Após a eurotrip de ministros e juízes, um manifesto da dignidade magistocrática

Tribuna da Internet | É impressionante a podridão a que chegou o Supremo,  no afã de destroçar a Lava Jato

Charge do Bier (Arquivo Google)

Conrado Hübner Mendes
Folha

Depois de tudo que fizemos pela democracia e pelo combate à bestialidade autoritária, estamos cansados. Cansados com a falta de gratidão e com o excesso de vigilância sobre nossos hábitos anti-institucionais. Cansados com o sarcasmo. Estamos irritados com o excesso de perguntas e de voyeurismo. Irritados com o assédio à nossa vida privada. Não somos servidores públicos. Por isso, vimos nos manifestar.

Não ofendam nossa honorabilidade. Nossa juspornografia é limpa e asseada. O Febejapá (Festival de Barbaridades Judiciais que Assolam o País), carinhosa homenagem a Stanislaw Ponte Preta, é de nossas tradições mais distintas. O pornográfico está nos olhos de quem vê, o bárbaro na pele de quem sente. Perdoem a nossa nudez, mas nossa dignidade está acima do seu moralismo.

FURANDO O TETO – Respeitem nossas fugas da lei e do país. Respeitem nossos quinquênios e remunerações ilegais. Aprendemos a chamar de indenizatório o que é remuneratório. Assim furamos o teto e ainda não pagamos imposto. Constitucionalizamos a sinecura. Aprendam vocês também essa arte da alquimia magistocrática, de transformar chumbo em ouro, ilegal em legal.

Respeitem nossos modos de ganhar dinheiro extra na forma de patrocínio e custeio de viagem, de honorários por palestra em banco, ou de honorários pagos a nossos parentes advogados por casos que nós mesmos julgamos. Não somos sujeitos a conflito de interesse ou suspeição. Nossa isenção está acima de qualquer suspeita. Nossa falta de noção e excesso de apetite nos definem como magistocráticos.

Respeitem nossas prerrogativas assim como nós respeitamos as prerrogativas da advocacia que nos paga visita à Europa. Essa advocacia se esmera em alimentar nosso caro estilo de vida. Esse dízimo lobístico não tem preço.

LOBBY POLÍTICO – Respeitem nosso direito de chamar de acadêmico um evento de lobby politico-empresarial. Respeitem nossa leitura sobre o Brasil. Queremos pensar o Brasil bem longe do Brasil. Em Londres, em Madri, em Nova York.

Respeitem nosso gosto de viajar pago por empresas que julgamos no dia a dia. Só sabemos julgar de modo justo e imparcial. Podem ser empresas de tabaco, de serviços financeiros, de agronegócio, de construção civil, de ensino. Não discriminamos nossos financiadores, nem julgamos. Negociamos. Em mesas de conciliação entre grileiros e garimpeiros, sem indígenas. Em mesas de jantar com patrões, sem empregados.

Respeitem a integridade de nossa palavra. Se nos dizemos honestos, somos. Se afirmamos não haver nada de errado, não há. Se atestamos a legalidade, quem pode nos contradizer? Deus operou o “fiat lux”. Nós operamos o “fiat lex”.

SEM TRANSPARÊNCIA – Respeitem nossa alergia à transparência. Se o evento é fechado, não abra a porta. Se os patrocinadores não querem se expor, não viole seu direito à privacidade. Se até mesmo a OAB patrocina, presuma o valor republicano do encontro além-mar.

Temos o maior salário do Estado brasileiro, sem contar os extras não contabilizados. Mas não somos viciados em Estado. Combatemos o preconceito contra a iniciativa privada. E você aí, vai ficar esperando ajuda do sindicato?

Respeitem nossa alergia a direitos trabalhistas e à Justiça do Trabalho. Garantimos a liberdade de cada um para empreender com a própria sorte e esforço individual.

TRABALHANDO NO EXTERIOR – No dia 1º de maio de 2024, exercemos nosso direito de trabalhar em solo estrangeiro. Entramos na era do trabalho remoto. Vai ficar parado na província?

Nossa promiscuidade parece afetar a autoridade do STF para proteger liberdades constitucionais sob a mira de extremistas. Mas confiamos nos ministros que, por apego moralista à ética judicial e à lei, recusaram convite.

Aos ministros que ficaram em casa, nosso afetuoso agradecimento. Próxima semana estamos de volta. Aquele abraço.

6 thoughts on “Após a eurotrip de ministros e juízes, um manifesto da dignidade magistocrática

  1. Já que só vivem viajando e não trabalham, por que não fazem a sede do stf num dos principados que tem na Europa. Seria melhor economizaria viagens e também é mais chique para esses caras

  2. Impressiona como magistrados e políticos precisam viajar ao Exterior, para só lá discutir problemas e soluções, porquê? Aqui é tão difícil assim pensar? Esta gente tem medo e ódio do povo ao mesmo tempo.

  3. Essa postagem não vai agradar aos devotos dos ordenhadores de quinquênios.
    A Folha está começando a ficar magoada com o Fiat Lux.
    Valeu pelo Fiat Lex.

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