O preço da lealdade entre a governabilidade e o clientelismo no poder

Gleisi diz que devem permanecer os que apoiam o governo

Pedro do Coutto

Em entrevista concedida ao Globo, a ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, afirmou que é “um fenômeno natural” permanecer no governo apenas aqueles que apoiam o projeto político em curso — em especial, a reeleição do presidente da República. A declaração, aparentemente pragmática, acende um debate antigo e incômodo sobre o equilíbrio entre fidelidade política e o princípio republicano de impessoalidade na administração pública.

Em outras palavras, até que ponto a lealdade pode ser usada como critério para manter cargos e funções dentro do Estado? Na prática, o que a ministra defende é a coerência de base: quem foi indicado por parlamentares aliados deve agir de forma alinhada ao governo, votando e se manifestando em favor das medidas do Executivo.

SEM SENTIDO – Caso contrário, a permanência desses indicados — especialmente em postos estratégicos, como diretorias de estatais e autarquias — perde sentido. Há uma lógica interna nesse argumento: governos democráticos dependem de maioria no Congresso para aprovar projetos e garantir estabilidade. No entanto, o discurso de Gleisi vai além do realismo político e se aproxima perigosamente da naturalização de uma prática que há décadas corrói o sistema brasileiro — a troca de cargos e favores por votos.

A história política do país é repleta de exemplos em que a lealdade pessoal ou partidária se sobrepôs à competência técnica. O fisiologismo, disfarçado sob o nome elegante de “governabilidade”, transformou-se em norma tácita. Cargos comissionados, nomeações estratégicas e verbas orçamentárias tornaram-se moedas de troca na construção de maiorias.

O problema não é novo, mas o que preocupa é a tentativa de apresentá-lo como “natural”, como se fosse inerente à política. O uso dessa palavra revela uma visão de poder que confunde o Estado com o projeto partidário e a lealdade política com virtude cívica.

AUMENTO DO TETO – A ministra cita como exemplo o recente aumento do teto de financiamento habitacional para a classe média, de até R$ 2,2 milhões — uma medida vista como estratégica para reforçar o apoio popular. Ao vincular políticas públicas à sustentação política, Gleisi traduz o dilema central dos governos de coalizão: a necessidade de equilibrar resultados de gestão com recompensas políticas.

Mas, ao mesmo tempo, expõe o risco de que políticas públicas sejam moldadas por conveniências eleitorais e não por critérios técnicos ou sociais. O afastamento de indicados por parlamentares que votaram contra o governo — inclusive em órgãos como a Caixa Econômica Federal e o INSS — ilustra essa estratégia de depuração interna.

Trata-se de uma forma de disciplinar a base, punindo a “infidelidade” e premiando a submissão. Em tese, o objetivo seria garantir coesão. Na prática, porém, o efeito colateral é a centralização do poder e o esvaziamento do debate democrático. O Estado se transforma em um instrumento de controle político, e não em uma estrutura de serviço público.

MÉRITO ADMINISTRATIVO –  Dizer que é “natural” demitir quem não vota com o governo é, no fundo, admitir que o mérito administrativo se subordina ao cálculo eleitoral. É aceitar que o Estado funcione como uma extensão do partido, e que a máquina pública sirva à sobrevivência política de quem está no poder.

A naturalização desse raciocínio é perigosa: ela legitima a substituição da técnica pela fidelidade, da competência pela conveniência. A política deixa de ser espaço de pluralidade e se transforma em um campo de obediência, onde a divergência é vista como traição.

Há, claro, uma dose de realismo na fala da ministra. Nenhum governo sobrevive sem base parlamentar sólida. Mas também é verdade que, ao transformar o apoio em moeda de permanência, o Executivo arrisca perder sua legitimidade institucional.

DESGASTE – O preço dessa “lealdade” é o desgaste dos princípios republicanos e a consolidação de uma cultura de dependência política que enfraquece o próprio Estado. Governabilidade não pode ser sinônimo de clientelismo, e coerência política não deve significar submissão cega.

O episódio expõe, mais uma vez, o dilema que assombra o presidencialismo brasileiro: como construir uma base de apoio sem sucumbir à lógica da barganha. É possível cobrar fidelidade política, mas não às custas da autonomia institucional. A democracia exige cooperação, não servidão. Um governo que precisa ameaçar para garantir apoio talvez precise, antes, repensar suas formas de diálogo e convencimento.

4 thoughts on “O preço da lealdade entre a governabilidade e o clientelismo no poder

  1. Canção Noturna
    Skank

    Misterioso luar de fronteira
    Derramando no espinhaço
    Quase um mar
    Clareando a aduana
    Venezuela, donde estás?

    Não sei por que nessas esquinas
    Vejo o seu olhar

    Minha camisa estampada
    Com o rosto de Elvis
    A minha guitarra é minha razão
    Minha sorte anunciada
    Misteriosamente a Lua sobre nada

    Não sei por que nessas esquinas
    Vejo o seu olhar
    Não sei por que nessas esquinas
    Vejo o seu olhar

    Espalhem por aí boatos
    De que eu ficarei aqui
    Espalhem por aí boatos
    De que eu ficarei aqui

    Vem, mamacita, doida e meiga
    Sempre o âmago dos fatos
    Minha guerra e as flores do cactos
    Poema, cinema, trincheira

    Não sei por que nessas esquinas
    Vejo o seu olhar

    Um cego na fronteira, filósofo da zona
    Me disse que era um dervixe
    Eu disse pra ele, camarada
    Acredito em tanta coisa
    Que não vale nada

    Não sei por que nessas esquinas
    Vejo o seu olhar
    Não sei por que nessas esquinas
    Vejo o seu olhar

    Espalhem por aí boatos
    De que eu ficarei aqui
    Espalhem por aí boatos
    De que eu ficarei aqui

    Não sei por que nessas esquinas
    Vejo o seu olhar
    Não sei por que nessas esquinas
    Vejo o seu olhar

    Velejando, viajando, Sol quarando
    Meu querer, meu dever, meu devir
    E eu aqui a comer poeira
    Que o Sol deixará

    Não sei por que nessas esquinas
    Vejo seu olhar
    Não sei por que nessas esquinas
    Vejo seu olhar

  2. Existem desde tempo imemoriavel a classe das prostitutas, que vendem seu corpo. Agora aqui nesse sul global, criamos algo parecido no meio político, as prostitutas do poder

  3. “Em uma recente conferência/ato público, o deputado Gustavo Salle do Uruguai criticou duramente o que ele chama de “elite corrupta” ou “cleptocorporatocracia”

    “Essa elite governa por trás das sombras, usando capital financeiro, agências de rating de risco e corporações como ferramentas para subjugar Estados. ”

    Ele também acusou que instituições oficiais, diálogos sociais e espaços de participação democrática são meras “telas” para legitimar decisões já tomadas por interesses ocultos.

    Salle afirma que essas forças operam contra a soberania nacional, impondo agendas globalistas (como a chamada “Agenda 2030”) e restringindo liberdades individuais.”

    #conspiracion #illuminati #teoriasconspirativas #misterio #Gobierno

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