Inferno das boas intenções, o mundo não é um hospício de paredes acolchoadas

Léo Lins, condenado a 8 anos de prisão por fazer piadas

João Pereira Coutinho
Folha

Há nova edição americana do romance “1984”, de George Orwell. E, segundo as notícias, há novo prefácio da obra, no qual a escritora Dolen Perkins-Valdez tece considerações críticas… ao personagem Winston Smith.

Curioso. Da última vez que li, Winston era a vítima do estado totalitário de Oceânia, submetido a vigilâncias e torturas pelo Big Brother. Mas a escritora não o poupa. A misoginia de Smith é imperdoável a seus olhos.

ALGO IMPENSÁVEL – É preciso um talento especial para ler “1984” e condenar Smith por suas falas ou pensamentos alegadamente antifeministas. É como visitar Auschwitz e não gostar da qualidade arquitetônica dos fornos crematórios.

Mas talvez esta seja a nova moda: condenar um autor, uma obra, um espetáculo teatral ou humorístico pelos pensamentos ou falas dos autores e seus personagens.

Se é esse o caso, o Brasil já está na vanguarda. A condenação de um humorista a mais de oito anos de prisão por suas piadas ofensivas assenta na mesma doutrina. Ou, para sermos rigorosos, em duas doutrinas.

A MESMA PESSOA – A primeira, óbvia, passa pela negação da diferença entre o senhor Leonardo de Lima Borges Lins e um tal de “Leo Lins”. Para a 3ª Vara Criminal Federal de São Paulo, são a mesma pessoa.

O fato de o segundo subir ao palco, em espetáculo comercial, assumindo sua voz de humorista e contando piadas – boas, más, horrendas, não é esse o ponto — para um auditório que voluntariamente está ali para o ver e ouvir, é mero pormenor.

Aos olhos da Justiça, há uma identificação total e literal entre o criador e a criatura. O que permite antecipar, para oportunidades futuras, a condenação de qualquer autor de espetáculo, peça teatral, filme, livro, ilustração, pintura, canção, novela ou fotonovela em que alguém, algures, ridiculariza quem se sentir ridicularizado.

DEMOLIR TEATROS – Se aplicarmos essa limpeza ao que ficou para trás, melhor demolir também teatros, cinemas, bibliotecas e museus. Não serão precisos para nada.

Aliás, lendo a sentença, entendemos que o contexto, longe de ser atenuante, é agravante. Eis a segunda doutrina: o pessoal está mais descontraído num espetáculo de stand-up comedy, com seu superego em baixo, sem defesas para lidar com os crimes de racismo ou discriminação que o artista profere.

Na douta opinião do tribunal, podemos concluir que o escritor Umberto Eco não tinha razão quando escrevia sobre a função do autor e o papel do leitor. Dizia Eco, essa alma primitiva, que o sentido de um texto não está apenas nas intenções do escritor. Esse sentido emerge da interação entre o autor e o leitor. Ou, simplificando, cada leitor lê um texto diferente porque o completa com sua inteligência e criatividade.

PÚBLICO DEBILOIDE – Aplicando o raciocínio ao stand-up comedy, essa observação é ainda mais pertinente: o público não é uma massa amorfa de débeis mentais que recebe acriticamente o que é dito sem perceber o artifício.

O público é parte da ficção performativa, aceitando tacitamente o risco, o abuso e o exagero.

E, para ele, as piadas podem ser tudo e o seu contrário. Insultos gratuitos. Observações geniais. Denúncia de tabus. Crítica a hipocrisias sociais. Mera experimentação conceitual ou literária. Boçalidades sem jeito.

DECISÃO DO PÚBLICO – É o público que decide, não o tribunal, ou o governo, ou um comitê de sábios, ou um qualquer rebanho descerebrado que se sente “ofendido” por palavras, imagens, sons ou silêncios.

O mundo não deveria ser um manicômio com paredes acolchoadas só para que alguns se sintam protegidos. Infelizmente, o mundo está ficando esse manicômio, razão pela qual a revista Economist dedicou um editorial recente à regressão dramática da liberdade de expressão nas democracias liberais.

A Economist falava da Europa, com referências secundárias aos Estados Unidos. Mas o aviso também serve para o Brasil.

INCENTIVO PERVERSO – Se a ofensa é criminalizada, isso representa um duplo incentivo perverso: para que o poder judicial exorbite os seus poderes, transformando-se num inquisidor da moralidade pública; e para que os ofendidos se multipliquem, reclamando cada vez mais medidas censórias ao Estado.

No fim desse túnel, em que os tabus serão cada vez mais crescentes (“taboo ratchet”, escreve a revista), não andaremos longe das ditaduras.

A grande diferença é que teremos cumprido o mesmo propósito — a destruição da liberdade de pensamento e de expressão — através do inferno das boas intenções.

5 thoughts on “Inferno das boas intenções, o mundo não é um hospício de paredes acolchoadas

  1. Ditadura de membros vitalícios, jamais eleitos, sem nenhum limite e sem sujeição à Lei, do Poder Judiciário Arbitrário Brasileiro.

    Já viu ditadura sem censura?

  2. Se eu chegar na UERJ com uma tese de doutorado pronta sobre a deturpação das teorias funcionalistas do Direito Penal pelo Sr. Alexandre de Moraes, não serei apenas reprovado pelos censores, mas preso e desapropriado de tudo e desterrado, junto com todos os meus familiares.

    Isso é o Brasil em 2025.

  3. Chelsea bateu o PSG

    Trump assistiu à partida em Nova Jersey em meio às vaias.

    A cena me remeteu à história do esporte, há 89 anos…

    O propósito dos Jogos Olímpicos de 1936, realizados na Alemanha, transcendeu a simples competição por medalhas de ouro.

    Naquele período, era muito mais relevante para Adolph Hitler provar ao mundo a dominância da raça ariana, que ele considerava a raça pura.

    Contudo, os alemães não esperavam a performance dos atletas negros americanos.

    Dentre as 14 medalhas de ouro que os Estados Unidos conquistaram no atletismo, nove foram obtidas por atletas negros. Dentre essas, quatro foram conquistadas por Jesse Owens, um atleta nascido no Alabama, que fez com que Hitler deixasse o Estádio Olímpico após sua terceira vitória no pódio.

    Mas o vexame do racismo jamais esteve restrito à Alemanha nazista.

    “Quando retornei para minha terra natal, apesar das narrativas sobre Hitler, eu não conseguia entrar no ônibus pela porta da frente e tampouco morar no local que desejava. Embora não tenha sido chamado para apertar a mão de Hitler, também não fui à Casa Branca para cumprimentar o presidente do meu país,” desabafou na época.

  4. A Rainha da filosofia, Marilena Chauí, a nossa Rainha da filosofia, em 2013 disse, ou melhor, enxovalhou: “A classe média é uma abominação política, porque é fascista; é uma abominação ética, porque é violenta; e é uma abominação cognitiva, porque é ignorante”.

    Creditou ao seu adversário o que se tornou a tal “esquerda progressista”, que a idolatra. Trata-se de negar a realidade que não se enquadra nas teorias marxistas do Século XIX. Vivo hoje, Marx saberia situar-se, compreender e teorizar sobre a contemporaneidade, é disto que trata seu extraordinário método científico, o Materialismo Histórico-Dialético. A revolta da Rainha é devido ao surgimento de uma classe não prevista por Marx, dado que vivera e analisara a sociedade capitalista da Revolução Industrial, dos proletários e burgueses.

    Autointulada “progressista, a esquerda, se assim podemos dizer, atual insurge-se contra uma realidade que se nega a adaptar-se a modelo marxista aplicável àquela realidade que vivera. Seu pensamento e ser revolucionário dá-se no mundo das ideias, numa realidade paralela metafísica, muito bem descrito por Marx sobre os revolucionários idealistas de sua época em “A Sagrada Família”.
    Incapaz de compreender e, logo, transformar a realidade, o hoje, enveredou pelo caminho do identitarismo, que não propõe mudar as bases materiais constitutivas e determinantes da contemporaneidade. Trouxe uma radicalidade infrutífera para este movimento, que desbandeirou total e completamente. Seu principal produto, não podendo mudar a realidade concreta, que nem reconhece, dá-se no mundo do falar e dos conceitos. Daí a plena vazão de uma radicalidade metafísico-idealista, que transbordou para a repressão, a censura, a imposição do Bem e da Verdade.
    O que assistimos no mundo é um paradoxo, aqueles a que ela chama de nazifascistas é que se tornaram defensores da liberdade de expressão, como é o caso da direita norte-americana capitaneada por Trump. E a que a nossa entrou na onda. Muito mais porque é a vítima da repressão do “outro pensamento” que expressa, em contraponto à Verdade, advindo do monopólio do Bem e repositória do único pensamento possível, a tal “esquerda progressista”.
    Conquistando o braço judicial do Estado que privatizou, consegue impor a cesura em quem ouse contrapor à Verdade e ao Bem. Se num primeiro momento a ação repressiva visava tão somente sua manutenção no Governo, como corolário a intenção totalitária anda espalhando-se por outros campos, chegando à expressão artística, como temos visto.

    Por incrível que pareça, este movimento totalitarismo de imposição do Pensamento Único encontrou uma forte oposição com “a volta do nazifascismo com outra cara” do Trump. Vejam bem!
    Ainda que os interesses econômicos das big techs sejam uma das causas de tal ação anticensura, há uma ideologia “conservadora”, de direita por trás. Traduzindo os conservadores lutam pela liberdade de expressão e os progressistas pela censura.

    Não se trata de uma mera inversão de valores, é que a “esquerda”, tendo perdido seu papel de transformadora da realidade, passou a opor-se à Nova Ordem Mundial advinda da Quarta Revolução Tecnológica, que bagunçou a realidade paralela em que vive e quer impor ao mundo. Aquela de, se muito, meados do Século passado. Desta forma tornou-se uma instituição reacionária, extemporânea, atrasada, neoludita que tenta segurar as imensas transformações por que passa a realidade concreta em todo o mundo.

    É o que expressa a Rainha em sua fala, ora se a classe média não está prevista em sua concepção metafísico-idealista da realidade, deve ser combatida e anulada, para que seu pensamento encaixe na realidade concreta.

    Desta forma é que a vemos à frente do movimento de censura com forte característica neoludita, demonizando o avanço tecnológico que revolucionou as relações de trabalho e as bases concretas do mundo da produção da riqueza, deixando atônita e sem a capacidade de compreender o que se passa.

    Solicitei à Inteligência Artificial, havida como expressão demoníaca pela “esquerda progressistas” que se opôs à censura e prisão do humorista. Resultado: silêncio da esquerda oficial.
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    “Até o momento, não houve relatos significativos de manifestações ou posicionamentos da esquerda política ou cultural especificamente em defesa de Leo Lins contra sua condenação ou prisão. As manifestações públicas foram protagonizadas majoritariamente por grupos e personalidades de viés liberal, conservador ou centrista, que criticam a decisão sob a perspectiva da liberdade de expressão.
    Quem se manifestou e qual foi o posicionamento
    1. Artistas e humoristas
    Diversos nomes da comédia brasileira reagiram contra a condenação e classificaram-na como censura:
    • Antonio Tabet (Porta dos Fundos): “Condená-lo à prisão por piadas é uma insanidade… espero que essa decisão seja revertida.”Revista Oeste+13VEJA SÃO PAULO+13El País+13
    • Marcelo Tas: criticou o uso judicial para punir o humor artístico e alertou para o risco de controle da expressão criativa.VEJA SÃO PAULO
    • Outros como Danilo Gentili, Thiago Ventura, Maurício Meirelles e Renato Albani também se posicionaram contrários à pena de prisão, reforçando que “humorista não é bandido”, entre outros posicionamentos nas redes.Wikipédia+3UOL+3UOL+3
    2. Juristas e especialistas
    Advogados e acadêmicos levantaram críticas severas à sentença:
    • André Marsiglia classificou a decisão como “completamente absurda” e afirmou que o humor, como expressão artística, não deveria ser equiparado à discriminação. Ele também questionou a constitucionalidade da chamada “lei antipiadas” (Lei 14.532/23).Reddit+15Gazeta do Povo+15Wikipédia+15
    • Outros especialistas apontaram o risco de um “regime autoritário” e alerta para o silenciamento da liberdade cultural.Gazeta do Povo
    3. Frente Parlamentar e figuras políticas do campo liberal/conservador
    Diversos parlamentares criticaram a condenação como um precedente preocupante:
    • A Frente Parlamentar em Defesa da Liberdade de Expressão, liderada por Júlia Zanatta (PL SC), divulgou nota alertando sobre “o avanço de decisões judiciais que impõem pena de prisão a humoristas” e a erosão da pluralidade de ideias.Revista Oeste+1Revista Oeste+1
    • Políticos como Sergio Moro, Tenente Zucco, Gustavo Gayer, Mario Frias, Nikolas Ferreira e Marcel van Hattem qualificaram a sentença como exagerada, tirânica ou surreal, comparando com outros casos mais graves sendo tratados com amparo.Gazeta do Povo+1Correio Braziliense+1
    4. Imprensa e editoriais
    Editorialistas de jornais como Folha de S.Paulo, O Estado de S. Paulo, O Globo e Gazeta do Povo também criticaram a pena, apontando-a como um ataque à liberdade de expressão e à liberdade criativa.◯Wikipédia+2Revista Oeste+2Wikipédia+2

    E a esquerda?
    Até o momento, não há indícios de mobilizações organizadas ou declarações representativas de partidos ou intelectuais de esquerda defendendo Leo Lins. Os principais defensores são oriundos de setores centristas ou de direita/liberais, todos alertando para os perigos da censura e do uso excessivo da punição judicial sobre manifestações humorísticas.”
    ___________
    A tal “esquerda progressista” tornou a expressão do reacionarismo, atraso, neoludismo e encontra-se em avançado processo de putrefação moral, civilizacional e temporal.

    Não precisamos de conservadores e dos “nazifascistas com outra cara”. Seu lugar está ocupado pela “esquerda”.

  5. Chico Anisio, Jõ Soares, Juca Chaves, Costinha, Didi, Dedé, Zacarias, Mussum, Agildo Ribeiro, Paulo Silvino, Lúcio Mauro, Zilda Cardoso.Ronald Golias, Ary Toledo, Jorge Loredo, Rony Cócegas, Roni Rios, Orival Pessini, Canarinho,

    Todos esses humoristas, fora os que não lembrei os nomes , hoje, seriam fuzilados em Praça Pública ou pindurados em guindastes…

    O Regime Soviètico com a ideologia dos carniceiros açouguerios FHCastro, Josefino Stalinho, Adolfinho do Bigode, Mussulino, Karl Hammarks, Pol Pot, Kin Jun Mento, Lex Luthor, não suportam a palavra DEMOCRACIA muito “menas” a Liberdade de Expressão…….

    O resto é o de sempre..

    aquele abraço

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