Charge do Zappa (humortadela.com)
Deltan Dallagnol
Gazeta do Povo
Condenações de Lula: anuladas. Condenações de José Dirceu: anuladas. Condenações de Antônio Palocci: anuladas. Condenações de Marcelo Odebrecht: anuladas. Condenações de Léo Pinheiro: anuladas. Condenações de Eduardo Cunha: anuladas. Condenações de Alberto Youssef: anuladas. Condenações de Sérgio Cabral: várias anuladas e outras são questão de tempo. E eu, procurador que investigou e processou todos eles, fui condenado a pagar uma indenização de mais de R$ 135 mil a Lula em menos de um mês.
Sim, leitor, você não leu errado. Eu, Deltan Dallagnol, terei que indenizar o presidente da República, Lula, em mais de R$ 135 mil por conta do PowerPoint que apresentei durante a primeira acusação criminal que ofereci contra ele, no âmbito da operação Lava Jato, em 2016. Você certamente se lembra do PowerPoint: várias bolinhas menores com expressões como “propinocracia”, “enriquecimento ilícito”, “maior beneficiado”, “perpetuação criminosa no poder”, entre outras, com setas apontando para uma bolinha maior no centro: entre outras, com setas apontando para uma bolinha maior no centro: Lula.
NADA DE ERRADO – Rigorosamente, não havia nada de extraordinário naquele PowerPoint: àquela altura, a Lava Jato estava a todo vapor havia dois anos, e já tínhamos feito dezenas de coletivas de imprensa com apresentações similares. A ideia da força-tarefa era simplificar as informações sobre as investigações para a sociedade: muitos jornalistas não entendiam nada de corrupção, lavagem de dinheiro ou crimes de colarinho branco. As coletivas ajudavam a traduzir o juridiquês para o público em geral, que passou a entender o tamanho do esquema de corrupção que investigávamos.
Contudo, quando apresentamos a denúncia contra Lula, usando o PowerPoint como recurso visual para facilitar a compreensão dos fatos, o mundo desabou. Lula jamais engoliu o PowerPoint e me processou pessoalmente, na pessoa física – mesmo com o Direito brasileiro proibindo que funcionários públicos respondam diretamente por atos praticados no exercício de suas funções. Lula perdeu em primeira e segunda instâncias: juízes técnicos e concursados julgaram a ação improcedente, porque eu estava apenas fazendo o meu trabalho. Aplicaram a lei.
Mas bastou o caso chegar ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) – corte composta por 33 ministros politicamente indicados pelo presidente da República – para tudo mudar. Muitos daqueles ministros foram indicados pelo próprio Lula ou por Dilma.
JÁ ERA ESPERADO – Alguém realmente se surpreendeu ao ver que, só ali, no STJ, eu fui condenado a pagar uma indenização de R$ 135 mil a Lula, mesmo contra a jurisprudência do próprio STJ? Eles reviraram fatos e provas, atropelando um entendimento sumulado (consolidado) da própria Corte de que ela não pode fazer isso nesses casos.
E alguém se espanta que meu recurso ao Supremo Tribunal Federal (STF) tenha sido rejeitado? O Supremo tem uma orientação vinculante para todos os tribunais, incluindo STJ e o próprio STF, de que ações de indenização como aquela que Lula moveu contra mim jamais pode ser direcionada contra a pessoa física, mas apenas contra a pessoa jurídica, no caso, a União.
Contudo, a lei não vale para os inimigos da corte. A relatora foi a ministra Cármen Lúcia, aquela do “censura é proibido, mas vou permitir só até o fim das eleições”. Já são mais de seis anos sob o regime de censura de Moraes.
BEM ESCASSO – Justiça virou um bem escasso para a direita e para quem enfrenta o sistema. E agora chegou o dia de tirar o dinheiro do bolso para pagar Lula. O dia em que o promotor tem que indenizar o bandido. Leia estas duas frases novamente, respire fundo e deixe seu corpo e sua mente absorverem lentamente essa informação. É a inversão completa de valores, a degradação total da justiça, a desmoralização plena das nossas instituições – muito mais do que xingamentos vazios a ministros do STF nas redes sociais.
Estou indignado, sim – e muito, como tanta gente que me enviou mensagens de solidariedade –, mas não preocupado. E a primeira razão é o seu apoio. Agradeço a todos que não me deixaram sozinho e protegeram minha família de pagar o preço por lutar por justiça num país onde os corruptos mandam. Quando fui condenado, mais de 12 mil brasileiros doaram, sem que eu pedisse, pequenos valores que somaram mais de meio milhão de reais, em apenas 48 horas. Vocês me fortalecem e me inspiram a não desistir de lutar pelo Brasil.
A segunda razão pela qual não estou preocupado é que diante das provas que tínhamos eu acusaria e colocaria Lula na cadeia de novo, mil vezes, se tivesse mil vidas. Faria tudo novamente, e lutaria sem cessar para colocar na cadeia – e não na presidência – aqueles contra quem existem fortes provas de corrupção.
VERGONHA DELES -Fiz o que era certo, não me arrependo, e quem deveria ser condenado são os corruptos e aqueles que lhes garantem a impunidade suprema. “Shame on them” – a vergonha está sobre eles.
Como me comprometi publicamente, todo o valor excedente das doações será doado a hospitais filantrópicos que tratam crianças com câncer e com transtorno do espectro autista. Oportunamente, prestarei contas de todos os valores. Assim, o que nasceu como uma injustiça será transformado em um bem: a tentativa de vingança de Lula será revertida em solidariedade. Vamos juntos concretizar o que Paulo disse em sua carta aos Romanos e digo a vocês: “Não se deixem vencer pelo mal, mas vençam o mal com o bem.”
Que a reação da sociedade a essa decisão sirva de lembrete: os brasileiros não querem viver num país em que o promotor é condenado a indenizar o bandido. Em que o policial tem que pedir desculpas para o criminoso. Em que o STF joga na cadeia por mais de uma década pessoas simples por picharem uma estátua, mas premia com a impunidade quem rouba o nosso futuro. Os pixs que recebi, a solidariedade das pessoas, as mensagens de apoio só me fazem pensar uma coisa: os maus não vencerão os bons. O bem ainda triunfará.
(Artigo enviado por Mário Assis Causanilhas)