Carlos Chagas
Até o fim de semana a baixaria seguia um roteiro ortodoxo, quer dizer, agrediam-se o PT e o PSDB. De um lado os partidários de Dilma, às vezes até a própria, de outro os adeptos de Serra, com ele na frente. Como a demonstrar que na campanha eleitoral o dia seguinte sempre consegue ficar um pouquinho pior do que a véspera, a baixaria avançou e desde o final da semana assistimos o capítulo do PT versus PT.
Dossiê ou carta-anônima, a verdade é que os companheiros encenam um espetáculo singular de canibalismo explícito. Sindicalistas bancários acusam a filha do ministro da Fazenda de interferência na escolha do presidente da Previ, o fundo de previdência social dos funcionários do Banco do Brasil.
Tanto faz se verdadeira ou falsa a denúncia, mas a verdade é que ela pegou. Também, trata-se de uma disputa pela caverna do Ali Babá. Não apenas a Previ, mas a totalidade dos fundos de pensão das estatais transformaram-se para os governos numa das maiores fontes de renda e de manipulação de recursos.
Ninguém esquece a utilização dessas centenas de milhões nas privatizações fajutas da administração Fernando Henrique Cardoso. Junto com o BNDES, os fundos de pensão das estatais substituíram empresas nacionais e estrangeiras na aquisição de patrimônio público. Praticou-se o capitalismo sem capital privado naquela prática que chegou “às raias da irresponsabilidade”, conforme um de seus artífices.
No governo Lula continuou a usurpação do dinheiro dos funcionários das estatais, ainda que com finalidade menos deletéria do que no período do antecessor: os recursos da Previ e suas irmãs são utilizados para financiar obras de infra-estrutura. Ficará sempre a suspeição de que os dirigentes dessas entidades são nomeados e cooptados politicamente para obedecer ordens dos governos. Quando não acabam favorecidos pessoalmente, pois até hoje ignoram-se seus salários e as comissões verificadas no recôndito de cada gabinete e de cada operação.
Pois é. O negócio parece tão fascinante que gera conflitos entre os detentores do poder, como agora: divide-se o PT para ver quem controla a Previ. O grotesco na história é que o dinheiro pertence aos futuros aposentados, que descontam mensalmente percentuais de seus vencimentos, mas nem por sombra participam da decisão sobre suas aplicações. Não seria o caso de consultá-los?
Falta o décimo-quarto
Na cartilha de treze pontos fundamentais para a ação de um suposto governo Dilma Rousseff parece estar faltando mais um. Porque entre cuidados para erradicar a pobreza, investir em educação, saúde e segurança pública, entre outros, lê-se “mais apoio ao campo”. E só isso, sem qualquer menção à reforma agrária. Afinal, “mais apoio ao campo” significa dedicar toda atenção ao agro-negócio? Como conciliar essa vaga referência à agricultura com as ameaças de João Pedro Stédile sobre o MST multiplicar o número das invasões se a candidata vier a ser eleita?
O tema será fatalmente levantado no debate de quinta-feira entre os candidatos, na TV-Bandeirantes. Não que apenas Dilma possa sofrer com ele. José Serra dificilmente se livrará da comparação com Washington Luís. Porque para aquele ex-presidente da República, a questão social era um caso de polícia. Para o candidato tucano, será a mesma coisa com a reforma agrária?
Dono da verdade absoluta
Não dá para deixar o sociólogo de lado. A cada dia e a cada entrevista ele fornece material para discussão sobre sua peculiar personalidade. Ainda agora acaba de ministrar mais uma lição eleitoral. Recomendou aos candidatos não discutir o que os outros querem, ou seja, devem ignorar os anseios do eleitorado, mas procurar “convencer os outros da importância de seus valores”. Numa palavra, Fernando Henrique quer o futuro presidente da República ditando padrões, impondo rumos e agindo conforme sua vontade, à qual deve acoplar-se a nação. Nada de ouvir a voz rouca das ruas…
“Voltem todos”
Juscelino Kubitschek contava que, durante seu período de exílio nos Estados Unidos, voou de Nova York para Washington ao lado de Robert Kennedy, então franco favorito para a presidência daquele país, pouco depois assassinado.
Analisaram a conjuntura internacional e JK indagou o que o candidato democrata pretendia fazer diante da guerra do Viet-Nam. Kennedy não vacilou, dizendo que logo depois de empossado passaria um telegrama às tropas americanas envolvidas no conflito: “Voltem todos”.
A lição custou a ser assimilada, finalmente por um de seus sucessores, Richard Nixon. Pelo jeito, o presidente Barack Obama pensava coisa parecida, antes de assumir, com relação ao Iraque, Afeganistão e arredores. Não conseguiu e, pelo contrário, enviou e enviará mais soldados àqueles países. Indaga-se o que fará diante das declarações do almirante chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, que anunciou estar pronto um plano de invasão militar do Irã. Se isso acontecer, será necessário voltar muito mais gente, exceção dos que ficarem definitivamente enterrados nos campos de batalha.