
Charge do Guto Camargo (Arquivo do Google)
Malu Gaspar
O Globo
Um ano e três meses depois de a Polícia Federal indiciar o ex-presidente Jair Bolsonaro por peculato, associação criminosa e lavagem de dinheiro no caso das joias sauditas, o caso continua à espera de uma decisão do procurador-geral da República, Paulo Gonet, sobre se o ex-presidente deve ou não ser denunciado. Enquanto a PGR trava o caso das joias, o Supremo Tribunal Federal(STF) iniciou nesta terça-feira o julgamento do chamado núcleo de desinformação da trama golpista.
A apuração diz respeito à apropriação indevida de joias dadas de presente por autoridades estrangeiras a Bolsonaro ao longo de seu governo. Além do ex-presidente, foram indiciados pela PF o tenente-coronel Mauro Cid e outras dez pessoas por envolvimento num suposto esquema de desvio de joias do acervo presidencial. A ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, que entrou na mira da apuração, acabou não sendo indiciada.
INTERESSES PRIVADOS – Em áudios obtidos pela Polícia Federal, o ex-chefe do Gabinete Adjunto de Documentação Histórica (GADH) da Presidência da República Marcelo Vieira disse que cuidava dos presentes de Bolsonaro de acordo com os interesses privados do chefe do Executivo.
O indiciamento aconteceu em julho de 2024, mas para que o caso seja avaliado pelo Supremo, Gonet precisa opinar se os indiciados pela PF devem ou não ser transformados em réus. Na ocasião, a PGR indicou que não tomaria nenhuma decisão para não deixar que o caso virasse instrumento de narrativas políticas durante as eleições de 2024.
Agora, a explicação de interlocutores de Gonet para a demora é que ele “se perdeu no meio das urgências”, como o caso da trama golpista, e ainda não conseguiu dar a devida atenção ao processo das joias – nem deu sinais do que pretende, de fato, fazer. “A ilicitude nesse caso é evidente”, disse um integrante da cúpula da PGR ouvido em caráter reservado, mas sem antecipar a posição de Gonet.
CAUTELA – Em conversas privadas, Gonet costuma dizer que pretende manter as investigações fora da “contaminação eleitoral”, ou seja, evita apresentar denúncias no período eleitoral justamente para afastar o risco de uso político das investigações. Mas sua demora para decidir o futuro do caso das joias pode empurrar o desfecho do caso para o ano que vem – que é novamente ano eleitoral.
O procurador-geral foi reconduzido pelo presidente Lula em agosto, mas ainda depende de aprovação do Senado para se manter no cargo por mais dois anos – o atual mandato se encerra em dezembro.
BRECHA JURÍDICA – Uma brecha jurídica aberta pelo Tribunal de Contas da União (TCU) um mês depois de a PF indiciar Bolsonaro no caso das joias pode ajudar o ex-presidente. A manobra ocorreu na análise de um processo que não tratava de Bolsonaro, e sim de um relógio Cartier de R$ 60 mil recebido pelo presidente Lula em seu primeiro mandato, em 2005 – mas o entendimento firmado beneficiou ambos.
Capitaneado pela ala bolsonarista do TCU, os ministros decidiram que, até o Congresso editar uma lei específica sobre o tema, qualquer ex-presidente da República pode ficar com os presentes, independentemente do valor. Essa é justamente a principal tese jurídica da defesa de Bolsonaro para se livrar de uma denúncia no caso das joias.
A decisão do TCU dinamitou um entendimento de 2016 do próprio tribunal que estabelecia que apenas itens “personalíssimos”, de uso pessoal e baixo valor, poderiam ser incorporados ao patrimônio particular dos presidentes.
PATRIMÔNIO PÚBLICO – No relatório de 476 páginas de indiciamento de Bolsonaro, a PF mencionou 26 vezes o acórdão do TCU que dizia que presentes de luxo deveriam ser incorporados ao patrimônio público – como referência legal para o tratamento dos itens recebidos por presidentes da República.
Para a PF, no entanto, a decisão do TCU não interfere na investigação de Bolsonaro, porque ela vai além de “questões meramente administrativas” e envolve “diversas condutas além do recebimento das joias, tais como a omissão de dados, informações, ocultação de movimentação de bens e advocacia administrativa”.
DISTENSIONAMENTO – Aliados de Bolsonaro já fizeram chegar a integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF) que ainda esperam um “sinal de pacificação” da Corte para tentar distensionar o clima. Em conversas reservadas, interlocutores do clã Bolsonaro tentam convencer integrantes do Supremo a trabalhar pelo arquivamento de alguns inquéritos, como o das fake news e o das joias sauditas, numa indicação de que não há perseguição contra eles.
O ministro Alexandre de Moraes já atendeu a um outro pedido da PGR e determinou em março deste ano o arquivamento das investigações contra o ex-presidente por fraudes em carteira de vacinação contra a Covid-19.
A investigação, que levou à prisão do ex-ajudante de ordens Mauro Cid em maio de 2023, era considerada a mais frágil contra o ex-ocupante do Palácio do Planalto, tanto pelo entorno bolsonarista quanto pela cúpula da PGR. Em setembro, por outro lado, a Primeira Turma do Supremo condenou Bolsonaro a 27 anos e três meses de prisão no julgamento do chamado “núcleo crucial” da trama golpista.
Perigoso. O larápio também os tem.
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