O desafio brasileiro diante do tarifaço de Trump

Charge do J.Bosco (oliberal.com)

Pedro do Coutto

O anúncio recente do presidente Donald Trump de impor tarifas de 50% sobre produtos brasileiros — como aço, café, carne e alumínio — não apenas criou uma crise diplomática com o Brasil, como também desencadeou reações imediatas do governo Lula. Nesta terça-feira, o vice-presidente e ministro da Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin, anunciará que o governo editará um decreto para regulamentar a resposta brasileira ao impacto dessas tarifas.

Como se esperava, a reação interna foi de coesão: Lula contou com apoio expressivo da indústria nacional e de diferentes setores políticos. O sentimento geral é de que o Brasil precisa, com urgência, formular uma estratégia clara e assertiva para proteger suas exportações e sua base produtiva. A preocupação da indústria é palpável — afinal, os Estados Unidos seguem sendo um dos maiores parceiros comerciais do Brasil, sobretudo em segmentos industriais de alto valor agregado.

RETALIAÇÃO – O situação escancarou o desconforto diplomático e também expôs uma verdade incômoda: o tarifaço de Trump ameaça diretamente o desempenho da balança comercial brasileira e a confiança nos acordos multilaterais. Lula, porém, evita o caminho da retaliação desordenada. Segundo fontes da Câmara Americana de Comércio, a expectativa é de que a medida brasileira siga princípios legais, possivelmente apoiada pela recém-regulamentada lei de reciprocidade.

Essa resposta, que deve vir na forma de um decreto ainda hoje, pode representar um ponto de inflexão na relação comercial Brasil-EUA. A equipe econômica trabalha sob forte pressão para encontrar uma saída que preserve os interesses brasileiros sem incendiar de vez a relação bilateral.

CAUTELA – Especialistas como Monica de Bolle (Peterson Institute for International Economics) e Cláudio Frischtak (Inter.B Consultoria) apontam que a medida de Trump pode estar mais vinculada ao cenário interno americano — uma tentativa de galvanizar apoio de setores industriais em estados-chave para sua reeleição — do que a qualquer justificativa econômica sólida. O próprio mercado financeiro americano reagiu com cautela, indicando que o aumento de tarifas poderá afetar também a cadeia produtiva dos Estados Unidos, especialmente em setores que dependem de insumos brasileiros.

A partir de 1º de agosto, o Brasil pretende aplicar sua nova estratégia comercial, que está sendo construída com base em dados técnicos, diálogo com o setor produtivo e forte articulação diplomática. O objetivo é duplo: mitigar os danos imediatos e evitar que o episódio crie jurisprudência para novos ataques protecionistas no futuro.

A crise, por mais grave que pareça, também traz uma oportunidade: revisar e fortalecer a política industrial brasileira, apostar em acordos comerciais mais diversificados e diminuir a dependência de mercados voláteis. Em tempos de nacionalismos exacerbados, manter a sobriedade e a legalidade como guia pode ser a chave para preservar a soberania sem perder o bom senso.

Eduardo Bolsonaro entre o patriotismo de fachada e a dependência de Trump

Charge de Mário Adolfo (marioadolfo.com)

Pedro do Coutto

Eduardo Bolsonaro voltou ao centro do debate político com declarações inflamadas e carregadas de contradições. De sua residência nos Estados Unidos, o deputado federal licenciado e filho do ex-presidente Jair Bolsonaro gravou um vídeo em que desafia o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, a incluir Donald Trump no inquérito das fake news.

Com tom provocador, Eduardo chamou Moraes de “frouxo” e insinuou que o ministro estaria “com medo” da aplicação da Lei Magnitsky, uma norma americana que permite sanções a autoridades estrangeiras acusadas de violar direitos humanos. O gesto, no entanto, revela mais do que ousadia — expõe um comportamento contraditório e perigosamente ambíguo.

APELAÇÃO – Enquanto se apresenta como defensor da soberania nacional, Eduardo Bolsonaro apela, sem pudor, a pressões de um governo estrangeiro contra instituições brasileiras. Cobra coragem e firmeza de um ministro do STF, mas ao mesmo tempo se exila politicamente nos EUA e atua como porta-voz informal de Trump, anunciando que o presidente americano vai “vir para cima” de Moraes e até de sua esposa.

A suposta defesa da liberdade de expressão parece ceder lugar a uma forma de chantagem diplomática: ameaçar autoridades brasileiras com sanções americanas, como se os interesses nacionais pudessem ser subordinados aos ventos da Casa Branca. Não há soberania possível quando se tenta resolver impasses institucionais internos com intimidação externa.

Outro ponto gritante é a sequência de promessas e prazos não cumpridos. Desde maio, Eduardo vem garantindo que as sanções contra Moraes estariam prestes a ser aplicadas, ora em “duas ou três semanas”, ora “nos próximos dias”. Até agora, nada foi oficializado, e nem mesmo o Departamento de Estado americano confirmou qualquer medida.

SEM CREDIBILIDADE – A repetição desse padrão enfraquece sua credibilidade e sugere que mais do que articulação política, há um jogo de cena, uma encenação performática que busca alimentar o bolsonarismo digital com manchetes inflamadas e promessas vazias.

Eduardo também costuma repetir que suas ações são em nome do povo brasileiro, tentando vestir a capa de defensor das liberdades. Mas ao recorrer à Lei Magnitsky — criada originalmente para punir regimes autoritários que perseguem opositores — contra ministros do Judiciário, ele distorce o espírito da norma e instrumentaliza uma política de Estado estrangeira para interesses pessoais e ideológicos.

Acaba promovendo aquilo que diz combater: a interferência externa nas decisões soberanas do Brasil. Nesse jogo de inversões, quem defende a democracia termina por flertar com o autoritarismo, e quem diz lutar contra a censura adota práticas de intimidação.

ATAQUES – As contradições não param por aí. Ao denunciar o que chama de abusos do STF, Eduardo Bolsonaro deixa de mencionar seu próprio histórico de ataques às instituições — de flertes com o fechamento do Congresso ao já infame vídeo em que sugere um “novo AI-5”. Sua crítica à atuação de Moraes também ignora que ele próprio é alvo de investigações sobre disseminação de fake news, suspeitas que não se dissiparam mesmo após sua mudança para os Estados Unidos.

No fim das contas, o discurso moralista que empunha contra o Judiciário esbarra em sua própria trajetória política, marcada por excessos verbais, teorias conspiratórias e uma retórica de confronto permanente. O caso recente reforça uma faceta conhecida do bolsonarismo: a de que a lógica do “nós contra eles” precisa ser alimentada continuamente.

Eduardo Bolsonaro não apenas age como uma extensão ideológica do trumpismo em solo brasileiro — ele parece querer ser o elo entre dois projetos políticos que compartilham estratégias semelhantes: deslegitimar instituições, atacar a imprensa, alimentar suspeitas sobre processos eleitorais e judicializar adversários. Ao fazer isso, se coloca não como parlamentar atuante, mas como agitador profissional em busca de palco.

INCONSISTÊNCIA – comportamento recente de Eduardo Bolsonaro é revelador não apenas por seu conteúdo, mas por suas inconsistências. Ataca quem acusa de ser covarde, enquanto se abriga na proteção de Trump. Fala em patriotismo, enquanto roga por sanções de Washington.

Prega por democracia, mas tolera intimidação. Anuncia medidas que não se concretizam. Seu discurso, ao fim, é menos sobre o Brasil e mais sobre manter viva uma narrativa política que o sustenta: a do combate permanente, mesmo que à custa da coerência.

Trump mira o Brasil e acerta o próprio pé, com a reação global ao tarifaço

Gilmar Fraga (Arquivo do Google)

Pedro do Coutto

A ofensiva tarifária de Donald Trump contra produtos brasileiros — com sobretaxas que atingem setores-chave como aço, carne e café — não provocou apenas tensão no eixo Brasília-Washington. O gesto unilateral, em tom de revanche econômica e aceno à sua base ultranacionalista, atingiu proporções inesperadas: levou à manifestação formal da China em defesa do Brasil, mexeu com os mercados e reacendeu velhas incertezas sobre o papel dos Estados Unidos no comércio internacional.

A política de confronto adotada por Trump, agora em seu segundo mandato, foi descrita pelo The Guardian como “uma volta à diplomacia do tapa”, que ameaça o multilateralismo e compromete a estabilidade das cadeias globais de suprimento. O jornal britânico também destaca que o presidente norte-americano tenta reeditar os moldes de sua primeira gestão, quando impôs tarifas a aliados como Canadá, União Europeia e México. Mas o mundo de 2025 não é o de 2018 — e as consequências de agora mostram-se bem mais delicadas.

REAÇÃO – No Brasil, a reação foi imediata e institucional. O presidente Lula da Silva designou seu vice, Geraldo Alckmin, também ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, para liderar um grupo especial de resposta. A frente conta com representantes da diplomacia, do agronegócio e do setor industrial, que buscam manter pontes abertas com os importadores americanos e costurar uma saída pragmática. “É preciso inteligência e firmeza. A prioridade é proteger os interesses do Brasil, mas sem romper com o que foi construído até aqui”, afirmou Alckmin, em declaração ao Valor Econômico.

O impacto da medida é real: segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, o Brasil registra um déficit comercial com os Estados Unidos — e setores como o aço e o agronegócio, justamente os atingidos pelas tarifas, representam boa parte das exportações brasileiras para o mercado americano. A estratégia de Trump mira diretamente nessas vulnerabilidades, e analistas sugerem que a ação visa também enfraquecer a imagem internacional de Lula, com quem o republicano mantém uma relação fria desde sua vitória em 2022.

ECO – Mas o que Trump não esperava era o eco negativo de sua medida no cenário global. A China, maior parceiro comercial do Brasil, não perdeu tempo: declarou, por meio de seu Ministério das Relações Exteriores, que “ações unilaterais, punitivas e politizadas não são o caminho para relações internacionais saudáveis e sustentáveis”. A fala, embora diplomática, é carregada de recado. O gesto chinês visa reforçar sua posição como defensora da ordem multilateral — e, de quebra, enfraquecer a influência dos EUA na América Latina.

Além disso, líderes da União Europeia e da Organização Mundial do Comércio (OMC) também manifestaram preocupação. Para Pascal Lamy, ex-diretor-geral da OMC, “as ações de Trump aprofundam o isolamento dos EUA no comércio global e podem gerar represálias coordenadas”. A França, por sua vez, mencionou em nota oficial o risco de “desequilíbrio estrutural nas relações Norte-Sul”, sugerindo que medidas protecionistas desse tipo só agravam a desigualdade entre países ricos e em desenvolvimento.

CRÍTICAS – No campo político interno, o episódio também ressuscita fantasmas do bolsonarismo. Jair Bolsonaro, ex-presidente do Brasil e aliado ideológico de Trump, foi alvo de críticas por parte de membros do próprio Partido Republicano brasileiro, que veem na atual crise um reflexo do alinhamento automático que o ex-chefe do Executivo adotou com Washington durante seu governo. A retórica de “submissão aos EUA”, agora associada a perdas concretas, começa a ser contestada até mesmo por empresários que, no passado, apoiavam Bolsonaro.

Segundo o New York Times, o cálculo de Trump poderá sair caro. “Ele mirou em um parceiro regional, mas acabou acendendo alertas em todo o mundo — da OMC a Pequim, passando pela América do Sul e os aliados europeus.” Fontes do mercado financeiro relatam que a expectativa é de recuo. A própria Casa Branca estaria avaliando o custo político da medida, após o Departamento de Comércio receber pressões de importadores americanos temerosos com o efeito inflacionário das tarifas.

Se recuará ou dobrará a aposta, ninguém sabe ao certo. O que parece claro, no entanto, é que a tentativa de Donald Trump de se impor como “xerife do comércio global” encontrou resistência inédita, não apenas em Brasília, mas também em Pequim, Bruxelas e Nova York. A história mostra que, em política internacional, gestos têm peso — e consequências. E, neste caso, o gesto de Trump reacendeu uma fogueira que talvez ele não consiga apagar sozinho.

Trump ataca, Brasil responde as ofensas com inteligência estratégica

Lula pretende usar reciprocidade contra tarifa de Trump

Pedro do Coutto

A ofensiva tarifária do presidente Donald Trump contra o Brasil não poderia ter gerado repercussão mais desfavorável ao líder americano. A imprensa internacional foi quase unânime em condenar a medida, classificada como arbitrária, revanchista e perigosa para o comércio global. A decisão de impor tarifas de 50% sobre produtos brasileiros como café, suco de laranja, carne e aço foi anunciada como uma resposta ao julgamento de Jair Bolsonaro, numa mistura preocupante entre diplomacia econômica e interesses pessoais.

Trump parece confundir seus aliados ideológicos com os interesses institucionais dos Estados Unidos, atacando o Brasil como se estivesse em uma cruzada pessoal contra Lula e o sistema de justiça brasileiro. Mas, ao contrário do que talvez esperasse, o governo brasileiro reagiu com firmeza e equilíbrio, posicionando-se de maneira estratégica diante do maior parceiro comercial das Américas.

ESTRATÉGIA – O presidente Lula, que poderia ter usado o episódio para inflamar a base e criar uma narrativa eleitoral agressiva, preferiu agir com inteligência política. Em entrevista ao Jornal Nacional, evitou confrontos verbais e disse que não se move quando a temperatura está alta demais. Com isso, deu o tom de uma diplomacia madura: enquanto articula a entrada do caso na Organização Mundial do Comércio (OMC), já orienta o Ministério do Desenvolvimento e o Itamaraty a estudarem medidas de retaliação.

Está em discussão a aplicação da chamada Lei da Reciprocidade, que permite ao Brasil retaliar na mesma proporção tarifas impostas por parceiros comerciais. Patentes americanas e bens culturais podem ser os primeiros alvos. O objetivo do governo brasileiro, no entanto, é mostrar que tem instrumentos técnicos, jurídicos e diplomáticos à disposição para se defender — mas não cairá na armadilha da histeria protecionista.

APREENSÃO – A ação de Trump, ainda que tenha gerado apreensão entre exportadores brasileiros, permitiu ao governo Lula consolidar apoio interno entre os produtores, especialmente nos setores agrícola e industrial, e reposicionar o país no cenário internacional como uma nação capaz de resistir a pressões políticas externas sem comprometer sua soberania.

O Itamaraty, antes questionado por falta de protagonismo, agora se vê à frente de uma crise que pode, se bem administrada, fortalecer a imagem do Brasil como potência comercial e diplomática. A imprensa mundial destacou essa virada com ênfase.

O Financial Times afirmou que Lula está usando o embate com Trump para fortalecer sua posição política, ao passo que o The Guardian observou que o Brasil está mais preparado do que nunca para lidar com governos hostis e manobras imprevisíveis.

REAÇÃO – A verdade é que Trump atingiu, com sua tarifa, não apenas os produtos brasileiros, mas também o espírito da cooperação internacional. O Brasil, ao reagir de forma articulada e racional, consegue transformar uma provocação em oportunidade.

Resta agora saber se os efeitos econômicos — inevitáveis — serão atenuados pela ação rápida do governo e pela coesão política que Lula conseguiu construir em torno do tema. No tabuleiro do comércio global, quem perde o equilíbrio perde o jogo. Até agora, quem demonstrou estar mais firme sobre os próprios pés foi o Brasil.

Tarifas, ameaças e interferência: o Brasil na linha de fogo de Trump

Charge de William Medeiros (Arquivo do Google)

Charge de William Medeiros

Pedro do Coutto

O presidente Donald Trump protagonizou um dos episódios mais tensos das relações diplomáticas entre os Estados Unidos e o Brasil. Em um gesto unilateral, o governo americano anunciou a imposição de tarifas de 50% sobre uma série de produtos brasileiros — como aço, alumínio, café, açúcar e carne — o que deve provocar impacto direto na economia brasileira e nas cadeias globais de comércio.

Mais do que uma decisão econômica, a medida tem um evidente componente político: Trump, que já declarou abertamente apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro, usou o anúncio para desferir críticas duras ao Supremo Tribunal Federal e ao governo Lula, acusando-os de promover uma “caça às bruxas” contra seu aliado ideológico.

CARTA – A retórica usada por Trump foi agressiva e impositiva. Em uma carta enviada diretamente ao Palácio do Planalto, o presidente norte-americano exigiu que o governo brasileiro cessasse imediatamente o “comportamento persecutório” contra Bolsonaro, fazendo referência ao julgamento que tramita no STF sobre a tentativa de golpe em janeiro de 2023.

Para analistas internacionais, a linguagem usada por Trump extrapola os limites da diplomacia tradicional, resvalando numa interferência inaceitável nos assuntos internos de outro país. O tom determinante da carta e o gesto de impor tarifas comerciais como forma de pressão revelam uma tentativa clara de condicionar decisões judiciais soberanas a interesses políticos externos.

A resposta do governo brasileiro veio com rapidez. O presidente Lula convocou uma reunião de emergência com ministros da área econômica e da diplomacia e já anunciou que o Brasil deve aplicar medidas de retaliação comercial, com base na Lei de Reciprocidade e nas regras da Organização Mundial do Comércio.

NOTA –  O Itamaraty também divulgou uma nota firme, classificando as declarações de Trump como “ofensivas à soberania brasileira” e alertando para os riscos que essa escalada pode trazer para a estabilidade das relações bilaterais. O mercado reagiu com nervosismo: o dólar subiu, a Bolsa recuou e setores exportadores ligados aos produtos afetados já começaram a reavaliar contratos e projeções de lucro.

Mais do que um conflito comercial, o que se desenha é um embate geopolítico e ideológico. Trump parece decidido a transformar Bolsonaro em símbolo de perseguição política — narrativa semelhante à que ele próprio alimenta nos Estados Unidos ao se apresentar como vítima de um “sistema corrompido”. Ao atacar o STF e criticar abertamente o processo legal em curso no Brasil, o presidente americano tenta deslegitimar instituições democráticas em nome de alianças pessoais e eleitorais.

É uma estratégia já conhecida: criar tensão, alimentar a polarização e mobilizar sua base conservadora com discursos inflamados contra inimigos externos e internos. O problema é que essa tática não se limita ao campo retórico — ela tem efeitos reais e imediatos. O aumento nas tarifas pode causar prejuízos bilionários ao agronegócio e à indústria brasileira, além de pressionar a inflação nos Estados Unidos e desorganizar cadeias de fornecimento internacionais.

RETRAÇÃO –  Setores como o do café e da carne, que têm forte presença no mercado americano, já estimam retração nas exportações. Ao mesmo tempo, consumidores norte-americanos também devem sentir os efeitos com preços mais altos nas prateleiras. Ou seja, trata-se de uma guerra onde todos perdem, mas que interessa a Trump como combustível eleitoral.

A crise que se abre tende a se prolongar. De um lado, o governo brasileiro tem o desafio de defender sua soberania jurídica e econômica sem comprometer relações comerciais fundamentais. De outro, Trump parece determinado a usar o Brasil como palco secundário de sua cruzada ideológica. O embate, ao que tudo indica, está apenas começando — e poderá se tornar um dos capítulos mais delicados da diplomacia latino-americana contemporânea.

Emendas parlamentares, seus privilégios e a urgência de fiscalização

Charge do Baggi (instagram.com/falabobaggi)

Pedro do Coutto

O recente escândalo envolvendo o deputado federal Júnior Mano, acusado de destinar emendas parlamentares para a cidade onde sua esposa exerce o cargo de prefeita, expõe mais uma fissura crônica na estrutura orçamentária e política brasileira. Trata-se de um episódio simbólico — e não isolado — de um sistema que permite o redirecionamento de recursos públicos com finalidade eleitoral, muitas vezes passando ao largo da transparência e da moralidade administrativa.

As chamadas emendas impositivas, instituídas pela Emenda Constitucional nº 86/2015, foram pensadas para garantir aos parlamentares a capacidade de indicar diretamente a aplicação de parcelas do orçamento da União, sob o manto da descentralização e da representatividade. Na prática, no entanto, têm se tornado terreno fértil para o clientelismo, o favorecimento pessoal e, como no caso de Júnior Mano, o conflito de interesses. O orçamento público, nesse contexto, transforma-se em moeda política, barganhada por apoio e reeleição.

REGRA – Reportagens investigativas de veículos como Folha de S.Paulo, O Globo e Agência Pública têm demonstrado que essa prática, longe de ser exceção, é regra silenciosa no jogo político nacional. Parlamentares articulam o repasse de verbas para municípios aliados — ou administrados por seus familiares — e, muitas vezes, escolhem as empresas que executarão as obras com base em vínculos obscuros, quando não escandalosamente evidentes.

A questão central é: quem fiscaliza esse circuito orçamentário? A Controladoria-Geral da União (CGU), o Tribunal de Contas da União (TCU) e o Ministério Público Federal têm atuado, mas com recursos e quadros limitados frente ao volume de emendas e à complexidade de rastrear a efetiva execução das obras. Em muitos casos, os projetos não saem do papel ou são superfaturados, e a prestação de contas se perde em burocracias lenientes ou coniventes.

O modelo das emendas impositivas, sem um controle institucional eficiente, cria uma simbiose perigosa entre orçamento público e projeto de poder. O dinheiro que deveria ser destinado à saúde, educação, infraestrutura e desenvolvimento regional, muitas vezes é desviado para alimentar redutos eleitorais e relações promíscuas com empreiteiras. É a perpetuação de um ciclo vicioso: recursos públicos que financiam campanhas disfarçadas de obras públicas.

FICALIZAÇÃO – Não se trata de criticar o instrumento das emendas parlamentares — elas podem, sim, ser um importante mecanismo de descentralização e democratização dos investimentos federais. Mas é preciso apertar os parafusos da fiscalização. Um sistema automatizado e transparente, como propõem especialistas da Transparência Internacional, combinado com auditorias frequentes do TCU e ações proativas do Ministério Público, pode reduzir drasticamente o desvio de finalidade.

Enquanto não houver rigor na apuração e punição exemplar dos envolvidos, escândalos como o de Júnior Mano continuarão surgindo — e se multiplicando. O Parlamento, que deveria ser a casa da representação popular, corre o risco de se tornar apenas o balcão de negócios das elites políticas locais. E o cidadão, como sempre, paga a conta.

A crise ética que corrói o uso das emendas parlamentares não é apenas uma questão técnica de gestão orçamentária — é, sobretudo, uma questão moral e democrática. Ou o Brasil enfrenta com seriedade essa distorção, ou continuará sendo vítima do velho hábito nacional de transformar o público em privado sob o pretexto da legalidade.

Trump, Bolsonaro e a diplomacia como ringue

Trump saiu em defesa de Jair Bolsonaro e Lula revidou

Pedro do Coutto

A política externa de Donald Trump nunca foi regida pela estabilidade, pelo diálogo ou pela diplomacia tradicional. Pelo contrário, sua retórica — sempre marcada por ameaças, imposições tarifárias e criação de tensões — segue um roteiro de confrontação permanente.

E, agora, em seu novo ciclo de protagonismo, Trump volta a mirar não apenas os adversários tradicionais dos Estados Unidos, mas também a política interna de outros países, como o Brasil, utilizando Jair Bolsonaro como símbolo e escudo de uma narrativa antagônica ao atual governo Lula.

Ao ameaçar com tarifas produtos oriundos de países do Brics — bloco que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul —, Trump acena com uma espécie de guerra comercial unilateral, que visa enfraquecer alianças do Sul Global e reafirmar a primazia americana pela via da coação econômica. Essas ameaças, embora ainda retóricas, geram efeitos concretos nos mercados emergentes, afetando as expectativas de juros e impactando diretamente a balança comercial brasileira, por exemplo.

CRÍTICAS –  O episódio mais recente, porém, vai além da política econômica e mergulha num terreno de ingerência política. Trump reviveu a expressão “caça às bruxas”, usada com força nos Estados Unidos nos anos 1950 durante o macarthismo — período de perseguições ideológicas marcadas pelo anticomunismo histérico —, para criticar os processos judiciais enfrentados por Bolsonaro no Brasil. Em sua visão enviesada, o ex-presidente brasileiro estaria sendo alvo de uma perseguição política articulada pelo governo Lula. Mas essa narrativa não resiste a uma leitura objetiva da realidade jurídica do país.

Bolsonaro é réu em múltiplos processos no Supremo Tribunal Federal, muitos deles relacionados a ações e omissões durante a pandemia, além de tentativas de minar o sistema democrático brasileiro. Trata-se de processos conduzidos por instituições autônomas, como o Ministério Público e o Judiciário, em consonância com os princípios do Estado de Direito. Reduzi-los a um jogo de interesses ideológicos é uma tentativa grosseira de deslegitimar as estruturas republicanas brasileiras.

Trump não demonstra interesse em apresentar propostas construtivas, seja no cenário interno americano, seja no panorama internacional. Sua política é a da provocação, da divisão, da confrontação perpétua. O Brasil, neste contexto, se vê tragado por uma retórica que visa fortalecer sua base ideológica com ecos em segmentos bolsonaristas. Não se trata de defender Bolsonaro por afinidade genuína, mas de usá-lo como peça retórica para atacar Lula, que representa um projeto antagônico ao que Trump defende.

INTERFERÊNCIA – É preocupante que o presidente americano utilize sua visibilidade internacional para interferir, mesmo que simbolicamente, no processo político brasileiro. Mais do que declarações isoladas, esses movimentos revelam uma tentativa de alinhar agendas autoritárias em diferentes partes do mundo, reforçando uma frente de oposição às democracias pluralistas e ao multilateralismo.

Em tempos em que o planeta clama por cooperação e reconstrução, Trump insiste em transformar a diplomacia num ringue, a política em espetáculo, e a verdade em arma. E o Brasil, infelizmente, volta a ser cenário — e não ator — dessa encenação.

Previdência: o desafio está no equilíbrio, não apenas na despesa

O Globo, 100 Anos de História e o papel insubstituível da Imprensa no Brasil

O Globo celebrou 100 anos com resgate de sua história

Pedro do Coutto

No domingo em que completou um século de existência, o jornal O Globo foi celebrado em uma edição especial que não apenas enalteceu sua trajetória, mas também reforçou a importância histórica e contemporânea da imprensa para a vida democrática do país. Em um tempo de transformações vertiginosas no modo de produzir e consumir informação, alcançar 100 anos de circulação ininterrupta é, por si só, um feito monumental. Mais que isso: é a prova de que o jornalismo, mesmo desafiado pelas novas tecnologias, continua sendo um pilar da cidadania e da memória nacional.

Fundado em julho de 1925 por Irineu Marinho — e conduzido desde então por seus sucessores na família Marinho — O Globo esteve presente nos grandes episódios que marcaram o Brasil no século XX e neste início do XXI. Desde o Estado Novo de Getúlio Vargas até o regime militar de 1964, passando pela redemocratização, os planos econômicos, as manifestações populares e as recentes disputas eleitorais polarizadas, o jornal exerceu, com maior ou menor intensidade crítica, a função de espelho e ator da história brasileira.

OLHA CRÍTICO – É impossível, no entanto, celebrar o centenário sem olhar criticamente para o papel que o jornal desempenhou em momentos controversos. Em 2013, por exemplo, O Globo publicou um editorial histórico reconhecendo que o apoio editorial dado ao golpe de 1964 foi um erro. “Em 1964, O Globo apoiou o movimento que derrubou o presidente João Goulart. Em retrospecto, esse apoio foi um equívoco”, escreveu o jornal, em um gesto raro de autocrítica na grande imprensa brasileira. A admissão não apaga os erros, mas sinaliza a capacidade de revisão e amadurecimento — algo essencial no jornalismo que se pretende ético e comprometido com os fatos.

Ao longo de sua história, O Globo também foi espaço para vozes plurais. De colunistas consagrados a repórteres investigativos, o jornal contribuiu para colocar sob análise os fatos da vida pública e dar visibilidade a questões fundamentais para a sociedade. Temas como desigualdade social, crise climática, violência urbana, direitos humanos e corrupção ganharam destaque em suas páginas, influenciando a formação da opinião pública e pressionando instituições.

ATAQUES – Não por acaso, a imprensa profissional — da qual O Globo é um dos protagonistas — continua sendo alvo de ataques de setores que se incomodam com a crítica, a checagem de fatos e a fiscalização do poder. Em tempos de desinformação viralizada por redes sociais e algoritmos, o jornalismo sério, com apuração rigorosa e compromisso público, torna-se ainda mais essencial.

O jornal da família Marinho, com todas as contradições que sua história carrega, representa também a resistência em defesa da liberdade de expressão, da consciência crítica e da diversidade de ideias.

Assim, ao completar 100 anos, O Globo não celebra apenas a si mesmo, mas reafirma a relevância da imprensa como guardiã da memória e ferramenta de transformação social. É um marco que merece não apenas parabéns, mas também reflexão sobre o futuro do jornalismo no Brasil.

Moraes media conflito sobre o IOF e evita crise entre os Poderes

Moraes determinou a realização de uma audiência de conciliação

Pedro do Coutto

O gesto do ministro Alexandre de Moraes ao determinar uma audiência de conciliação entre o Poder Executivo e o Congresso Nacional sobre o decreto presidencial que elevaria o IOF foi mais do que uma decisão jurídica — foi um movimento político habilidoso. Recorrendo a uma figura típica da legislação trabalhista, Moraes encontrou uma forma de conter o desgaste entre os Poderes e sinalizar maturidade institucional.

Marcada para o próximo dia 15, essa audiência cria espaço para que Executivo e Legislativo construam uma solução intermediária, capaz de atender aos interesses do presidente Lula da Silva e do deputado Hugo Motta, que liderou a reação parlamentar contra o decreto presidencial.

ARRECADAÇÃO – A crise teve início quando o governo Lula editou um decreto elevando as alíquotas do IOF sobre operações de crédito, como parte de uma tentativa de reforçar a arrecadação. A reação na Câmara foi imediata. Considerando o decreto como inadequado e injustificado, o deputado Hugo Motta articulou a aprovação de uma resolução que suspendeu os efeitos do ato presidencial.

A decisão do Congresso foi recebida pelo Planalto como uma afronta à autonomia do Executivo, deflagrando um embate institucional que rapidamente chegou ao Supremo Tribunal Federal. O pano de fundo dessa disputa é a delicada fronteira entre os poderes de legislar e de regulamentar, tema que há anos suscita divergências entre juristas e políticos.

Ao optar por uma audiência de conciliação, Moraes evitou um enfrentamento direto e demonstrou sensibilidade política. Embora o instrumento seja mais comum em ações trabalhistas, sua adoção no campo constitucional serviu como ferramenta de apaziguamento. O gesto agradou aos dois lados: Lula ganhou tempo e espaço para reorganizar sua estratégia, e Motta viu consolidada, ao menos por ora, a validade da reação do Parlamento.

AJUSTE – A expectativa é de que o encontro do dia 15 resulte em uma síntese: um novo decreto ajustado por parte do Executivo e uma sinalização de respeito às prerrogativas do Legislativo. Apesar do tom conciliador, é difícil ignorar que o Legislativo saiu na frente. A anulação do decreto presidencial permanece em vigor e, na prática, o Congresso impôs um recuo ao governo.

Motta, inclusive, se antecipou ao presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, Davi Alcolumbre, que ainda não havia tomado posição definitiva. Com isso, consolidou protagonismo e ampliou a influência do Parlamento em temas sensíveis da agenda econômica. A articulação bem-sucedida de Motta mostra que o Congresso está disposto a ocupar espaços de poder que antes eram deixados à margem do debate, sobretudo em matéria tributária.

MODERADOR – O episódio também revela um STF cada vez mais confortável no papel de moderador político. Essa função, embora não descrita formalmente na Constituição, tem sido assumida pela Corte em diversos momentos da vida nacional, especialmente quando os conflitos entre os Poderes ameaçam paralisar o funcionamento do Estado. Moraes, nesse contexto, não apenas interpretou a lei, mas interferiu para preservar o equilíbrio institucional e evitar uma crise maior.

A decisão de buscar a conciliação é, portanto, um gesto que aponta para a importância do diálogo em tempos de tensão. Em um país que vive constantes sobressaltos políticos, mudanças abruptas no sistema tributário, como a elevação do IOF, não podem ocorrer sem o respaldo de um amplo consenso.

O dia 15 deverá marcar não apenas o desfecho de um impasse técnico, mas também um teste de maturidade institucional. Que desse encontro saia mais do que um acordo sobre alíquotas: que se fortaleça a prática democrática de resolver conflitos com conversa, e não com imposições.

Crédito imobiliário para classe média: promessa eleitoral ou armadilha econômica?

Crise entre os Poderes: O caso IOF e os limites da governabilidade

Lula diz que houve o erro foi p descumprimento de um acordo

Pedro do Coutto

Por um fio tênue, balança a relação entre Executivo e Legislativo no Brasil. A recente ofensiva governista contra o deputado Hugo Motta, personagem central na derrubada do decreto presidencial sobre o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), escancara o quanto a articulação política do governo Lula tem patinado, deixando rastros de instabilidade institucional e incompreensão do papel dos Poderes.

O centro do embate gira em torno da anulação do decreto presidencial relacionado ao IOF. O Palácio do Planalto, em reação, decidiu acionar o Supremo Tribunal Federal (STF), numa tentativa de reverter a medida por meio da judicialização. Mas aqui reside o nó fundamental: o Supremo não é — nem deve ser — um espaço de negociação política, como o próprio ministro Gilmar Mendes lembrou ao qualificar o episódio como “a ponta de um iceberg”.

ERRO ESTRATÉGICO – Há, portanto, um erro estratégico que vai além do gesto jurídico. Tentar reposicionar o STF como árbitro de uma contenda eminentemente política expõe o governo a críticas sobre sua capacidade de articulação, além de provocar desconforto no próprio Judiciário, que se vê pressionado a arbitrar questões legislativas. A Constituição é clara quanto à separação entre os Poderes. Judicializar uma disputa que deveria ser resolvida politicamente fragiliza essa fronteira institucional.

Mesmo dentro do governo, não há consenso. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, foi claro ao defender a retomada do diálogo: segundo ele, foi o Legislativo que se afastou da mesa de negociação. Jorge Messias, advogado-geral da União, também não disfarça a natureza política da decisão de recorrer ao Supremo. E nesse cenário, Lula se vê diante de um dilema: manter a confiança em sua base congressual, mesmo que instável, ou recorrer à força judicial para garantir medidas que, em última análise, deveriam ser fruto de negociação parlamentar.

O presidente culpou abertamente Hugo Motta pela derrubada da medida, lembrando que o tema havia sido discutido previamente em reunião entre Executivo e Legislativo. Mas esse tipo de acusação pública não ajuda a recompor pontes — ao contrário, tende a dinamitar os poucos pilares de articulação ainda de pé. A narrativa do Planalto revela, mais uma vez, as dificuldades de um governo que, embora experiente, tem enfrentado resistências internas e externas ao tentar aplicar sua agenda econômica e fiscal.

RACHADURAS – Além disso, a imagem do governo começa a sofrer rachaduras também junto à opinião pública. A tentativa de judicializar a crise do IOF é percebida por muitos como uma fuga da negociação legítima, uma demonstração de fraqueza política diante de um Congresso que se mostrou disposto a exercer seu protagonismo. O STF pode até ser provocado formalmente, mas não aceitará de bom grado o papel de árbitro de impasses institucionais que o Executivo não consegue resolver no campo político.

O episódio, como bem sugeriu Gilmar Mendes, revela uma crise maior: a dificuldade do governo em estabelecer um pacto funcional entre os Três Poderes. Um iceberg, cujas pontas já começaram a emergir, ameaça afundar a governabilidade se não for contido a tempo. O presidente Lula, alertado por conselheiros próximos sobre os riscos de judicializar excessivamente questões políticas, ainda tem tempo para recalibrar sua estratégia. Mas isso exige um reconhecimento claro: governar, mais do que decretar, é negociar.

E negociar, no Brasil de 2025, não é mais tarefa simples. É preciso habilidade, escuta e, sobretudo, respeito pelas instituições. O IOF pode ser apenas um símbolo — mas um símbolo poderoso do que está em jogo: a própria capacidade de um governo democraticamente eleito conduzir sua agenda dentro das regras do jogo.

Governo Lula escolhe o enfrentamento, mas pode perder nesmo vencendo

IOF virou disputa entre o Ministério da Fazenda e o Congresso

Pedro do Coutto

O governo federal escolheu o pior campo de batalha para lidar com uma crise que exigia mais tato do que teimosia: recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a decisão do Congresso Nacional que anulou o decreto presidencial sobre o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras). A escolha revela não apenas uma avaliação jurídica questionável, mas sobretudo um erro político crasso.

O STF é, por natureza, o guardião da Constituição e não um árbitro de disputas políticas mal conduzidas. A expectativa de que o tribunal invalide uma decisão amplamente respaldada pelo Parlamento coloca o Supremo numa situação delicada. Não é razoável esperar que a Corte confronte diretamente o Legislativo em uma questão que, embora tenha implicações técnicas, foi decidida com evidente respaldo político. Na prática, seria uma derrota simbólica do próprio Congresso – algo que, por equilíbrio institucional e leitura do cenário, o STF tenderá a evitar.

PODER DE COMPRA – Ainda que, em um cenário improvável, o governo saia vitorioso juridicamente, o prejuízo político será inevitável. O aumento do IOF recai diretamente sobre as operações de crédito, afetando consumidores e empresas, encarecendo a vida de quem já enfrenta juros altos e perda do poder de compra. O governo, portanto, venceria nos autos, mas perderia nas ruas — e na percepção pública.

A base da política é a negociação, e não a insistência em medidas impopulares sem o respaldo adequado do Congresso. Ao escolher a confrontação, o Planalto passa a imagem de isolamento e inflexibilidade. Para além do direito, há a sensibilidade política, uma qualidade que tem faltado nas recentes tomadas de decisão do Executivo.

É compreensível que a equipe econômica, pressionada por metas fiscais, busque novas fontes de arrecadação. Mas a forma como isso se dá importa — e muito. A ausência de diálogo e a tentativa de impor uma medida impopular por decreto indicam um erro de cálculo, uma leitura equivocada da correlação de forças no Legislativo e no próprio ambiente institucional do país.

REFLEXOS – A derrota no Congresso foi clara. Voltar-se ao STF agora é como tentar apagar o incêndio com gasolina: mesmo que a Corte aceite julgar o mérito, dificilmente o fará sem considerar as consequências políticas e o impacto sobre a harmonia entre os Poderes. Ao provocar um novo embate, o Executivo corre o risco de sair ainda mais fragilizado, com a credibilidade arranhada diante de um Congresso que já demonstrou disposição para se impor.

O momento exigia recuo estratégico, busca de consenso, e talvez uma reformulação mais ampla da política fiscal. O que se vê, no entanto, é uma insistência que beira a obstinação, com alto custo institucional e político. O país precisa de estabilidade e previsibilidade, mas a escolha do governo leva exatamente na direção oposta.

Em política, há vitórias que saem caro demais — e derrotas que ensinam mais que triunfos. Lula e sua equipe precisam, urgentemente, redescobrir o valor do diálogo e da prudência. Porque, no fim, a insistência no erro pode transformar um tropeço em tragédia.

Lula, o IOF e o risco de insistir no erro: entre o recuo e o desgaste inevitávelsvl

Charge do Benett (Arquivo do Google)

Pedro do Coutto

Por um triz, o governo Lula se vê novamente diante de uma encruzilhada política delicada — e, mais uma vez, corre o risco de errar o caminho. Após a decisão do Congresso Nacional de derrubar o decreto presidencial que modificava as regras de cobrança do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), o Palácio do Planalto ainda avalia se leva a disputa ao Supremo Tribunal Federal.

A hesitação em si já diz muito: revela um governo que, além de acuado, ainda busca coesão interna para decidir sobre um impasse que não deveria existir. Segundo reportagem precisa de Rafaela Gama, em O Globo, há um dado alarmante: nem mesmo o governo parece estar convencido da solidez do argumento que pretende levar ao STF.

DESCONFORTO – O próprio decreto, antes da derrota legislativa, já havia provocado desconforto na base aliada, e foi derrubado com uma margem expressiva — 383 votos a favor da anulação contra apenas 98 pela manutenção. Uma derrota acachapante, politicamente ruidosa, e que deveria, por si só, provocar uma reavaliação estratégica.

O presidente Lula da Silva tem nas mãos uma decisão que transcende o campo jurídico. Mais do que uma disputa constitucional sobre a validade de um decreto, o recurso ao STF é um gesto político — e, se insistido, poderá soar como tentativa de contornar a vontade soberana do Parlamento. A insistência nesse caminho, além de juridicamente frágil, é politicamente desaconselhável. Um eventual revés na Corte Suprema não apenas reafirmaria a derrota como ampliaria a percepção de fraqueza e isolamento do Executivo.

O Supremo dificilmente encontrará espaço jurídico para sustentar a tese da Advocacia-Geral da União. Ainda que se reconheça ao Executivo o poder de regulamentar certos tributos, a amplitude e os efeitos do decreto sobre o IOF tornaram inevitável sua leitura como uma manobra arrecadatória disfarçada de ajuste técnico.

RISCO –  O Congresso reagiu, com contundência, e anulou o texto presidencial. Recorrer agora ao STF seria transferir uma crise política para o Judiciário — um gesto arriscado, com potencial explosivo para a estabilidade entre os Poderes. A hesitação do governo, por sua vez, revela um dilema que se repete com frequência no terceiro mandato de Lula: agir com base na convicção política ou recuar diante da realidade institucional.

A demora em decidir já alimenta críticas sobre falta de comando e coordenação interna. Não se trata apenas de perder uma queda de braço com o Congresso; trata-se de reconhecer os limites da governabilidade em um cenário de equilíbrio instável entre Executivo e Legislativo.

A popularidade do presidente, que já enfrenta sinais de erosão, pode sofrer mais um baque caso o governo insista em um caminho que leve a uma nova derrota. O eleitorado, especialmente o mais pragmático, exige soluções e firmeza — não flutuações estratégicas que resvalam para o improviso. O desgaste de imagem pode se agravar se a narrativa pública passar a ser de um presidente que não apenas erra, mas insiste no erro.

DIÁLOGO –  Neste momento, o mais prudente talvez seja aceitar a derrota legislativa como um fato consumado e seguir adiante, apresentando ao Congresso um novo projeto de lei que contemple os mesmos objetivos, mas dentro dos ritos institucionais esperados. Um texto construído com diálogo, em vez de decreto imposto de cima para baixo, teria mais chances de êxito e poderia até reposicionar o governo como aberto à negociação e ao bom senso.

Lula, político experiente, sabe que há derrotas que podem ser pedagógicas — e até regeneradoras. Tentar transformar um impasse em confronto pode render aplausos momentâneos de setores mais ideológicos, mas o preço a médio prazo será alto. O país precisa de maturidade política.

Lula, o caso do IOF e o risco de governar contra o vento

Charge do Gilmar Fraga (gauchazh.clicrbs.com.br)

Pedro do Coutto

O presidente Lula, em mais um gesto de firmeza – ou teimosia, a depender da leitura –, decidiu recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar reverter a decisão do Congresso que derrubou o decreto presidencial sobre o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras).

A medida, redigida e enviada pela Advocacia-Geral da União, foi feita mesmo diante da orientação contrária de parte do governo e do ambiente político hostil à iniciativa. Trata-se de uma aposta arriscada, com potencial de desgaste institucional e de enfraquecimento político.

PLACAR – A derrota imposta ao governo no Legislativo foi expressiva: 383 votos pela derrubada do decreto, contra apenas 98 em sua defesa. Um placar eloqüente, que não apenas revela a falta de articulação do Palácio do Planalto com sua base parlamentar, como escancara o isolamento político de Lula em temas sensíveis da política fiscal. Diante de tamanha rejeição, recorrer ao Supremo soa mais como um grito de resistência do que uma estratégia de reconstrução.

Fontes como O Globo e Valor Econômico já apontavam que a própria equipe econômica demonstrava reservas quanto à edição do decreto e, posteriormente, à insistência em mantê-lo como bandeira. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ainda que alinhado à linha econômica do governo, tem optado por cautela ao comentar a judicialização da pauta. Segundo reportagem do O Globo, Haddad admitiu que a única alternativa remanescente ao Executivo seria mesmo o Supremo, após o Congresso enterrar o decreto.

Contudo, o caminho jurídico parece mais uma avenida para desgaste do que uma ponte para solução. O Supremo raramente interfere em decisões majoritárias do Congresso, sobretudo quando a matéria tem ampla repercussão política e foi amplamente discutida. A anulação de um decreto derrubado por maioria absoluta do Legislativo colocaria o Judiciário em rota de colisão com a opinião pública e com os fundamentos democráticos da separação entre Poderes.

NOVA DERROTA – Caso o STF decida, como é esperado, manter a validade da decisão do Congresso, o presidente amargará uma nova derrota – não apenas jurídica, mas simbólica. Em política, perder no Supremo depois de perder no Congresso é perder duas vezes. E, pior, é confirmar um enfraquecimento de liderança que começa a se tornar perceptível inclusive entre aliados.

Ao insistir no recurso, Lula transmite uma mensagem dúbia: de um lado, demonstra apego a medidas fiscais que considera essenciais para manter o equilíbrio das contas públicas; de outro, revela dificuldade em recompor sua base política e aceitar os limites impostos pelas instituições republicanas. É o dilema de quem, ao tentar governar por decreto, colhe resistência de um Parlamento que exige ser ouvido – e de uma Corte que dificilmente atropelará uma decisão política tão robusta.

MAIS DIÁLOGO – Governar exige pragmatismo, e o momento impõe ao presidente mais escuta e menos confrontos. O risco agora é o de caminhar para um impasse de difícil reversão, em que cada derrota acumula sequelas e mina a autoridade de quem precisa manter a governabilidade em meio a uma base fragmentada.

O recurso ao STF pode ser, no máximo, uma manobra de contenção de danos. Mas dificilmente trará de volta o controle político que escapou pelas mãos. Talvez seja hora de Lula lembrar uma de suas máximas preferidas: “Quando a gente erra, a gente tem que ter humildade para voltar atrás”. Afinal, o Brasil de 2025 é outro – e o governo não pode perder tempo colecionando derrotas por teimosia.

Sinal de alarme no convés da administração pública federal

Charge do JCézar (Arquivo Google)

Pedro do Coutto

A máquina pública federal brasileira está diante de um grave sinal de alerta. Reportagem do jornal O Globo aponta que, se nada for feito de forma urgente, faltará dinheiro já em 2027 para sustentar o funcionamento básico do Estado. E esse quadro não decorre apenas de excesso de gastos, como muitos tentam reduzir a narrativa: a verdade incômoda é que o Brasil sofre de uma falência crônica na arrecadação eficiente e justa, particularmente sobre os setores mais privilegiados da economia.

Os dados são eloquentes. O Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2025 já reconhece que o espaço para despesas discricionárias (ou seja, aquelas que o governo pode de fato decidir como aplicar) deve cair drasticamente nos próximos dois anos. Em 2026, serão R$ 208 bilhões; em 2027, esse valor despencará para R$ 122 bilhões — e desse montante, boa parte já estará comprometida com emendas parlamentares e o pagamento de precatórios.

CORTES – A margem real de manobra do governo será mínima. O Ministério da Fazenda reconhece que o cenário é crítico, mas ainda insiste em soluções tradicionais: cortes de gastos pontuais, contingenciamentos setoriais e promessas de disciplina fiscal, enquanto mantém intocados os pilares de renúncia que drenam as finanças públicas.

Há uma contradição gritante nessa equação. Fala-se constantemente em despesas obrigatórias — salários, aposentadorias, universidades, Forças Armadas — como se fossem os vilões do orçamento. Mas silencia-se sobre a ausência de receitas obrigatórias com igual peso. Os benefícios fiscais concedidos indiscriminadamente e as isenções tributárias a setores que deveriam contribuir com mais vigor são raramente discutidos com a seriedade que merecem.

Dados do Tesouro Nacional revelam que o Brasil abre mão de mais de R$ 500 bilhões por ano em renúncias fiscais — o equivalente a 4,5% do PIB. É dinheiro que deixa de entrar nos cofres públicos sem qualquer avaliação rigorosa sobre sua efetividade econômica ou social.

INADIMPLÊNCIA – No caso do INSS, o buraco também não é provocado pelos chamados “supersalários”, como muitos insistem em repetir. A estrutura de financiamento da Previdência Social é clara: ela é composta majoritariamente pela contribuição patronal de 20% sobre a folha de pagamento, além da média de 9% paga pelos empregados. Se há rombo, ele está sobretudo na inadimplência das empresas — muitas delas devedoras contumazes — que simplesmente não recolhem o que devem. E, ainda assim, posam de grandes pagadoras de aposentadorias, alimentando um discurso falacioso sobre o peso da Previdência para o país.

A verdade é que há uma erosão silenciosa da capacidade arrecadatória do Estado, fruto de um sistema tributário desigual, altamente regressivo e repleto de brechas. Enquanto os mais pobres pagam proporcionalmente mais impostos, os setores de alta renda encontram mecanismos legais e ilegais para reduzir sua contribuição. O resultado é um orçamento que não fecha, não por excesso de direitos sociais, mas por ausência de justiça fiscal.

Em paralelo, há gastos com baixa transparência e retorno questionável. Apenas em 2024, mais de R$ 7 bilhões foram pagos a integrantes do Judiciário acima do teto constitucional, com base em penduricalhos legais. As emendas parlamentares, por sua vez, consumiram quase R$ 50 bilhões — muitas vezes alocadas sem critérios técnicos claros. É nesse contexto que o governo tenta convencer a sociedade da necessidade de ajustes, mas sem tocar nos verdadeiros pontos de desequilíbrio.

“APAGÃO” – Economistas alertam que, se nenhuma mudança estrutural for feita, o país enfrentará um “apagão institucional”: não por falta de vontade política, mas por inviabilidade financeira. Serviços públicos básicos serão comprometidos, investimentos paralisados e programas sociais esvaziados.

As soluções exigem coragem política: enfrentar os grandes sonegadores, revisar os benefícios fiscais, simplificar o sistema tributário e redistribuir o peso da arrecadação de forma mais justa. Também será inevitável discutir a vinculação automática de despesas ao salário mínimo, já que mais de 70% dos benefícios previdenciários são atrelados a ele, o que pressiona o orçamento em cascata.

O Brasil não tem um problema de tamanho de Estado, mas de eficácia e equidade na sua sustentação. Não é aceitável que, em um orçamento de R$ 5,8 trilhões, falte dinheiro para manter a máquina pública funcionando. A falência não é financeira — é política. A escolha entre apagar as luzes do sistema ou reestruturar suas bases fiscais está sobre a mesa. E, como sempre, o tempo corre contra quem insiste em manter o silêncio sobre o que realmente importa.

Judicialização da política: e o risco de subverter a separação de poderes no caso do IOF

 

STF não é saída, é sintoma: a crise do IOF expõe fragilidade política do governo

Charge do Gilmar Fraga (gauchazh.clicrbs.com.br)

Pedro do Coutto

A recente derrota do governo Lula no Congresso, com a derrubada do decreto que aumentava o IOF sobre transações cambiais, escancarou não apenas uma falha de articulação política, mas também uma tendência preocupante de judicialização da política. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, reagiu indicando que o caminho para reverter a decisão poderia ser o Supremo Tribunal Federal.

Ao afirmar que “a saída para o IOF é ir ao STF”, Haddad não apenas expôs a fragilidade da base aliada, como também acendeu um alerta sobre os limites institucionais entre os Poderes da República. Recorrer ao STF contra uma decisão soberana do Congresso é uma distorção perigosa. A votação que rejeitou o decreto foi expressiva: 383 votos contra, 98 a favor. Ou seja, não se trata de um impasse técnico ou de interpretação jurídica — é uma sinalização política robusta.

DEBATE – Buscar no Judiciário a reversão desse resultado é, na prática, deslocar o debate da arena democrática para um ambiente que não foi feito para arbitrar embates políticos dessa natureza. Trata-se de um gesto que compromete a autonomia do Legislativo e, ao mesmo tempo, sobrecarrega o Supremo com demandas que não lhe competem.

É compreensível o desconforto de Haddad. A equipe econômica enfrentava dificuldades para cumprir metas fiscais, e o aumento do IOF era uma das alternativas encontradas para reforçar a arrecadação. Mas o erro não foi apenas técnico: foi político. Faltou articulação prévia, diálogo com o Congresso, construção de base. Em vez de preparar o terreno, o governo apostou na canetada — e colheu uma derrota acachapante.

A situação é ainda mais grave quando se observa o cenário interno. A gestão Lula vive um momento de desarticulação não apenas externa, com o Congresso, mas também dentro do próprio Executivo. Haddad está isolado. Diverge da ministra do Planejamento, Simone Tebet, e enfrenta resistências veladas do chefe da Casa Civil, Rui Costa. Essa fragmentação compromete a coerência das decisões econômicas e enfraquece a capacidade de resposta do governo diante de derrotas como essa.

FRAGILIDADE – A tentativa de judicializar a derrota é, portanto, sintoma de uma fragilidade mais profunda. O Supremo Tribunal Federal não pode ser utilizado como um recurso automático para reverter fracassos políticos. Essa prática cria um perigoso desequilíbrio entre os Poderes, colocando o Judiciário em posição de árbitro de decisões que deveriam ser resolvidas no campo da política. Não há democracia saudável quando o Executivo recorre ao Judiciário para corrigir o que não conseguiu negociar com o Legislativo.

Haddad chegou a sinalizar que, se não houver reversão, o governo pode apresentar um novo pacote de medidas, com taxação de apostas esportivas, revisão de benefícios fiscais e até mudanças em isenções de imposto de renda sobre investimentos. Essa é, de fato, a trilha mais sensata: reavaliar os caminhos, calibrar os ajustes fiscais e, principalmente, dialogar com o Congresso para construir soluções sustentáveis. É no espaço político — e não no contencioso judicial — que se encontra a legitimidade para reformas duradouras.

SEM BASE SÓLIDA – O episódio do IOF é uma lição. Não se trata apenas de um embate sobre impostos, mas de uma demonstração de que, sem base parlamentar sólida e sem respeito aos limites entre os Poderes, qualquer governo está condenado à instabilidade. Haddad, com sua reconhecida capacidade técnica, precisa agora mostrar maturidade política. Transformar a derrota em aprendizado exige, antes de tudo, abandonar a tentação do atalho judicial e voltar à trilha do diálogo.

O STF não é uma extensão do Planalto. Nem deve ser convocado a cada vez que um projeto do Executivo naufraga no Congresso. Essa prática corrói o pacto democrático e alimenta uma cultura autoritária disfarçada de legalismo. O que está em jogo não é apenas a arrecadação de alguns bilhões — é a saúde institucional do país. A democracia exige resiliência, e o primeiro passo é aceitar que, às vezes, perder faz parte do processo. Desde que se saiba perder com inteligência.

O recado do Congresso e o desgaste do Planalto: a queda do decreto do IOF

Juros altos até 2026: o desgaste prolongado da política econômica

Charge do Cicero (Aqruivo

Charge do Cicero (Arquivo do Google)

Pedro do Coutto

O adiamento da expectativa de corte da taxa Selic para apenas janeiro de 2026, conforme projeções recentes do mercado financeiro, representa um duro golpe para as ambições do governo federal em reaquecer a economia ainda em 2025. Embora a decisão final ainda dependa das próximas reuniões do Copom, a sinalização de que o Banco Central manterá os juros em 15 % até o fim do ano reforça a percepção de que o cenário macroeconômico segue fragilizado — e que o Planalto perdeu capacidade de induzir uma reversão de expectativas no curto prazo.

O governo Lula iniciou seu terceiro mandato com promessas de reconstrução do Estado e de retomada do crescimento com inclusão social. Contudo, a persistência da taxa básica de juros em patamares elevados compromete esse projeto e impõe limites ao alcance de políticas públicas voltadas ao consumo, ao crédito e ao investimento. A leitura do mercado é clara: sem reformas estruturais e sem um ajuste fiscal crível, não há espaço para uma política monetária mais branda.

RESULTADOS – O grande desafio do Planalto, portanto, não está apenas em pressionar o Banco Central, mas em mostrar resultados concretos na área fiscal. A frustração com a arrecadação, o ritmo lento da reforma tributária e a dificuldade em cortar gastos colocam o Ministério da Fazenda numa posição delicada. A sinalização de que os juros não vão cair antes de 2026 reforça a tese de que o BC considera os fundamentos econômicos frágeis — uma crítica implícita à condução da política fiscal atual.

No plano político, essa previsão representa uma crescente fonte de desgaste para o governo. O eleitorado que confiou no discurso de retomada da economia começa a sentir os efeitos prolongados do juro alto: crédito mais caro, consumo estagnado e dificuldades para pequenos e médios empresários. A base aliada, especialmente no Congresso, também começa a demonstrar impaciência, cobrando resultados mais rápidos em um ambiente de pressão eleitoral antecipada.

A permanência dos juros elevados afeta ainda a própria autoridade do presidente sobre a narrativa econômica do país. Lula, desde o início de sua gestão, criticou abertamente a política monetária do Banco Central, especialmente sob a presidência de Roberto Campos Neto. Agora, com a transição de comando se aproximando, o mercado sinaliza que a mudança de nomes não será suficiente para alterar a orientação do Copom sem um ambiente fiscal mais seguro. Isso dilui o impacto político que o governo esperava colher com a troca de comando.

PROGRAMAS SOCIAIS –  Outro reflexo imediato é a dificuldade em impulsionar programas sociais e de infraestrutura. Mesmo com o novo PAC e iniciativas voltadas à habitação popular e transição energética, o financiamento se torna mais difícil e mais caro. O setor produtivo, especialmente a indústria e a construção civil, sente o impacto direto da política monetária e começa a rever planos de expansão. Isso reduz o potencial multiplicador da política fiscal e trava a geração de empregos — um dado sensível para a popularidade presidencial.

Internamente, a equipe econômica enfrenta crescente pressão. A figura do ministro Fernando Haddad, que até agora tem sido o fiador da moderação fiscal, começa a ser colocada em xeque, tanto por alas mais à esquerda, que defendem estímulos ao crescimento, quanto por setores do mercado que duvidam da efetividade de suas medidas. A expectativa de juros altos até 2026 impõe um novo teste à sua permanência e à coesão política dentro do governo.

EQUILÍBRIO – Externamente, o Brasil ainda mantém relativa atratividade para o capital estrangeiro, justamente por causa dos juros altos. Mas esse movimento é ambivalente: ao mesmo tempo que garante fluxo cambial positivo, também indica um país com dificuldades em equilibrar crescimento e estabilidade. Essa leitura de “país travado” compromete a imagem de modernização e de protagonismo internacional que o governo busca reconstruir.

A narrativa de que o Banco Central atua de maneira excessivamente conservadora perde força diante da leitura generalizada do mercado: os riscos fiscais, a desorganização orçamentária e a ausência de reformas relevantes são hoje os principais obstáculos à queda da Selic. O governo se vê diante da necessidade de mudar o foco do embate com o BC para um esforço real de coordenação entre Executivo e Legislativo em torno de uma agenda econômica sólida e sustentável.

Em síntese, a projeção de que os juros só começarão a cair em 2026 impõe ao governo um novo ciclo de frustração política. A promessa de alívio econômico no curto prazo já não convence nem o mercado nem a população. Resta agora ao Executivo o desafio de resgatar a confiança com medidas concretas, capazes de reorganizar as contas públicas e construir as bases para uma retomada sustentável — ainda que essa reconstrução custe capital político e revele fissuras internas. O tempo, mais do que nunca, passou a jogar contra.