
Fux tornou-se um enigma e move suas peças em silêncio
Pedro do Coutto
O ministro Luiz Fux movimentou uma peça rara no tabuleiro do Supremo Tribunal Federal. Com a anuência imediata do presidente da Corte, Edson Fachin, deixou a Primeira Turma e foi lotado na Segunda.
À primeira vista, um ato burocrático. Mas nos bastidores, a mudança é vista como uma manobra calculada — um movimento estratégico para assegurar terreno mais favorável em julgamentos sensíveis, entre eles o que envolve o ex-presidente Jair Bolsonaro.
GARANTIA DE VOTOS – Na Segunda Turma, Fux passa a dividir a mesa com Kassio Nunes Marques e André Mendonça, ambos indicados por Bolsonaro. O gesto, interpretado por ministros e analistas como tentativa de garantir pelo menos metade dos votos do colegiado, abre espaço para recursos e embargos capazes de atrasar a execução de penas e reverter decisões.
Trata-se de um expediente conhecido entre os que dominam a liturgia da Corte: quando não se muda o voto, muda-se o ambiente. O presidente Fachin, que poderia ter barrado o pedido, acolheu-o de pronto. Com isso, consolidou-se o que muitos veem como uma jogada de tempo.
Fux, até então isolado na Primeira Turma, onde o clima era desfavorável a teses que pudessem aliviar o ex-presidente, encontrou na Segunda um território mais previsível — ou, ao menos, mais dividido.
CÁLCULO POLÍTICO E JURÍDICO – No direito, tempo é argumento. E, diante da iminência de o STF definir o regime de cumprimento da pena de Bolsonaro, o cálculo político e jurídico de Fux ficou evidente.
A manobra, contudo, expõe o dilema maior da Justiça brasileira: até que ponto a estratégia se confunde com o dever institucional? É natural que ministros se movimentem conforme as regras internas, mas há momentos em que o gesto técnico transborda para o simbólico. Num tribunal que tem a tarefa de proteger a democracia e julgar seus próprios limites, cada decisão de bastidor se converte em sinal público.
EQUILÍBRIO DE FORÇAS – Fux tornou-se um enigma. O mesmo ministro que, em tempos recentes, adotou posições de firmeza diante de pressões externas, agora aparece como um jogador que move suas peças em silêncio, na tentativa de equilibrar forças e ganhar tempo.
A Justiça, é verdade, também se faz de estratégia. Mas há fronteiras que, quando cruzadas, deixam de servir ao direito e passam a servir ao cálculo. No caso de Fux, o tempo dirá em qual desses lados a história o colocará.