Carlos Chagas
Não parece fácil entender o PT, com suas múltiplas correntes, verdadeiros partidos dentro do partido. “Construído um Novo Brasil”, sucedâneo do “Campo Majoritário”, “Novo Rumo para o PT”, “PT de Luta e de Massa”, “Movimento PT”, “Articulação de Esquerda”, “O Trabalho” e outros grupos só se entendem, mesmo, quando se trata de permanecer no poder. No mais, divergem, disputam e se isolam como aconteceu na Revolução Francesa até que Napoleão tomou conta de tudo e fez-se Imperador. No caso do PT, a História acontece às avessas, porque o Napoleão já existe, mas está custando a botar a coroa. Felizmente a guilhotina só funciona de modo figurado e as cabeças dos companheiros continuam coladas aos pescoços.
A briga pela presidência do PT dá bem a conta da confusão existente, que muitos concluem imitar os tentáculos do polvo, ora distendidos, ora recolhidos e entrelaçados. Trata-se, para os otimistas, de uma tática de sobrevivência democrática, mas, para quem se encontra de fora, mesmo sem ser pessimista, o quadro prenuncia a decretação do Império.
O Napoleão gastou suas últimas reservas de paciência na semana passada, menos por conta da escolha do novo presidente do partido, mais em função das próximas eleições de governador. Porque da armação de alianças com o PMDB e afins depende a sorte da candidatura presidencial de Dilma Rousseff. Caso o PT não abra mão de pelo menos nove indicações, nos estados onde o PMDB já dispõe do governador, o presidente assistirá o maior partido nacional dividir-se entre a chefe da Casa Civil e José Serra, com sólidas vantagens para o governador paulista. Mas se o PT refluir em estados importantes, pela falta de puxadores de fila, correrá o risco de ver diminuídas suas bancadas na Câmara e no Senado.
É a partir dessa constatação que continua germinando a idéia do terceiro mandato para o Lula ou da prorrogação de todos os mandatos por dois anos. Só a continuação de Napoleão no poder unirá todos os grupos do PT e, até mesmo, os partidos aliados, com ênfase para o PMDB. Na França dos tempos da Revolução, realizou-se um plebiscito para a população decidir se o Primeiro Cônsul deveria tornar-se Imperador. Ganhou fácil, perdendo-se no caudal da tirania as poucas vozes de protesto diante da implosão dos derradeiros ideais democráticos que sobraram da queda da Bastilha…
Onde está o paiol?
No Senado, a pergunta que se faz é quem ou que grupo vem municiando a imprensa com sucessivas e quase diárias informações sobre escândalos e lambanças praticadas à sombra de suas diversas mesas diretoras. Porque não é graça que essas coisas acontecem, não obstante o esforço de jornalistas em esmiuçar as lambanças.
Seriam funcionários preteridos ao longo dos anos, que agora se vingam de dirigentes responsáveis por sua discriminação? Ou simplesmente funcionários éticos, que imaginam contribuir para a limpeza geral.
Há quem veja um certo ânimo revanchista nos senadores há pouco derrotados nas eleições para a presidência da casa. Como, também, os que identificam no PT a intenção de enfraquecer o PMDB e leva-lo a sujeitar-se aos desígnios do palácio do Planalto.
De qualquer forma, há um paiol nos porões do Senado, fornecendo munição para a mídia.
Pode surpreender
Mesmo entoando loas permanentes ao presidente Lula e à política econômica, a maior parte do grande empresariado inclina-se por apoiar José Serra. Imaginam os barões da indústria e do agro-negócio que a História poderá não repetir-se, ou seja, que Dilma Rousseff, se eleita, não conseguirá enquadrar os companheiros e aliados para que aceitam por mais um período a política econômica neoliberal vinda dos tempos de Fernando Henrique.
Assim, na dúvida, prefeririam trocar o duvidoso pelo que imaginam como certo, ou seja, um tucano no palácio do Planalto.
Será? Talvez não. Na hipótese da eleição de Serra, há quem suponha o governador paulista empenhado num programa nada agradável para os neoliberais. Mesmo sem retornar aos tempos de presidente da União Nacional dos Estudantes, exilado no Chile e depois nos Estados Unidos, Serra não parece disposto a repetir a performance do sociólogo, diante da qual apresentou razoáveis divergências, ainda que sempre reservadas. Por isso não voltou ao ministério do Planejamento, depois de perder uma eleição em São Paulo. Viu-se escanteado no ministério da Saúde, que aceitou conformado. Pode surpreender…
Mineiridades
O senador Francisco Dornelles conta sempre uma história sobre o tio Tancredo Neves que nos faz pensar a respeito do neto, o governador Aécio Neves. Em plena campanha para a presidência da República, mesmo em eleições indiretas, Tancredo e Dornelles viajavam num jatinho, de Belo Horizonte para o Nordeste. Já convidado para ministro da Fazenda, o hoje senador entregou ao candidato longo documento a respeito da situação econômico-financeira do país. Diante daquele monte de páginas, Tancredo apalpou o paletó diversas vezes e, numa expressão compungida, lamentou haver esquecido os óculos. Recebeu uma reprimenda do sobrinho, dizendo que ele deveria ter dois ou três óculos, um no bolso, outro na pasta, um terceiro no escritório, para aquilo não acontecer mais.
Com cara de réu, Tancredo devolveu o documento, fechou os olhos e parecia descansar. Não se passaram dez minutos quando, voltando-se para um auxiliar, pediu: “Passe-me aí os jornais.”
Quem fingia dormir era Dornelles, que abrindo um olho só flagrou o tio meter a mão no bolso, tirar os óculos e ler os jornais pelo resto da viagem…
Porque se relaciona o episódio ao neto, governador Aécio Neves? Porque ele diz não aceitar de jeito nenhum a vice-presidência na chapa de José Serra…