Proteja-se! O aumento da insanidade mental na vida moderna não tem cura

A ilustração de Ricardo Cammarota foi executada em técnica manual, com pincel e tinta nanquim aguado sobre papel. A composição mostra cinco perfis humanos estilizados em preto, cinza e tons intermediários, com contornos irregulares que lembram manchas ou recortes. Todos os rostos têm um ponto branco no lugar do olho, criando contraste intenso com o fundo branco. Os perfis variam de tamanho: dois grandes em destaque ocupam as laterais esquerda e direita, voltados um para o outro, enquanto três menores aparecem distribuídos ao fundo, sugerindo diferentes presenças ou vozes em diálogo.

Ilustração de Ricardo Cammarotta

Luiz Felipe Pondé
Folha

Com a superficialidade que caracteriza a modernidade no seu estágio avançado no século 21, é óbvio que temas como a saúde mental também se transformariam em superficialidade e mercado, dois substantivos que caminham lado a lado como gêmeos siameses.

Quando a saúde mental se torna efeméride jornalística e commodity de mercado como hoje, a tendência é lidar com ela como oportunidade de negócio, logo, como contencioso jurídico.

GRANDES CIDADES – Autores como Georg Simmel (1858-1918) já escreveram sobre “O Impacto das Cidades Grandes no Espírito” —título do seu artigo publicado em 1904. Simmel, entre todos os fundadores da sociologia —Durkheim, Marx, Weber e, ele mesmo, Simmel—, é, sem dúvida, o mais sutil e sofisticado no tratamento dos seus objetos. Seu método de escrita ensaística será caracterizado por Adorno como “pensar com o lápis”.

A vida do espírito sempre teve como característica sobreviver ao meio circundante. Desde sempre, a natureza e seus elementos exigiram do espírito humano a capacidade de resistir às diversas formas de “agressão”.

Não será diferente quando os seres humanos passarem a viver em grandes cidades industriais. É deste lugar que parte a análise de Simmel acerca da vida do espírito na modernidade e seu caráter urbano em larga escala.

VIDA NERVOSA – Para nosso sociólogo sutil, o que marca a vida psicológica nas grandes cidades é “a intensificação da vida nervosa”. A aceleração das mudanças faz mal a alma. Tanto a vida interior quanto a exterior é exposta à necessidade de estabelecer discernimentos —que é parte essencial da vida do espírito— cada vez mais em maior intensidade.

Aceleração e intensidade marcam a qualidade das exigências modernas ao espírito, em si pré-histórico, dos seres humanos. À semelhança do seu contemporâneo, o metafísico francês Henri Bergson, Simmel entendia que a vida psíquica tem dois níveis de realidade. Uma profunda, interior, outra superficial, exterior, esta propriamente sendo o entendimento que lida com as mudanças da realidade do mundo.

Diferentemente de Bergson, Simmel, em sendo sociólogo, vincula esta vida psíquica exterior a elementos concretos da realidade social. Enquanto o “eu superficial” responde às demandas da vida exterior, o “eu interior” mergulha na profundidade que tende a temporalidade lenta.

VIDA RURAL – A geografia e a temporalidade da vida rural fazem poucas demandas ao entendimento —espírito voltado ao exterior— e se acomodam à lentidão do espírito voltado ao interior.

Quando o homem passa a habitar as grandes cidades, com sua aceleração e aumento de intensidade das transformações externas, o espírito interior se faz um tanto apátrida, sem lugar, enquanto o exterior é obrigado a trabalhar cada vez mais. Esse processo é a “intensificação da vida nervosa”, porta de entrada do adoecimento moderno da alma. Como é decorrente da dinâmica social, não tem cura.

Por sua vez, essa “vida nervosa” é equivalente, na linguagem de Simmel, ao aumento das demandas à consciência —dimensão do espírito essencialmente voltada ao mundo exterior. Se no campo a vida passava através de mudanças e nuances insignificantes, quase imperceptíveis, nas grandes cidades, essas mudanças se intensificam gerando um aumento gigantesco da atividade consciente, causando a “vida nervosa”.

MAIS SOFRIMENTO – Mais consciência, mais sofrimento subjetivo e inquietação. A sociologia aqui explica o aumento da submissão da vida do espírito à vida da consciência, por sua vez, submetida à violência da velocidade das rupturas modernas, rupturas essas não só no sentido grandioso da história, mas também no cotidiano individual minutal.

A coisa não para aí. Para Simmel, a vida do entendimento ou da consciência voltada ao mundo exterior das mudanças aceleradas — no caso das grandes cidades modernas — é a dimensão mais distante da vida interior profunda, esta mais consistente com a singularidade da personalidade individual.

Quanto mais exigências de atenção consciente, mais afastamento da personalidade, gerando de forma mais clara ainda, a “intensificação da vida nervosa” como psicopatologia.

SEM CURA – O entendimento —aqui sinônimo de consciência— tem vocação ao impessoal, “as decisões objetivas da lógica monetária”, numa palavra, ao dinheiro, e, por isso mesmo, fere a personalidade profunda, afeita à singularidade da “pouca consciência” cotidiana, vinculada à vida mais inconsciente e encaixada na lentidão da “longue durée” —longa duração— do historiador francês Braudel.

Portanto, o problema é “mais embaixo” do que a maldição dos celulares. O aumento da insanidade mental na modernidade não tem cura.

1 thoughts on “Proteja-se! O aumento da insanidade mental na vida moderna não tem cura

  1. https://www.espada.eti.br/n1931.asp “Projeto do Governo Prevê Submeter Toda a População a um Exame de Saúde” Mental! — Parte 1″
    “Em meio a mais florida retórica, o presidente Bush pretende obter a autoridade para forçar toda a população a se submeter a um exame de saúde mental. O poder sobre as pessoas e os altos lucros da indústria farmacêutica virão rapidamente a seguir.”

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