
Charge do Clayton (O Povo/CE)
Dora Kramer
Folha
“Esta casa faz o que o povo quer.” A frase indicativa do dever de representação popular do Parlamento nos idos de 1992 funcionou como a senha dada pelo então presidente da Câmara, Ibsen Pinheiro, à aprovação do impedimento de Fernando Collor na Presidência da República.
Hoje o lema é para lá de discutível frente a decisões que privilegiam interesses internos. Está especialmente em xeque em dois temas que contrapõem as posições dos congressistas às opiniões da maioria dos brasileiros, captadas em recentes pesquisas do Instituto Datafolha.
TEMAS IMPOPULARES – O aumento do número de deputados e o fim da reeleição para presidente, governadores e prefeitos são propostas rejeitadas por 76% e 57% dos consultados, respectivamente. Ainda assim, os parlamentares tendem a aprová-las sem levar em conta o que seus representados pensam a respeito.
A Câmara já aprovou e o Senado se prepara para nos próximos dias corroborar a decisão de aumentar de 513 para 531 as vagas para deputados, indiferente aos custos diretos e indiretos (com emendas, por exemplo), além do efeito cascata nas assembleias legislativas, que teriam acréscimo de 30 cadeiras.
Isso ao arrepio dos dados objetivos apurados pelo Censo Demográfico do IBGE, que indicaram a necessidade de redistribuição de vagas de acordo com a população de cada estado.
ADEQUAÇÃO – O Supremo Tribunal Federal determinou apenas a adequação à qual o Congresso se dispõe a acrescentar mais 18 lugares na Câmara, sob o cínico argumento de preservar a representação, quando, de fato, atuam para distorcê-la, desrespeitando o critério da proporcionalidade das bancadas por habitantes.
Os congressistas exibirão o mesmo desdém em relação a preferências populares se apoiarem a emenda pelo fim da reeleição aprovada na Comissão de Constituição e Justiça do Senado.
Vão contrariar os 57% favoráveis à chance de um segundo mandato nos Poderes Executivos, sem provas de que a prática seja nociva e em nome do desejo de encurtar a fila de políticos de olho nos cargos.
Disputa entre Congresso e governo Lula já é campanha eleitoral
O governo Lula não tem força política no Congresso e tem que engolir sapos. Não tem nem como demitir os ministros cujos partidos votaram a favor da derrubada do IOF.
A dificuldade é que o Congresso não votou para proteger o cidadão do aumento de impostos, mas para emparedar o governo, por causa das emendas.
Os parlamentares acham que o governo está segurando e fazendo dobradinha com o ministro Flavio Dino do STF, que pede mais transparência nas emendas.
Derrubaram um aumento que não deveria mesmo ter sido feito, mas também não cortam gastos, ao contrário, aumentam.
A única lógica da atuação do Congresso é o interesse dos parlamentares – não do Brasil.
O governo vai ter que contingenciar verbas e segurar emendas, e vai receber de volta novas derrotas. Tudo isso já faz parte da campanha de 2026, é disputa de espaço, de narrativas.
A bandeira do PT na campanha eleitoral será que o Congresso defende os ricos contra os pobres.
A esquerda, minoritária, vai apoiar esta tese, contra a direita e o centrão e vai ser uma luta desigual. Não creio que o governo tenha força política e popularidade para conseguir reverter a ideia de que a culpa é dele.
Fonte: O Globo, Política, 26/06/2025 15h31 Por Merval Pereira
1) “Povo endinheirado”, sinônimo de ricos, corrija-se a primeira frase do artigo…