O trabalho do acendedor de lampiões iluminava também a desigualdade social

A POESIA DO BRASIL: JORGE DE LIMA (1893-1953)... E OS 100 ANOS DO LIVRO "XVI ALEXANDRINOS"...

Jorge de Lima, retratado por Portinari

Paulo Peres
Poemas & Canções

O alagoano Jorge Mateus de Lima (1893-1953) foi político, médico, poeta, romancista, biógrafo, ensaísta, tradutor e pintor. Neste soneto, ele usa a figura do acendedor de lampião para marcar a desigualdade social.

O ACENDEDOR DE LAMPIÕES
Jorge de Lima

Lá vem o acendedor de lampiões de rua!
Este mesmo que vem, infatigavelmente,
Parodiar o Sol e associar-se à Lua
Quando a sobra da noite enegrece o poente.

Um, dois, três lampiões, acende e continua
Outros mais a acender imperturbavelmente,
À medida que a noite, aos poucos, se acentua
E a palidez da lua apenas se pressente.

Triste ironia atroz que o senso humano irrita:
Ele, que doira a noite e ilumina a cidade,
Talvez não tenha luz na choupana em que habita.

Tanta gente também nos outros insinua
Crenças, religiões, amor, felicidade
Como este acendedor de lampiões de rua!

Na poesia de João Cabral, o primeiro galo canta e os outros logo tecem a amanhã

Nenhuma descrição de foto disponível.Paulo Peres
Poemas & Canções

O diplomata e poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto (1920-1999) utilizou em sua obra poética desde a tendência surrealista até a poesia popular, porém caracterizada pelo rigor estético, com poemas avessos a confessionalismos e marcados pelo uso de rimas toantes, inaugurando, assim, uma nova forma de fazer poesia no Brasil. O poema “Tecendo a Manhã” significa o sonho do poeta com um futuro construído por todos, livremente, para todos, isento de “armações”, maracutaias e intrigas. Um mundo verdadeiramente socialista?


TECENDO A MANHÃ

João Cabral de Melo Neto

Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro: de um outro galo
que apanhe o grito que um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma tela tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.

E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balã

Um desesperada canção de amor, na poesia de J.G. de Araújo Jorge

Poesias de JG de Araújo Jorge, página 7. Coletânea.

Araújo Jorge, um poeta romântico

Paulo Peres
Poemas & Canções

O advogado, político e poeta acreano José Guilherme de Araujo Jorge (1914-1987) ou, simplesmente, J. G. de Araújo Jorge, foi conhecido como o Poeta do Povo e da Mocidade, pela sua mensagem social e política e por sua obra romântica mas, às vezes, dramática, como no poema “Canção do meu abandono”.

CANÇÃO DO MEU ABANDONO
J. G. de Araújo Jorge

Não, depois de te amar não posso amar ninguém!
Que importa se as ruas estão cheias de mulheres
esbanjando beleza e promessa
ao alcance da mão?
Se tu já não me queres
é funda e sem remédio a minha solidão.

Era tão fácil ser feliz quando tu estavas comigo!
Quantas vezes, sem motivo nenhum, ouvi o teu sorriso
rindo feliz, como um guiso
em tua boca?

E todo momento
mesmo sem te beijar eu estava te beijando:
com as mãos, com os olhos, com os pensamentos,
numa ansiedade louca!

Nossos olhos, meu Deus! nossos olhos, os meus
nos teus,
os teus
nos meus,
se misturavam confundindo as cores
ansiosos como olhos
que se diziam adeus…

Não era adeus, no entanto, o que estava em teus olhos
e nos meus,
era êxtase, ventura, infinito langor,
era uma estranha, uma esquisita, uma ansiosa mistura
de ternura com ternura
no mesmo olhar de amor!

Ainda ontem, cada instante era uma nova espera…
Deslumbramento, alegria exuberante
e sem limite…

E de repente,
de repente eu me sinto triste como um velho muro
cheio de hera
embora a luz do sol num delírio palpite!

Não, depois de te amar não posso amar ninguém!

Podia até morrer, se já não há belezas ignoradas
quando inteira te despi,
nem de alegrias incalculadas
depois que te senti…

Depois de te amar assim, como um deus, como um louco,
nada me bastará, e se tudo é tão pouco…
… eu devia morrer…

Louvando o que bem merece, você pode deixar o que é ruim de lado…

Tribuna da Internet | Gil e Torquato envolvidos na geleia geral, cujo nome  passaria a ser Tropicália…Paulo Peres
Poemas & Canções

O cineasta, ator, jornalista, poeta e compositor piauiense Torquato Pereira de Araújo Neto (1944-1972) é considerado um dos principais letristas do movimento Tropicalista, embora a letra de “Louvação” seja pré-tropicalista e tenha um tratamento épico/romântico e, principalmente, ideológico face à ditadura militar instaurada no país em 1964. A música foi gravada por seu parceiro Gilberto Gil no LP Louvação, 1967, pela Philips Records.

LOUVAÇÃO
Gilberto Gil e Torquato Neto

Vou fazer a louvação
Louvação, louvação
Do que deve ser louvado
Ser louvado, ser louvado
Meu povo, preste atenção
Atenção, atenção
Repare se estou errado
Louvando o que bem merece
Deixo o que é ruim de lado
E louvo, pra começar
Da vida o que é bem maior
Louvo a esperança da gente
Na vida, pra ser melhor
Quem espera sempre alcança
Três vezes salve a esperança!
Louvo quem espera sabendo
Que pra melhor esperar
Procede bem quem não pára
De sempre mais trabalhar
Que só espera sentado
Quem se acha conformado

Vou fazendo a louvação
Louvação, louvação
Do que deve ser louvado
Ser louvado, ser louvado
Quem ‘tiver me escutando
Atenção, atenção
Que me escute com cuidado
Louvando o que bem merece
Deixo o que é ruim de lado
Louvo agora e louvo sempre
O que grande sempre é
Louvo a força do homem
E a beleza da mulher
Louvo a paz pra haver na terra
Louvo o amor que espanta a guerra
Louvo a amizade do amigo
Que comigo há de morrer
Louvo a vida merecida
De quem morre pra viver
Louvo a luta repetida
A vida pra não morrer

Vou fazendo a louvação
Louvação, louvação
Do que deve ser louvado
Ser louvado, ser louvado
De todos peço atenção
Atenção, atenção
Falo de peito lavado
Louvando o que bem merece
Deixo o que é ruim de lado
Louvo a casa onde se mora
De junto da companheira
Louvo o jardim que se planta
Pra ver crescer a roseira
Louvo a canção que se canta
Pra chamar a primavera
Louvo quem canta e não canta
Porque não sabe cantar
Mas que cantará na certa
Quando enfim se apresentar
O dia certo e preciso
De toda a gente cantar

E assim fiz a louvação
Louvação, louvação
Do que vi pra ser louvado
Ser louvado, ser louvado
Se me ouviram com atenção
Atenção, atenção
Saberão se estive errado
Louvando o que bem merece
Deixando o ruim de lado

Ninguém exaltou tanto a Lua como o seresteiro Cândido das Neves

CANDIDO DAS NEVES – Brasil – Poesia dos Brasis – RIO DE JANEIRO - www.antoniomiranda.com.br

Cândido das Neves, o compositor

Paulo Peres
Poemas e Canções 

O instrumentista, cantor e compositor carioca Cândido das Neves (1899-1934), apelidado de Índio, descobre na “Última Estrofe” que a melancolia dos versos do trovador era semelhante à sua, porque ambas tinham como causa o término de um amor e, consequentemente, a saudade que isto acarretou. A música foi gravada por Orlando Silva, em 1935, pela RCA Victor.

ÚLTIMA ESTROFE
Cândido das Neves

A noite estava assim enluarada
Quando a voz já bem cansada
Eu ouvi de um trovador
Nos versos que vibravam de harmonia
Ele em lágrimas dizia
Da saudade de um amor
Falava de um beijo apaixonado
De um amor desesperado
Que tão cedo teve fim
E desses gritos de tormento
Eu guardei no pensamento
Uma estrofe que era assim:

Lua…
Vinha perto a madrugada
Quando em ânsias minha amada
Nos meus braços desmaiou
E o beijo do pecado
O teu véu estrelejado
A luzir glorificou

Lua…
Hoje eu vivo sem carinho
Ao relento, tão sozinho
Na esperança mais atroz
De que cantando em noite linda
Essa ingrata volte ainda
Escutando a minha voz

A estrofe derradeira, merencória
Revelava toda a história
De um amor que se perdeu
E a lua que rondava a natureza
Solidária com a tristeza
Entre as nuvens se escondeu
Cantor, que assim falas à lua
Minha história é igual à tua
Meu amor também fugiu
Disse eu em ais convulsos
E ele então, entre soluços
Toda a estrofe repetiu

Em matéria de desejo, a poesia de Álvares de Azevedo não cabia em si

Meu pobre coração que estremecia,... Álvares de Azevedo - PensadorPaulo Peres
Poemas & Canções

O dramaturgo, ensaísta, contista e poeta paulista Manuel Antônio Álvares de Azevedo (1831-1850), no poema “Meu Desejo”, revela todo o ardor de uma paixão incontida. Ele viveu por apenas 20 anos, mas deixou uma importante obra. 

MEU DESEJO
Álvares de Azevedo

Meu desejo? era ser a luva branca
Que essa tua gentil mãozinha aperta:
A camélia que murcha no teu seio,
O anjo que por te ver do céu deserta….

Meu desejo? era ser o sapatinho
Que teu mimoso pé no baile encerra….
A esperança que sonhas no futuro,
As saudades que tens aqui na terra….

Meu desejo? era ser o cortinado
Que não conta os mistérios do teu leito;
Era de teu colar de negra seda
Ser a cruz com que dormes sobre o peito.

Meu desejo? era ser o teu espelho
Que mais bela te vê quando deslaças
Do baile as roupas de escomilha e flores
E mira-te amoroso as nuas graças!

Meu desejo? era ser desse teu leito
De cambraia o lençol, o travesseiro
Com que velas o seio, onde repousas,
Solto o cabelo, o rosto feiticeiro….

Meu desejo? era ser a voz da terra
Que da estrela do céu ouvisse amor!
Ser o amante que sonhas, que desejas
Nas cismas encantadas de langor!

E o poeta sonhou que era moço e tinha conquistado um novo amor…

Poema "É necessário amar" de Alphonsus de Guimaraens #alphonsusdeguimaraens  #poesiadeclamadaPaulo Peres
Poemas & Canções

 O juiz e poeta mineiro Afonso Henriques da Costa Guimaraens (1870-1921), que adotou o nome de Alphonsus de Guimaraens, no soneto “Como se moço e não bem velho eu fosse”, sente sua vida se modificar para melhor através de um sonho mas, infelizmente, o poeta acorda para a realidade.

COMO SE MOÇO E NÃO BEM VELHO EU FOSSE
Alphonsus Guimaraens

Como se moço e não bem velho eu fosse,
Uma nova ilusão veio animar-me,
Na minh’alma floriu um novo carme,
O meu ser para o céu alcandorou-se.

Ouvi gritos em mim como um alarme.
E o meu olhar, outrora suave e doce,
Nas ânsias de escalar o azul, tornou-se
Todo em raios, que vinham desolar-me.

Vi-me no cimo eterno da montanha
Tentando unir ao peito a luz dos círios
Que brilhavam na paz da noite estranha.

Acordei do áureo sonho em sobressalto;
Do céu tombei ao caos dos meus martírios,
Sem saber para que subi tão alto…

“Quem dera fosse meu o poema de amor definitivo”, ansiava Alice Ruiz

Essas mulheres: Alice Ruiz, poeta agitada e engajada

Alice Ruiz, inspiradíssima e inspiradora

Paulo Peres
Poemas & Canções

A publicitária, tradutora, compositora e poeta curitibana Alice Ruiz Scherone queria que fosse seu um sonho poético, mas acaba levado pelo vento num amor que não se mostra possível. Esse poema foi musicado e gravado por Waltel Branco.

SONHO DO POETA
Alice Ruiz

Quem dera fosse meu
o poema de amor definitivo
Se amar fosse o bastante,
poder eu poderia,
pudera, às vezes,
parece ser esse
meu único destino
Mas vem o vento e leva
as palavras que digo
minha canção de amigo.
Um sonho de poeta
não vale o instante vivo.
Pode que muita gente
veja no que escrevo
tudo que sente
e vibre, e chore e ria como eu,
antigamente, quando não sabia
que não há um verso, amor,
que te contente.  

Um vaso chinês tão belo e delicado que inspirou o poeta Alberto de Oliveira

Veredas da Língua: Alberto de Oliveira - PoemasPaulo Peres
Poemas & Canções

O farmacêutico, professor e poeta Antonio Mariano Alberto de Oliveira (1857-1937), nascido em Saquarema (RJ), mostra neste soneto a magia e a atração de um vaso chinês… que ele captou  com sua visão de poeta. O desenho do vaso transmite seu amor através dos ramos vermelhos, como sangra seu coração apaixonado.

Não podemos esquecer de que se trata de um soneto parnasiano, cuja principal característica é a falta de temas ou ausência de comprometimento social. Os parnasianos acreditavam que a arte não deveria ter compromissos, o único e verdadeiro compromisso é artístico, daí ser chamado arte pela arte. Essa característica é tão extrema que os poemas desse período tratam de assuntos considerados irrelevantes. Como a descrição de um vaso, um muro ou qualquer outro objeto.

VASO CHINÊS
Alberto de Oliveira

Estranho mimo aquele vaso! Vi-o,
Casualmente, uma vez, de um perfumado
Contador sobre o mármor luzidio,
Entre um leque e o começo de um bordado.

Fino artista chinês, enamorado,
Nele pusera o coração doentio
Em rubras flores de um sutil lavrado,
Na tinta ardente, de um calor sombrio.

Mas, talvez por contraste à desventura,
Quem o sabe?… de um velho mandarim
Também lá estava a singular figura.

Que arte em pintá-la! A gente acaso vendo-a,
Sentia um não sei quê com aquele chim
De olhos cortados à feição de amêndoa.

Uma canção para a garota que Caetano quis namorar e não conseguiu

Caetano Veloso (álbum de 1968) – Wikipédia, a enciclopédia livre

Caetano fez essa música para Cristina

Paulo Peres
Poemas & Canções

O cantor, músico, produtor, escritor, poeta e compositor baiano Caetano Emanuel Viana Teles Veloso, o genial Caetano Veloso, explica que fez a música “Você é Linda” para uma menina chamada Cristina, “de quem eu gostei intensamente na Bahia, nos anos 80, e que morava em frente a minha casa, do outro lado da rua, em Ondina.” A música foi gravada por Caetano Veloso no LP Uns, em 1983, pela Philips. 

VOCÊ É LINDA
Caetano Veloso

Fonte de mel
Nos olhos de gueixa
Kabuki, máscara
Choque entre o azul
E o cacho de acácias
Luz das acácias
Você é mãe do sol
A sua coisa é toda tão certa
Beleza esperta
Você me deixa a rua deserta
Quando atravessa
E não olha pra trás

Linda
E sabe viver
Você me faz feliz
Esta canção é só pra dizer
E diz

Você é linda
Mais que demais
Você é linda sim
Onda do mar do amor
Que bateu em mim

Você é forte
Dentes e músculos
Peitos e lábios
Você é forte
Letras e músicas
Todas as músicas
Que ainda hei de ouvir

No Abaeté
Areias e estrelas
Não são mais belas
Do que você
Mulher das estrelas
Mina de estrelas
Diga o que você quer

Você é linda
E sabe viver
Você me faz feliz
Esta canção é só pra dizer
E diz

Você é linda
Mais que demais
Você é linda sim
Onda do mar do amor
Que bateu em mim

Gosto de ver
Você no seu ritmo
Dona do carnaval
Gosto de ter
Sentir seu estilo
Ir no seu íntimo
Nunca me faça mal

Linda
Mais que demais
Você é linda sim
Onda do mar do amor
Que bateu em mim

“Se acaso eu chorar não se espante”, canta Alceu Valença num martelo-agalopado

Alceu Valença, 75 anos: “Anunciação” e “Tropicana” são suas músicas mais  tocadas e gravadas - ECAD

Alceu Valença, um compositor inspirado

Paulo Peres
Poemas & Canções

O pernambucano Alceu Paiva Valença é formado em Direito e pós-graduado em Sociologia, mas por causa da música desistiu dessas carreiras, para ser cantor e compositor. A letra de “Agalopando” é um clamor candente, que sentencia com agressiva impetuosidade.

Este “martelo-agalopado” foi gravado por Alceu Valença no LP Espelho Cristalino, em 1978, pela Som Livre.

AGALOPANDO
Alceu Valença

Quando eu canto, seu coração se abala
Pois eu sou porta-voz da incoerência
Desprezando seu gesto de clemência
Sei que o meu pensamento lhe atrapalha
Cego o sol seu cavalo de batalha
Faço a lua brilhar no meio-dia
Tempestade eu transformo em calmaria
Dou um beijo no fio da navalha
Pra dançar e cair nas suas malhas
Gargalhando e sorrindo de agonia

Se acaso eu chorar não se espante
O meu riso e o meu choro não têm planos
Eu canto a dor, o amor, o desengano
E a tristeza infinita dos amantes
Dom Quixote liberto de Cervantes
Descobri que os moinhos são reais
Entre feras, corujas e chacais
Viro pedra no meio do caminho
Viro rosa, vereda de espinhos
Incendeio esses tempos glaciais

Se acaso eu chorar não se espante (…)

Lembrando Camões, uma homenagem de Olavo Bilac à língua portuguesa

Os livros não matam a fome, não... Olavo Bilac - PensadorPaulo Peres
Poemas & Canções

O jornalista e poeta carioca Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac (1865-1918), no soneto “Língua Portuguesa”, faz uma nova abordagem sobre o histórico da língua portuguesa, tema já tratado por Camões.

LÍNGUA PORTUGUESA
Olavo Bilac

Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela…

Amote assim, desconhecida e obscura,
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela
E o arrolo da saudade e da ternura!

Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,

Em que da voz materna ouvi: “meu filho!”
E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho

Não devia e por isso me condeno, sendo do morro e moreno, amar a deusa do asfalto…”

Adelino Moreira (1918 - 2002) foi... - Coisas da Antiga | Facebook

Adelino era o rei do samba-canção

Paulo Peres
Poemas & Canções

O compositor luso-brasileiro Adelino Moreira de Castro (1918-2002), na letra de “Deusa do Asfalto”, mostra as consequências de um amor não correspondido. Esse samba-canção foi gravado por Nelson Gonçalves, em 1958, pela RCA Victor.

DEUSA DO ASFALTO
Adelino Moreira

Um dia sonhei um porvir risonho
E coloquei o meu sonho
Num pedestal bem alto
Não devia e por isso me condeno
Sendo do morro e moreno
Amar a deusa do asfalto.

Um dia ela casou com alguém
Lá do asfalto também
E dizem que bem lhe quer
E eu triste boemio da rua
Casei-me também com a lua
Que ainda é a minha mulher

É cantando que carrego a minha cruz
Abraçado ao amigo violão
E a noite de luar já não tem luz
Quem me abraça é a negra solidão

É cantando que afasto do coração
Esta mágoa que ficou daquele amor
Se não fosse o amigo violão
Eu morria de saudade e de dor

Na poesia de Moacyr Félix, o sentimento clássico de um amor já fracassado 

Sentimento Clássico | Poema de Moacyr Félix com narração de Mundo Dos  Poemas - YouTube

Moacyr Félix, grande mestre da poesia

Paulo Peres
Poemas & Canções

O editor, escritor e poeta carioca Moacyr Félix de Oliveira (1926-2005), como intelectual e ativista, foi um dos fundadores do Comando de Trabalhadores Intelectuais (CTI), que teve a adesão no Rio de Janeiro de mais de quatrocentos integrantes de todas as áreas das artes, da literatura, da ciência e das profissões liberais. Em 1964, foi eleito membro do Conselho Deliberativo deste movimento político. No poema “Sentimento Clássico”, expõe a dor que colocamos em tudo e, calados, procuramos ser o que jamais seremos.

SENTIMENTO CLÁSSICO
Moacyr Félix

Pisados, os olhos com que pisaste
a soleira escura de minha face;
e por mais pontes que entre nós lançasse,
ao que de fato sou nunca chegaste.

Que distâncias lamento, e que contraste!
Gravando em cada ser o amor que nasce
não encontrei o amor que me encontrasse:
amaram sem me ver, como me amaste.

Tinha os olhos tristes como eu tenho,
e o pranto que eu te trouxe de onde venho
é o mesmo que te espera adonde vais.

Se a mesma sóbria dor em tudo pomos,
não vês o que me calo. E assim nós somos
o que não somos nem seremos mais

“Só uma palavra me devora, aquela que meu coração não diz…”

CD - Abel Silva - Abel Prazer

Abel Silva, grande poeta e compositor

Paulo Peres
Poemas & Canções

O professor, jornalista, escritor e compositor Abel Ferreira da Silva, nascido em Cabo Frio (RJ), em parceria com Sueli Costa, revela na letra de “Jura Secreta” que, enquanto durou certo romance, muita coisa deixou de ser feita.  A música foi gravada por Simone no LP Sou Eu, em 1993, Sony/CBS.

JURA SECRETA
Sueli Costa e Abel Silva

Só uma coisa me entristece
O beijo de amor que não roubei
A jura secreta que não fiz
A briga de amor que não causei

Nada do que posso me alucina
Tanto quanto o que não fiz
Nada do que eu quero me suprime
De que por não saber inda não quis

Só uma palavra me devora
Aquela que meu coração não diz
Só o que me cega, o que me faz infeliz
É o brilho do olhar que não sofri

Amar é sentir saudade, porque sentir desejo deve ser uma constante… 

Não seja o de hoje. Não suspires por... Cecília Meireles - PensadorPaulo Peres
Poemas & Canções

A professora, jornalista, pintora e poeta carioca Cecília Meireles (1901-1964), no poema “De longe te hei de amar”, define que é sentir saudade, porque ter desejo é uma constante.

Foi figura de destaque no modernismo brasileiro, um dos grandes nomes da língua portuguesa, que se dizia poeta, por ter combatido a palavra poetisa devido à da discriminação de gênero que apenas depunha contra outras artistas, como se houvesse caminhos distintos para ser poeta.

DE LONGE TE HEI DE AMAR
Cecília Meireles

De longe te hei de amar,
– da tranquila distância
em que o amor é saudade
e o desejo a constância.

Do divino lugar
onde o bem da existência
é ser eternidade
e parecer ausência.

Quem precisa explicar
o momento e a fragrância
da Rosa, que persuade
sem nenhuma arrogância?

E, no fundo do mar,
a estrela, sem violência,
cumpre a sua verdade,
alheia à transparência.

A genialidade de Caymmi estava em seu jeito simples de retratar a vida

Caymmi, o ventilador e as “coisas boas”… uma crônica de Caetano… |  musicaemprosa

Em sua simplicidade, Caymmi era genial em tudo o que fazia

Paulo Peres
Poemas & Canções

O violonista, cantor, pintor e compositor baiano Dorival Caymmi (1914-2008), construiu sua obra inspirado pelos hábitos, costumes e tradições do povo baiano. Teve como forte influência a música negra, desenvolveu um estilo pessoal de compor e cantar, demonstrando espontaneidade nos versos, sensualidade e riqueza melódica.

 Estas características aparecem no “Samba da Minha Terra”, cuja letra explica a magia que o samba acarreta sobre todas as pessoas. Este samba foi gravado pelo Bando da Lua, em 1940, pela Columbia.

SAMBA DA MINHA TERRA
Dorival Caymmi

O samba da minha terra
Deixa a gente mole
Quando se canta todo mundo bole,
Quando se canta todo mundo bole

Eu nasci com o samba
E no samba me criei
Do danado do samba
Nunca me separei

O samba da minha terra
Deixa a gente mole
Quando se canta todo mundo bole,
Quando se canta todo mundo bole

Quem não gosta do samba
Bom sujeito não é
Ou é ruim da cabeça
Ou doente do pé

Havia um jardim na casa do menino-poeta, e ele nunca esqueceu das flores

Menino Caminhando Gramado Florido fotos, imagens de © vvvita #182308876

Na frente da minha casa tinha um jardim…

Paulo Peres
Poemas & Canções

O advogado, administrador de empresas e poeta carioca Evanir José Ribeiro da Fonseca (1955-2017), no poema “Jardim do Éden”, recorda sua infância e o jardim existente em frente à casa em que morava.

JARDIM DO ÉDEN
Evanir Fonseca

Na frente de minha casa tinha um jardim,
as flores nele cultivadas eram tão variadas
que pareciam travar uma grande batalha,
entre cores e perfumes que extasiavam as borboletas
que voavam, numa ida e volta frenéticas,
como se escolhessem as mais saborosas ou sedosas.

Na frente de minha casa tinha um jardim,
que eu, um garoto desbravador, perdia-me
por entre os galhos espinhosos das roseiras
e folhas imensas de tinhorão e murtas
que floriam lilases, brancas e mescladas
como se fossem várias em uma só enxertadas.

No jardim da minha casa havia caminhos feitos de cimento,
que nos garantiam acesso a todas as plantas,
inclusive a uma “dama da noite” peculiar no florir,
pois abria no anoitecer e fechava-se no amanhecer,
seu perfume, imperativo, exalava tomando toda atmosfera
que, ao entorno dela, pareciam inexistir rosas
que como envergonhadas, encantadas e inanimadas,
descansavam, ou dormiam, talvez enfeitiçadas,
diante da sobrevida que passava a imperar
no encantado jardim da minha casa!

Nessa multidão boiada, caminhando a esmo com Dominguinhos e Gil

GILBERTO GIL & DOMINGUINHOS - LAMENTO SERTANEJO by GiorgiaSiqueira on  Smule: Social Singing Karaoke App

Dominguinhos e Gil, parceiros e amigos

Paulo Peres
Poemas & Canções

O instrumentista, cantor e compositor pernambucano José Domingos de Morais (1941-2013), o Dominguinhos, na letra de “Lamento Sertanejo”, em parceria com Gilberto Gil, inspirou-se na vida de tantos que partem do interior do país à procura de oportunidades melhores e, ao chegarem na cidade grande, deparam-se com uma realidade bem diferente, daquela conhecida em suas vidas. A música faz parte do LP Refazenda, gravado por Gilberto Gil, em 1975, pela WEA.

LAMENTO SERTANEJO
Gilberto Gil e Dominguinhos

Por ser de lá do Sertão,
Lá do Cerrado
Lá do interior do mato
Da Caatinga do roçado.

Eu quase não saio
Eu quase não tenho amigos
Eu quase que não consigo
Ficar na cidade
Sem viver contrariado.

Por ser de lá
Na certa por isso mesmo
Não gosto de cama mole
Não sei comer sem torresmo.

Eu quase não falo
Eu quase não sei de nada
Sou como rês desgarrada
Nessa multidão boiada
Caminhando a esmo.

No início da noite, surge o mundo imaginário do poeta Emílio Moura

setembro 2015

Moura retrata Cyro dos Anjos (foto: Wilson Baptista)

Paulo Peres
Poemas & Canções 

O jornalista, professor, artista plástico e poeta mineiro Emílio Guimarães Moura (1902-1971), um dos líderes do modernismo,  revela neste poema uma visão melancólica sobre o “Mundo Imaginário”.

MUNDO IMAGINÁRIO
Emílio Moura

Sob o olhar desta tarde,
quantas horas revivem
e morrem
de uma nova agonia?

Velhas feridas se abrem,
de novo somos julgados,
o que era tudo some-se
e num mundo fechado
outras vigílias doem.

A noite se organiza e,
no entanto, ainda restam
certas luzes ao longe.
Ah, como encher com elas
este ser já não-ser
que se dissolve e deixa
vagos traços na tarde?