Entrevista com Putin mostra que ele e Trump agora falam a mesma língua

Entrevista recorde de Putin com Tucker Carlson atrai atenção global | Leia  a íntegra

Putin detalhou sua versão da História da Humanidade

João Pereira Coutinho
Folha

Suspeito que o pessoal não gostou da entrevista que Tucker Carlson fez com Vladimir Putin. Eu gostei. Verdade que não foi fácil manter-me acordado naqueles primeiros 30 minutos. Mas, com a ajuda de substâncias legais, consegui surfar as duas horas.

É um bom retrato de Putin — e, através de Carlson, um retrato também da nova direita americana, que espera a vinda do seu messias nas eleições de novembro.

IDADE MÉDIA – É um retrato de Putin porque entendemos melhor a sua concepção de tempo histórico. Você, no século 21, imagina que o século 9 foi há muito tempo. Para Putin, foi na semana retrasada.

Só isso justifica a primeira meia hora: quando Carlson queria falar da Otan e do pós-Guerra Fria, Putin começou na Alta Idade Média para chegar ao século 21. Objetivo? Mostrar ao americano por qual motivo a Ucrânia foi, é e será parte da Rússia para toda a eternidade.

Há quem subscreva essa concepção histórica. Conheço casos no meu círculo profissional. Respeito. E pergunto aos sábios se eles estão dispostos a entregar Portugal aos jihadistas islâmicos que querem reconstruir o Al-Andalus. Bem vistas as coisas, a Península Ibérica foi deles entre o século 8 e os séculos 13 (em Portugal) e 15 (na Espanha).

PASSAGEM DO TEMPO – Nunca obtive uma resposta. Quando muito, dizem apenas que “não é a mesma coisa”, embora um jihadista possa discordar: como Putin, o jihadista também vive em pleno Califado, imune à passagem do tempo.

Mas a história não é apenas estática para Putin; para quem fala da importância de “desnazificar” a Ucrânia, ele apresenta a história do século 20 pela lente de um nazista. Exemplo: nos livros de história, você aprende que a Segunda Guerra Mundial começou com a invasão da Polônia pela Alemanha.

O historiador do Kremlin tem outra interpretação, que se ajusta às suas próprias ambições imperiais: o problema dos poloneses foi não terem “cooperado” com Hitler. Se a Polônia tivesse permitido que o Führer executasse tranquilamente os seus planos de conquista, a força bruta não teria sido necessária.

SERIA UM ESTUPRO – Mal comparado, é como imaginar um violador que se defende em tribunal dizendo ao juiz: “Eminência, fui obrigado a estuprar porque a donzela não quis cooperar com meus planos.”

Mas a entrevista não é apenas um retrato de Putin. É também um retrato do estado da direita americana. Gideon Rachman, do Financial Times, tem razão ao afirmar que a principal característica do “idiota útil” é babar de admiração por líderes autoritários devido a interesses que são puramente paroquiais.

No século 20, são incontáveis os “peregrinos políticos” de esquerda que esperavam encontrar na União Soviética de Stálin, na Cuba de Fidel ou na China de Mao a inspiração salvífica para as “democracias burguesas” onde sofriam horrores mil.

ENTREVISTADOR – Tucker Carlson pertence à mesma estirpe, e o seu paroquialismo, como afirma o mesmo Gideon Rachman, está nas próprias perguntas que endereçou a Putin. A América é um país dominado pelo “deep state”? Putin se considera um líder cristão? Zelensky é uma marionete de Joe Biden (e, já agora, da família Biden)? No Kremlin existem banheiros de gênero neutro?

Essa última é inventada, confesso, mas não soaria estranha se o “jornalista” a tivesse feito. Na cabeça de Carlson, e da vasta maioria que ele representa dentro e fora da América, Putin é o último cruzado contra a “ideologia woke”, encarnando a moral judaico-cristã em todo seu esplendor.

No passado, a esquerda ocultava os crimes do comunismo porque os fins (utópicos) justificavam os meios (sanguinários). A nova direita conservadora segue o mesmo caminho: que interessam os crimes de guerra de Putin quando não há banheiros neutros na Rússia?

INSANIDADE – Nada disso seria dramático se o Partido Republicano estivesse a salvo dessa insanidade. Mas as coisas ganham outros contornos quando Trump ameaça os países inadimplentes da Otan de que não os defenderá em caso de agressão russa.

Que os membros da Otan devem pagar mais para garantir a defesa coletiva, poucos contestam. Que as lideranças alienadas do Ocidente desarmaram os seus países como se o mundo fosse uma gigantesca Suíça, também não.

Mas Trump, por razões eleitorais, imita a máfia fazendo ameaças aos seus aliados: ou pagam, ou alguém vai quebrar seus ossos. Deve ser por isso que Putin e Trump se admiram. Escutando com atenção, eles falam a mesma língua.

4 thoughts on “Entrevista com Putin mostra que ele e Trump agora falam a mesma língua

  1. Tucker Carlson é um dos poucos jornalistas sérios e honestos no mundo. A “democracia” americana já está querendo acusá-lo de tudo, até de espionagem, kkkk.

    A entrevista em si não mudou a minha visão de nada, visto que diversas coisas que ele já havia falado eram de conhecimento público das pessoas que realmente tem interesse no assunto, como por exemplo a questão dos acordos de Minsk e a promessa da não expansão da OTAN para o leste.

    Sobre o risco da Rússia invadir os países inadimplentes da OTAN como o autor profetizou com tanta propriedade, certamente tirou essa tese do próprio orifício excretor.

  2. Putin, como a maioria dos ditadores, tem uma vasta bagagem de morte nas costas. Se olhar para a Rússia antes de Putin, o país estava falido e era chacota do mundo. Hoje a Rússia é uma potência, tem apoio amplo da maioria do povo e acredito que a maioria da população do mundo gostaria de ter um líder como Putin em seu país.
    Nas duas horas de entrevista, Putin narra episódios da história e isso levanta controvérsias. Disse muitas verdades, o que aumenta a propaganda negativa principalmente da mídia ocidental. Existe uma grande diferença entre a guerra travada na faixa de Gaza onde Israel pratica o genocídio e a da Ucrania onde a Rússia tenta poupar ao máximo os civis. Existe uma explicação para isso, pois a origem da Ucrania possui uma forte relação com a Rússia. Existem muitos laços familiares entre os dois países. Esses quase 30 minutos de história Putin tenta explicar esse fato.
    Pontos polémicos como o atentado terrorista de Nord Stream e as consequências econômicas para a Alemanha e Europa. Problemas econômicos dos EUA e da migração são um recado para que os americanos tentem arrumar o seu quintal. Veja o que Boris Johnson disse sobre essa entrevista, com certeza ele não ficou feliz pois ele poderia ter ajudado a acabar com a guerra na Ucrania mais fez o papel de papagaio de pirata e encorajou Zelensky a entrar na guerra prometendo amplo apoio da OTAN.
    De certa forma, a entrevista é um marco para o pronunciamento da mudança de poder. Hoje o mundo é multipolar, Rússia, China estão participando ativamente desse cenário que existem novos participantes como a Índia. Isso não foi dito na entrevista, mas não podemos esquecer do Irã que está se consolidando como a maior força militar do Oriente Médio e a Coreia do Norte está sendo outra potencia militar que não pode ser esquecida (vide apoio a Russia, Houthis e Hezbollah).

    O link abaixo tem a entrevista com dublagem em português

    https://www.youtube.com/watch?v=V8hZ23dl8G8

  3. Senhor Cláudio , o que tens a dizer quanto aos países liderados pelos USA , invadem quando bem entendem diversos países , destruindo , matando , mutilando , estuprando seus respectivos povos , e ainda quando saem dos países invadidos lhes impõe pesados encargos , como pagamentos dos custos de guerras / invasões como é praxe , com apoio dos nacionais locais .

    • Os EUA estão certos na visão deles de garantir o dinheiro e o lucro para um grupo de pessoas.

      O que Putin faz está certo na visão dele seguindo os mesmos preceitos.

      Em geopolítica não existe o bem e o mal e sim o que certo ou errado na visão de cada grupo.

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