
Força-tarefa envolveu 1.400 agentes e teve cerca de 350 alvos
Pedro do Coutto
A deflagração da Operação Carbono Oculto nesta quinta-feira, representa um marco na luta contra o crime organizado no Brasil. Coordenada pelo Ministério da Justiça, com a participação da Polícia Federal, da Receita Federal, do Coaf, de governos estaduais e de forças de segurança locais, a ação mobilizou mais de 1.400 agentes e atingiu em cheio o coração do sistema financeiro nacional.
O alvo não foi apenas a estrutura tradicional de arrecadação do Primeiro Comando da Capital (PCC), mas também instituições localizadas na Avenida Faria Lima, em São Paulo — símbolo da elite financeira brasileira. A investigação revelou um esquema bilionário, cuja engrenagem começava na cadeia de combustíveis.
FRAUDES – Entre 2020 e 2024, foram movimentados mais de R$ 60 bilhões em operações fraudulentas, envolvendo importações irregulares, distribuidoras ligadas ao crime e empresas de fachada que deixaram de recolher impostos. O combustível servia como fachada, mas o objetivo maior era gerar capital líquido para alimentar mecanismos sofisticados de lavagem.
A grande novidade, contudo, está na forma como esses recursos eram ocultados. O PCC abandonou a dependência exclusiva de métodos tradicionais, como postos de gasolina e empresas de logística, e passou a operar com fintechs e bancos digitais. Uma delas, segundo relatórios, movimentou R$ 46 bilhões em apenas quatro anos, funcionando como um verdadeiro “banco paralelo”. Depósitos milionários em espécie, uso de contas coletivas e operações por meio de criptomoedas tornaram o rastreamento extremamente difícil.
Mais preocupante ainda foi a constatação de que o crime organizado se infiltrou em estruturas sofisticadas de investimento. Estima-se que cerca de 40 fundos, controlando ativos superiores a R$ 30 bilhões, estavam sob influência direta do PCC. Ou seja, o grupo não se limitava a lavar dinheiro: atuava como agente econômico, disputando espaço no mercado formal e usufruindo da complacência — ou da negligência — de gestores financeiros.
REAÇÃO – Essa realidade obrigou o Estado a reagir. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou que as fintechs passarão a ser equiparadas aos bancos tradicionais no que diz respeito à fiscalização, com regras mais rígidas de transparência e prestação de contas. O secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, alertou que não é mais possível tolerar o “limbo regulatório” que transformou o setor em rota preferencial da lavagem. O Coaf, por sua vez, deve ampliar o monitoramento sobre movimentações atípicas, fechando brechas que até então permitiam depósitos milionários sem justificativa plausível.
A reação do mercado financeiro foi imediata. O Banco Genial e a Trustee DTVM renunciaram à gestão de fundos sob suspeita, numa tentativa de preservar sua reputação diante do escândalo. Entretanto, a pressão recai sobre a própria Faria Lima, que agora precisa provar que possui mecanismos de compliance à altura de sua importância econômica. A confiança internacional no Brasil como polo financeiro depende, em grande medida, da capacidade de separar o capital lícito do ilícito.
ENGRENAGENS – A Operação Carbono Oculto vai além de uma simples ofensiva policial. Ela expõe a sofisticação do crime organizado, que deixou de ser apenas um ator das margens da economia para se tornar competidor direto no centro do sistema financeiro. Mostra também que o Estado brasileiro ainda corre atrás de uma realidade que evolui em velocidade acelerada. Se bancos, fintechs e fundos de investimento já são usados como engrenagens de lavagem, é urgente pensar em formas de regulação que incluam também as criptomoedas e novos modelos de intermediação digital.
No fim das contas, o que está em jogo não é apenas a repressão ao PCC, mas a própria credibilidade do sistema financeiro nacional. A disputa que se trava hoje é por um território invisível, porém determinante: o controle sobre as finanças digitais. O resultado dessa batalha dirá muito sobre a capacidade do Brasil de proteger suas instituições e de não permitir que o crime organizado se confunda com a economia formal.