na edição de 23 pp Ferreira Gullar referiu-se ao desencadeamento do movimento militar que derrubou o governo Jango em 64, acentuando que, num primeiro momento, sensibilizou favoravelmente a opinião pública, que temia uma república sindicalista com a participação do comunismo.
O comunismo era o fantasma da época que ameaçava a democracia e atemorizava os democratas. Gullar citou os artigos que o Correio da Manhã publicou na época, especialmente o primeiro, cujo título era: Basta. João Goulart ainda era presidente e começava a ser deposto. O segundo foi: Fora. Nos dois casos, primeira página, ponto de exclamação após os emblemas. Logo a seguir, no terceiro dia, Basta e Fora. Os dois primeiros artigos, para dar meu depoimento, pois trabalhei no jornal vinte anos, foram de autoria de Edmundo Moniz.
Curioso o destino. Anos depois, no Rio de Janeiro, foi Secretário de Cultura do Governo Leonel Brizola, substituindo Darcy Ribeiro que se elegeu senador. O terceiro artigo foi redigido em conjunto pelo mesmo Edmundo Moniz e pelo crítico Antonio Moniz Viana, na ocasião adepto inflamado de Carlos Lacerda. Estou me referindo à autoria porque, volta e meia, surge alguém por aí se apresentando como o produtor dos textos carbonários e extremamente arriscados para a ocasião.
Mas existe um quarto artigo da série, este do grande Oto Maria Carpeaux, omitido pelos historiadores. Uma pena. Peço o apoio do centro de Pesquisa e Documentação da Fundação Getúlio Vargas. O título: Basta, Fora a Ditadura. Carpeaux estava sendo profético com o que sucederia no Brasil ao longo de vinte e um anos. De Castelo Branco à posse de José Sarney pode até ser o nome do capítulo a que me referi. Mais entre tantos que ficam na poeira do tempo e da história. Mas autoria e ditadura são outras questões.
Quero me referir ao tema de Ferreira Gullar, a ilusão e a divisão. O movimento revolucionário de 31 de março iludiu a classe média que foi às ruas com Deus pela família apoiar o golpe de Estado. A ilusão durou pouco. Sobretudo porque o principal líder da insurreição e da classe média, o governador Carlos Lacerda, foi logo afastado do palco do poder.
Os grupos econômicos internacionais que sempre o apoiaram, no mês de abril dividiram-se entre ele e Roberto Campos, titular do Planejamento, mas na realidade primeiro ministro do governo Castelo Branco. A cisão se acentuou porque o projeto de Lacerda era a eleição para presidente da República, claro incluindo a cassação de Juscelino.
O rumo do poder parecia ter-se aberto para o governador da Guanabara. Porém o projeto das correntes que se exprimiam na sombra e no culto de Roberto Campos não desejavam o destino incerto das urnas. Foi a primeira divisão do sistema militar de poder. Começava a noite dos generais, a sequência de governos mi8litares. Nem por isso deixaram de haver divisões.
Costa e Silva chegou ao Planalto em oposição a Castelo Branco. Costa e Silva, por sua vez, tornou-se prisioneiro do esquema militar. Perdeu espaço no seu próprio governo. Não resistiu. Foi atingido por um derrame cerebral e morreu. Assumiu Médici. Procurou conciliar as facções. Não conseguiu. Ernesto Geisel foi escolhido contra sua vontade.
Geisel, este sim, superou a divisão e impôs Figueiredo. Mas para isso, em dois lances dramáticos, teve de demitir o ministro do Exército, Silvio Frota, e o chefe da Casa Militar, Hugo Abreu. Poderia continuar os exemplos a partir de Sarney. Mas os que ofereço aos leitores, entre eles Ferreira Gullar, já são suficientes. Em política, não existe unidades absolutas e permanentes. É isso aí. Não há nunca, nem há sempre.