A revolta contra a exploração humana, na poesia satírica de Gregório de Mattos

O poeta Gregório de Mattos, o "Boca do Inferno", teve ordem de prisão após dois séculos de sua morte! | Espaço Literário Marcel ProustPaulo Peres
Poemas & Canções

O advogado e poeta baiano Gregório de Mattos Guerra (1636-1695), alcunhado de “Boca do Inferno ou Boca de Brasa”, é considerado o maior poeta barroco do Brasil e o mais importante poeta satírico da literatura em língua portuguesa, no período colonial. Gregório ousava criticar a Igreja Católica, muitas vezes ofendendo padres e freiras. Criticava também a “cidade da Bahia”, ou seja, Salvador, como neste poema “Triste Bahia”.

TRISTE BAHIA
Gregório de Mattos

Tristes sucessos, casos lastimosos,
Desgraças nunca vistas, nem faladas.
São, ó Bahia, vésperas choradas
De outros que estão por vir estranhos.
Sentimo-nos confusos e teimosos
Pois não damos remédios as já passadas,
Nem prevemos tampouco as esperadas
Como que estamos delas desejosos.
Levou-me o dinheiro, a má fortuna,
Ficamos sem tostão, real nem branca,
macutas, correão, nevelão, molhos:
Ninguém vê, ninguém fala, nem impugna,
E é que quem o dinheiro nos arranca,
Nos arrancam as mãos, a língua, os olhos.

Um amor incondicional ao povo brasileiro, na obra poética de Gilberto Freyre 

Poeticamente, o sociólogo Gilberto Freyre acreditava num outro Brasil que  vem aí… - Flávio ChavesPaulo Peres
Poemas & Canções

O sociólogo, antropólogo, historiador, pintor, escritor e poeta pernambucano Gilberto de Mello Freyre (1900-1987), além de se consagrar como um estudioso da história e da cultura do país, também dedicou-se à poesia. É bem verdade que aquele que se dedica a ler com atenção seus livros pode perceber o dom literário do sociólogo, cuja habilidade na escrita torna atraentes os temas que aborda em seus estudos.

“O outro Brasil que vem aí “ é um poema que traz a defesa das singularidades nacionais que estão presentes em seus textos sobre a formação da sociedade brasileira e é uma amostra do dom literário que o sociólogo possuía. Iniciando-se com os versos “Eu ouço as vozes / eu vejo as cores / eu sinto os passos / de outro Brasil que vem aí”, Freyre projeta para sua nação o desejo de ver seu pleno desenvolvimento social, de estar numa terra onde pessoas de todas as origens sociais possam ser donas de seus próprios destinos. O poema, além de ser uma aula sobre a brasilidade, é um fragmento de esperança lançado pela pena de Gilberto Freyre.

O OUTRO BRASIL QUE VEM AÍ
Gilberto Freyre

Eu ouço as vozes
eu vejo as cores
eu sinto os passos
de outro Brasil que vem aí
mais tropical
mais fraternal
mais brasileiro.
O mapa desse Brasil em vez das cores dos Estados
terá as cores das produções e dos trabalhos.
Os homens desse Brasil em vez das cores das três raças
terão as cores das profissões e regiões.
As mulheres do Brasil em vez das cores boreais
terão as cores variamente tropicais.
Todo brasileiro poderá dizer: é assim que eu quero o Brasil,
todo brasileiro e não apenas o bacharel ou o doutor
o preto, o pardo, o roxo e não apenas o branco e o semibranco.
Qualquer brasileiro poderá governar esse Brasil
lenhador
lavrador
pescador
vaqueiro
marinheiro
funileiro
carpinteiro
contanto que seja digno do governo do Brasil
que tenha olhos para ver pelo Brasil,
ouvidos para ouvir pelo Brasil
coragem de morrer pelo Brasil
ânimo de viver pelo Brasil
mãos para agir pelo Brasil
mãos de escultor que saibam lidar com o barro forte e novo dos Brasis
mãos de engenheiro que lidem com ingresias e tratores europeus e norte-americanos a serviço do Brasil
mãos sem anéis (que os anéis não deixam o homem criar nem trabalhar).
mãos livres
mãos criadoras
mãos fraternais de todas as cores
mãos desiguais que trabalham por um Brasil sem Azeredos,
sem Irineus
sem Maurícios de Lacerda.
Sem mãos de jogadores
nem de especuladores nem de mistificadores.
Mãos todas de trabalhadores,
pretas, brancas, pardas, roxas, morenas,
de artistas
de escritores
de operários
de lavradores
de pastores
de mães criando filhos
de pais ensinando meninos
de padres benzendo afilhados
de mestres guiando aprendizes
de irmãos ajudando irmãos mais moços
de lavadeiras lavando
de pedreiros edificando
de doutores curando
de cozinheiras cozinhando
de vaqueiros tirando leite de vacas chamadas comadres dos homens.
Mãos brasileiras
brancas, morenas, pretas, pardas, roxas
tropicais
sindicais
fraternais.
Eu ouço as vozes
eu vejo as cores
eu sinto os passos
desse Brasil que vem aí. 

Como dizia Taiguara, ninguém pode ser bom sendo o que não é 

Taiguara: a voz mais censurada pela ditadura, por Carlos Motta -

Taiguara, um grande compositor romântico

Paulo Peres
Poemas & Canções                  

O cantor e compositor Taiguara Chalar da Silva (1945-1996) nascido no Uruguai durante uma temporada de espetáculos de seu pai, o bandoneonista e maestro Ubirajara Silva, na letra de “Piano e Viola” compara seu estado emocional com o dia chuvoso e ensina que ninguém é bom sendo o que não é. A música está no LP Taiguara, Piano e Viola lançado, em 1972, pela EMI-Odeon.

PIANO E VIOLA
Taiguara

Olhando um dia de chuva
Vi que o mais triste era eu
Que sem estrela e sem lua
Te procurava no céu
Fiz do piano a viola
Fiz de mim mesmo o amigo
Fiz da verdade uma história
Fiz do meu som meu abrigo

Quem canta fala consigo
Quem faz o amor nunca quer ferir
Quem não fere vive tranquilo
Vê muita gente sorrir

E quem não tiver do seu lado
A quem ama e quer ver feliz
Não diga que não se importa
Diga só o que o amor lhe diz

Essa mentira é uma espuma
Que se desmancha no ar
E deixa n’água um espelho
Pra você se ver chorar

Sorriso bom, só de dentro
Ninguém é bom sendo o que não é
Eu, pra ser feliz com mentira
Melhor que eu chore com fé

E quem não tiver do seu lado
A quem ama e quer ver feliz
Não diga que não se importa
Diga só o que o amor lhe diz

Essa mentira é uma espuma
Que se desmancha no ar
E deixa n’água um espelho
Pra você se ver chorar

Um diploma de Nordestino, assinado pela grande mestre Geraldo do Norte

Geraldo do Norte: a história do nordestino da Rádio Nacional - YouTube

Geraldo do Norte canta o nosso sertão

Paulo Peres
Poemas & Canções

O radialista, declamador, letrista e poeta Geraldo Ferreira da Silva, nascido em Parelhas (RN), mais conhecido como Geraldo do Norte, “O Poeta Matuto”, em suas poesias aborda sempre temas regionais, como a vida no sertão, o trabalho do vaqueiro, as festas religiosas, além de denunciar problemas sociais, como a fome e o preconceito contra o nordestino, e homenagear grandes nomes da região, como neste poema “Diploma de Nordestino”. 

DIPLOMA DE NORDESTINO
Geraldo do Norte

Deus quando criou o mundo,
fez uma obra completa,
como um poema matuto, feito pelo Deus poeta.
Destes que sai redondo, metrificado profundo,
que nem precisa de teste.
Fez rios, vales e serras, Terra e sementes da Terra:
fez uma obra de mestre!

O planisfério terreno, com todos os continentes.
Vales grandes e pequenos, regiões frias e quentes!
Oceanos Pacífico e Ártico.
Atlântico, Índico e Antártico.
Ecossistema perfeito, com tudo quanto é vivente.
Lavas, girinos, sementes; a essência do bem feito.

No curso da natureza vieram os conquistadores.
Manipularam riquezas, dilapidaram valores.
Pelo mar plantaram, pela terra escravizaram
e, em nome do progresso, poluem, desmatam,
agridem, prostituem, matam e denigrem,
virando o mundo do avesso!

Sei que Deus pensou em tudo
na hora de fazer o mundo.
O Seu pequeno descuido foi dar asas a vagabundo.
Que expulso do paraíso, fez tudo que foi preciso
para pagar sua parcela
e é através dos humanos, que continuam cobrando,
juros e juros em cima dela!

Faz parte da Natureza, desde Caim e Abel.
Por gozo, fama e riqueza nosso limite é o céu.
Deus fez o mundo perfeito:
o povo veio desse jeito para ver se passa no teste,
mas deixo neste segundo,
a grande história do mundo,
para falar do meu Nordeste!

É um mundo dentro d’outro,
como se fosse a maquete.
O que há de mais profundo;
podem fazer uma enquete,
que as raças mais resistentes,
e eu falo de bicho e gente,
sem desmerecer ninguém, mas nas outras religiões,
ninguém tem as privações, que o nordestino tem.

Em toda a velha glamura, tu não verás nada igual.
Lendas, costumes, bravuras,
para o bem o para o mal.
Tem que nascer na miséria para ser Maria Quitéria,
Padim Ciço ou Lampião;
porque Deus fez o Nordeste para oficina de teste
e vestibular de sertão.

O Brasil sem o Nordeste, é um time sem goleiro;
um aluno sem seu mestre ou um galo sem terreiro;
uma casa sem criança, um povo sem esperança,
um vaqueiro sem cavalo.
Uma noite sem estrela,
um rio sem cachoeira
ou uma flor sem orvalho!

É como um divisor de águas; difícil até de falar;
tem a beleza da lágrima, a bravura do marruá!
É pedra de fazer aço, cozida pelo mormaço
de caldeira de sol quente;
é a saga de um povo,
que nem Deus fazendo de novo,
fazia tão resistente!

Diploma de nordestino não se compra em faculdade:
se arranca do destino com luta, força e vontade,
afrontando a própria sorte e troféu de cabra forte,
que levanta quando cai,
não aceita desaforo e nem põe anel de ouro,
em dedo de papagai.

As trovas de Zé Limeira, as rimas de Patativa,
são cultura de primeira e sertaneja nativa.
Leonardo Motta e Cascudo
deixaram para ser estudo,
livros e livros de história
e Catulo fez canção, como Luar do Sertão,
 para ficar na memória.

Às vezes tentam mostrar, outro Nordeste que existe:
feio, violento e vulgar, mas as tradições resistem.
Elomar, Vital Farias, os congressos de poesia,
nossa festa de São João e não vai ser uns infelizes,
que vão podar as raízes,
plantadas por Gonzagão.

Cultura não é quinquilharia!
Rapina não é conquista.
Dom não se compra em padaria:
Gigolô não é artista,
política não é negócio, vendas não é sacerdócio,
vício nunca foi virtude!
Mentira não tem verdade, esmola não é caridade
nem religião, plenitude!

E quando o povo acordar, droga não der inspiração.
Vagabundo não mandar, o herói não for ladrão.
Prostituição, sucesso. Promiscuidade, progresso
e Deus tiver absoluto,
eu vou estar no meu cantinho,
fazendo com muito carinho,
mais um poema matuto!

A importância de resistir às agruras dessa longa vida curta, segundo Socorro Lira

LAVRAPALAVRA : A cantora e compositora Socorro Lira conseguiu, com  maestria, musicar os versos do moçambicano Mia Couto

Socorro Lira exibe a alegria de viver

Paulo Peres
Poemas & Canções

A psicóloga, cantora e compositora paraibana Maria do Socorro Pereira, conhecida como Socorro Lira, expressa seus sentimentos através da música que constrói o “Tema de um Brinquedo Chamado Viver”. Esta música faz parte do CD Cantigas, lançado por Socorro Lira, em 2001, produção independente.

TEMA DE UM BRINQUEDO CHAMADO VIVER
Socorro Lira

Uma canção me faz feliz
É a canção toda nascida
Dessa vida, dessa vida
Uma canção me faz sorrir
É a canção toda emoção
Do coração que quer cantar
A longa vida curta, a dura lida, a luta
Dessa gente que não para de sonhar

Uma canção me faz sofrer
É a canção da dor que mata
E que maltrata, que maltrata
Uma canção que faz chorar
O coração doer
Que faz roer dentro do peito
De algum jeito, qualquer jeito
Qualquer jeito, o que ainda restar

Uma canção me faz pensar
É a canção comprometida
Com a vida, com esta vida
Uma canção que nasce assim
Tem toda força, enfim
Do nosso grito
Do infinito amor que agita
E nos incita, e nos incita
E nos convida a continuar          

Para Sidney Miller, um bom argumento era cantar um samba antigo

Sidney Miller Especial | Musicograma | TV Brasil | Cultura

Sidney Miller, excelente compositor

Paulo Peres
Poemas & Canções

O compositor e cantor carioca Sidney Álvaro Miller Filho (1945-1980) apresenta um “Argumento” de respeito, ao dizer que vai cantar uma samba antigo, para entender o que há de novo. Este samba foi gravado em 1967 no LP Sidney Miller, Série Elenco.

ARGUMENTO
Sidney Miller

Peço o seu consentimento
Pra falar do sentimento
Que eu guardei na melodia
Pois o samba que apresento
Não é coisa de momento
E nem é só filosofia
Quando o samba vem do peito
Como de fato e de direito
Não tem corte nem coroa
Mas merece o meu respeito
Que eu não quero e não aceito
Batucar um samba à toa
Não vê que minha profissão
Não é fazer intriga
Que meu violão não compra briga
Ninguém faz cantiga
Pra se aborrecer
Só quero lhe dizer com toda honestidade
Que só faz um verso de verdade
Quem tiver verdades pra dizer
Se você disser agora
Que eu cheguei fora de hora
Que meu samba nasce morto
Que essa bossa foi de outrora
Que meu barco foi-se embora
E agora é dono de outro porto
Vou pensar que assim prossigo
Porque quero e nem te ligo
Pois cantando eu me promovo
Ouça bem o que eu lhe digo
Vá cantar um samba antigo
Pra entender o que há de novo

O modo exato de se desculpar poeticamente, segundo Flora Figueiredo

Flora Figueiredo - a poética da vivência | Templo Cultural Delfos

Flora Figueiredo, em curtas palavras, o poema

Paulo Peres
Poemas & Canções

A tradutora, cronista e poeta paulista Flora Figueiredo, no poema “Atitude”, mostra como se pode pedir desculpas poeticamente.

ATITUDE
Flora
Figueiredo

Esse seu silêncio
soa como um grito,
abafado em panos.
Só faz denunciar os danos que causei.
Desculpe o mau-jeito,
mas comporto, em minha quota de defeitos,
não levar junto os enganos que eu amei.

Uma mulher muito especial, que fez Ferreira Gullar entender tudo

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Thereza Aragão, Gullar e a amiga Mary Ventura

Paulo Peres
Poemas & Canções

O jornalista, crítico de arte, teatrólogo, biógrafo, tradutor, memorialista, ensaísta e poeta maranhense José Ribamar Ferreira, o famoso Ferreira Gullar (1930-2016), no poema “Menos a Mim”, confessa que conhecia tudo, menos ele próprio. Todavia, depois que encontrou uma mulher muito especial, descobriu que nada conhecia.

MENOS A MIM
Ferreira Gullar

Conheço a aurora com seu desatino
Conheço o amanhecer com o seu tesouro
Conheço as andorinhas sem destino
Conheço rios sem desaguadouros
Conheço o medo do princípio ao fim
Conheço tudo, conheço tudo
Menos a mim.

Conheço o ódio e seus argumentos
Conheço o mar e suas ventanias
Conheço a esperança e seus tormentos
Conheço o inferno e suas alegrias
Conheço a perda do princípio ao fim
Conheço tudo, conheço tudo
Menos a mim.

Mas depois que chegaste de algum céu
Com teu corpo de sonho e margarida
Pra afinal revelar-me quem sou eu
Posso afirmar enfim
Que não conheço nada desta vida
Que não conheço nada, nada, nada
Nem mesmo a mim.

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG Somente quem conheceu Ferreira Gullar pode entender a força desses versos. A gente marcava o ponto toda noite no restaurante Calipso, em Ipanema, que ficava ao lado do Zeppelin. Ninguém dizia “vamos sentar na mesa do Ferreira Gullar”. A gente falava “vamos sentar na mesa da Thereza Aragão”, a mulher dele. A mesa era redonda, não tinha cabeceira, mas era Thereza quem comandava a roda e iluminava a noite. (C.N.)

Conheça a mais forte das armas, na concepção poética de Fagundes Varela

VIDA DE FAGUNDES VARELA | SecchinPaulo Peres
Poemas & Canções

O poeta Luís Nicolau Fagundes Varella (1841-1875), nascido em Rio Claro (RJ), indaga qual é a mais forte das “Armas”, a mais firme, a mais tremenda, e nos surpreende com a conclusão a que conseguiu chegar.

ARMAS
Fagundes Varela

– Qual a mais forte das armas,
a mais firme, a mais certeira?
A lança, a espada, a clavina,
ou a funda aventureira?
A pistola? O bacamarte?
A espingarda, ou a flecha?
O canhão que em praça forte
faz em dez minutos brecha?
– Qual a mais firme das armas? –
O terçado, a fisga, o chuço,
o dardo, a maça, o virote?
A faca, o florete, o laço,
o punhal, ou o chifarote?
A mais tremenda das armas,
pior que a durindana,
atendei, meus bons amigos:
se apelida: – a língua humana.

Uma sátira de Sérgio Ricardo à ditadura de 64, que está valendo até hoje 

Pinturas de Sérgio Ricardo

Sérgio Ricardo, um artista multimídia

Paulo Peres
Poemas & Canções

O cineasta, artista plástico, instrumentista, cantor e compositor paulista João Lutfi (1932-2020), que adotou o pseudônimo de Sérgio Ricardo, na letra de “Semente” faz uma sátira à ditadura militar vigente no Brasil de 1964 a 1985. A música está no LP Sérgio Ricardo, gravado, em 1973, pela Continental.

SEMENTE
Sérgio Ricardo

Cada verso é um semente
No deserto do meu peito
E onde rompe a grama verde
Vou deitando o desalento

No largo de alguma boca
No rasgo de algum sorriso
No gesto de algum lampejo
Na rima de um improviso
Nas curvas de uma morena
Na reta do meu desejo
Na relação entre corpos
Na paz do último beijo

Cada verso é uma semente
No deserto do meu peito
E onde o verde não verdeja
Não deito o meu desalento

Na rasgo dos grandes feitos
No largo de um só caminho
No brilho dos castiçais
No canto do passarinho
No garfo do deus-diabo
Na faca dos divididos
Na taça dos taciturnos
No prato dos oprimidos

Cada verso é uma semente
No deserto do meu peito
Mas se do ventre do verde
Não verdece algum rebento

No rasgo do meu poema
No largo de imagens mortas
Num gesto claro de outono
Na rima de folhas soltas
Na curva de novos versos
Na reta da revivência
Na relação dos desertos
Eu cravo a minha insistência

Hoje o verso é uma semente
Do meu peito num deserto
Verde que te quiero verde
Mas não há verde por perto

A produção em série da pobreza, diante de governantes cruéis e patéticos 

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Criança carente é um drama que se perpetua

Paulo Peres
Poemas & Canções

O advogado, administrador de empresas e poeta carioca Evanir José Ribeiro da Fonseca (1955-2017), no poema “Hipocrisia”, fala de uma realidade que a cada dia cresce mais.

HIPOCRISIA
Evanir Fonseca

Um no colo, outro no ventre, 
produção independente que nunca para,
incentivada e “alimentada”
pelo Governo que, cretinamente…,

faz campanhas:
– Campanha da fome!

– Campanha da criança carente!
– Criança que, antes de ser gente,
   já emprenha e dela nascem mais…

Um no colo, um no ventre
e outro estendido no chão:
deitado doente, abandonado, atirado!

Menor delinquente: morto, ou drogado, tudo igual…
na frutificação da produção em série, ininterrupta,
patrocinada pelos “Governantes”, cruéis…
diante da pobre sofreguidão

Uma viagem sonora pelo Brasil rural, num sonho acalentado por Sérgio Natureza 

Continue Ajudando o Sergio Natureza | Vaquinhas online

Sérgio Natureza, grande compositor

Paulo Peres
Poemas & Canções

O compositor, poeta e letrista carioca Sergio Roberto Ferreira Varela, conhecido como Sérgio Natureza, na letra de “Interiores”, em parceria com Cristóvão Bastos, faz uma viagem alucinada, ao soltar seu pensamento pela paisagem, até conseguir despertar. A música faz parte do CD “Um pouco de mim – Sérgio Natureza e amigos”, gravado, em 2005, pelo Selo Sesc.Som.

INTERIORES
Cristóvão Bastos e Sérgio Natureza

Sentei na pedra lisa sem musgo ou capim
O mundo inteiro tinha o cheiro de jasmim
Saí de mim, fui passear pelo sem fim
Meu pensamento viajante flutuou
No voo elétrico, infantil, do beija-flor
Por um Brasil rural, sutil pintura zen
Na tela viva, líquida, que estranha cor
Que o lago refletia essa paisagem

Ali fiquei, corpo em tensão
Mas libertei meu eu da prisão
Passei a tarde com tamanha liberdade
Que nem sei se foi verdade ou fantasia
Mas foi bom

O que me importa é que a porta
Se entreabriu
Meu coração tão oprimido reagiu
A reação num raio tênue de intuição
Bálsamo bento bem no centro da aflição

Tão de repente a certeza de que ali
A Natureza percebeu que eu percebi
Juntou-se o nada,
A água, a terra, o fogo e o ar
E eu consegui, por puro instinto
Despertar

A razão do poema, que é só palavra, na visão única de Eurídice Hespanhol

EURÍDICE HESPANHOL MACEDO DECLAMANDO POESIA NA IV FLIM 2013 EM MADALENA -  YouTube

Eurídice Hespanhol num sarau de poesias

Paulo Peres
Poemas & Canções

A professora e poeta Eurídice Hespanhol, nascida em Santa Maria Madalena (RJ), registrou em versos sua versão sobre o que realmente significa um poema, ou melhor, ela explica qual é “A Razão do Poema”.

A RAZÃO DO POEMA
Eurídice Hespanhol

Do que é feito o poema?
Barro de essência invisível?
Nuvem de tons arcoirizados?
Elementos dispersos,
Pelo poeta magnetizados?
Ou densa identidade
de expressão incontida?

O poema é amante,
Sentimento levitante
Viagem santa e atrevida
Pulso de um sonho em prece
Aborto, parto, nascente.
O poema é só palavra
E o poeta: inconsequente…

Quando a noite desce e somente as estrelas podem entender o poeta…

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Moura retrata Ciro dos Anjos (foto: Wilson Baptista)

Paulo Peres
Poemas & Canções

O jornalista, professor e poeta mineiro Emílio Guimarães Moura (1902-1971) revela no poema “Como a Noite Descesse” sentir-se só, apavorado diante dos horizontes, onde apenas as estrelas poderiam lhe entender.

COMO A NOITE DESCESSE

Emílio Moura

Como a noite descesse e eu me sentisse só,
só e desesperado diante dos horizontes que se fechavam,
gritei alto, bem alto: ó doce e incorruptível Aurora!
e vi logo que só as estrelas é que me entenderiam.
Era preciso esperar que o próprio passado desaparecesse,
ou então voltar à infância.
Onde, entretanto, quem me dissesse
ao coração trêmulo:
– É por aqui! Onde, entretanto, quem me dissesse
ao espírito cego:
– Renasceste: liberta-te!

Se eu estava só, só e desesperado,
por que gritar tão alto?
Por que não dizer baixinho, como quem reza:
– Ó doce e incorruptível Aurora…
se só as estrelas é que me entenderiam?

Uma canção de Sérgio Bittencourt que revisita o passado como um país distante  

Sérgio Bittencourt - LETRAS.MUS.BR

Sérgio Bittencourt, sempre inspirado

Paulo Peres
Poemas & Canções

O jornalista, cronista, apresentador de TV e compositor carioca Sérgio Freitas Bittencourt (1941-1979), filho do grande músico e compositor Jacob do Bandolim, revisita o passado como se fosse um país distante.

O PASSADO É UM PAÍS DISTANTE
Sérgio Bittencourt

O passado é um país distante
que distante é a sombra da voz
o passado é a verdade contada
por outro de nós

Estranho som
o da memória a recordar
ao longe reconheço a casa
e a língua familiar
estranho, o som da língua
na frase familiar
o mar
galgou numa outra língua, o mar
nunca será demais lembrar
é um outro olhar para outro olhar

Estranha sombra
a que por vezes cobre o olhar
dir-se-ia que escurece só
pra então iluminar
as sombras a retalho
na face familiar
o mar
galgou por sobre a sombra, o mar
nunca será demais lembrar
é um outro olhar para outro olhar

Estranho sono
O passado é um país distante
que distante é a sombra da voz
o passado é a verdade contada
por outro de nós

Sentido apenas num olhar, o amor e irrefreável quando realmente surge

Efigênia Coutinho | Oceano de Letras

Felicidade é um dom, diz Efigênia Coutinho

Paulo Peres
Poemas & Canções

A artista plástica e poeta Efigênia Coutinho, nascida em Petrópolis (RJ), afirma que “Felicidade é Dom” e trabalha poeticamente esta tese.

FELICIDADE É DOM
Efigênia Coutinho

O amor em que eu acredito,
É sentido apenas num olhar,
Traz o azul da cor do mar…
Por teu olhar seja bendito.

Pois a felicidade é um dom,
Que dois seres une pra vida
Que traz na essência vivida
Os acordes de doce som.

Marejo os olhos de emoção,
Constatando tal realidade.
Então diante desta festividade,
Entrego-te todo meu coração.

Para que juntos sonhamos,
As ordens do Deus Cupido,
Selando o desejo cumprido
Dos sonhos que almejamos! 

Teus olhos castanhos, profundos, estranhos, que mistério ocultarão, mulher?

elenco brasileiro: Sadi Cabral

Sadi Cabral, grande ator e compositor

Paulo Peres
Poemas & Canções

O ator e compositor alagoano Sadi Sousa Leite Cabral (1906-1986) e seu parceiro Custódio Mesquita imploram o amor de uma “Mulher”, tendo em vista a beleza mágica que o corpo dela irradia. Este clássico fox-canção foi gravado por Silvio Caldas, em 1940, pela RCA Victor, com extraordinário sucesso.

MULHER
Custódio Mesquita e Sadi Cabral

Não sei que intensa magia, teu corpo irradia
Que me deixa louco assim, mulher
Não sei, teus olhos castanhos, profundos, estranhos
Que mistério ocultarão, mulher

Não sei dizer
Mulher, só sei que sem alma
Roubaste-me a calma e aos teus pés eu fico a implorar

O teu amor tem um gosto amargo
e eu fico sempre a chorar nesta dor
Por teu amor, por teu amor, mulher

“Eupoema” — conheça a biográfica poesia do revolucionário Décio Pignatari

O monstro-moinho chamado Brasil: entrevista com Décio Pignatari

Décio Pignatari, um grande agitador cultural

Paulo Peres
Poemas & Canções

O publicitário, ator, professor, tradutor, ensaísta e poeta paulista Décio Pignatari (1927-2012), um dos maiores agitadores culturais do Brasil  contemporâneo, autodefiniu-se intelectualmente e pessoalmente ao escrever o “Eupoema”.

EUPOEMA
Décio Pignatari

O lugar onde eu nasci nasceu-me
num interstício de marfim,
entre a clareza do início
e a celeuma do fim.

Eu jamais soube ler:
meu olhar de errata
a penas deslinda as feias
fauces dos grifos e se refrata:
onde se lê leia-se.

Eu não sou quem escreve,
mas sim o que escrevo:
Algures Alguém,
são ecos do enlevo.

Um hino de amor ao Rio, na parceria de Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli

Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli O Barquinho

Menescal e Bôscoli, dois parceiros geniais

Paulo Peres
Poemas & Canções

O jornalista, produtor musical e compositor carioca Ronaldo Fernando Esquerdo e Bôscoli (1928-1994), na letra de “Rio”, parceria com Roberto Menescal, fala do Rio de Janeiro, a eterna Cidade Maravilhosa. A música faz parte do CD Bossa Nova gravado por Leny Andrade, em 1991, pela Eldorado.

RIO
Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli

Rio que mora no mar
sorrio pro meu Rio
que tem no seu mar
lindas flores que nascem morenas
em jardins de sol
Rio, serras de veludo
sorrio pro meu Rio que sorri de tudo
que é dourado quase todo dia
e alegre como a luz

Rio é mar
eterno se fazer amar
o meu Rio é lua
amiga branca e nua

É sol, é sal, é sul
são mãos se descobrindo
em tanto azul
por isso é que meu Rio
da mulher beleza
acaba num instante
com qualquer tristeza
meu Rio que não dorme
porque não se cansa
meu Rio que balança
Sorrio, só Rio, só Rio…

Reflexões de Dante Milano sobre o cotidiano de quem vive debaixo de uma ponte 

Paulo Peres
Poemas & Canções

O poeta Dante Milano (1899-1991), nascido em Petrópolis (RJ), considerado um dos mais importantes nomes do modernismo, mostra que uma ponte no cais pode ter um cotidiano triste, embora poético em sua concepção.

A PONTE
Dante Milano

O desenho da ponte é justo e firme, calmo e exato.
Nada poderá perturbar as suas linhas definitivas.
A sua arquitetura equilibra-se no ar
Como um navio na água, uma nuvem no espaço.
Embaixo da ponte há ondas e sombras.
Os mendigos dormem enrodilhados nos cantos.
Não têm forma humana. São sacos no chão.
Por momentos parece ouvir-se o choro de uma criança.
A água embaixo é suja,
O óleo coagula, em nódoas luminosas, reflexos lacrimejantes.
Um vulto debruçado sobre as águas
Contempla o mundo náufrago.
A tristeza cai da ponte
Como a poesia cai do céu.
O homem está embaixo aparando as migalhas do infinito.

A ponte é sombria como as prisões.
Os que andam sobre a ponte
Sentem os pés puxados para o abismo.
Ali tudo é iminente e irreparável,
Dali se vê a ameaça que paira.
A ponte é um navio ancorado.
Ali repousam os fatigados,
Ouvindo o som das águas, a queixa infindável,
Infindável, infindável…
Um apito dá gritos
A princípio crescendo em uivos, depois mantendo bem alto o apelo desesperado.
Passam navios. Tiros. Trovões.
Quando virá o fim do mundo ?
Por cima da ponte se cruzam
Reflexos de fogo, relâmpagos súbitos, misteriosos sinais.
Que combinam entre si os astros, inimigos da Terra?
Quando virá o fim dos homens ?
A ponte pensa…