Parentes, palestras e penduricalhos formam o PPP da nata da magistocracia

Juízes auxiliares do STF ganham mais que os ministros da corte | Espaço  Vital

Charge do Alpino (Yahoo Notícias)

Conrado Hübner Mendes
Folha

Entre as festividades da proclamação da República, evento histórico de intenções duvidosas, a homenagem aos modos mui republicanos da magistocracia já conquistou seu lugar. Em vez de separar o público do privado, convida-os para dançar.

Todo magistocrata persegue a vida boa. Vida boa não exatamente no sentido ético e republicano. Na busca dessa vida boa, construiu uma vantajosa parceria público-privada. Parentes, palestras e penduricalhos sintetizam o PPP da magistocracia. Desenhou todo um repertório de fugas disfarçadas da lei, uma tecnologia da ilegalidade para executar seu PPP.

TUDO PELA FAMÍLIA – Comecemos pelos parentes. Um magistocrata raiz vive pela “família acima de tudo”. Há muitas formas de enriquecer a dinastia. Enquanto o STF se orgulha de sua súmula vinculante contra o nepotismo, faz vista grossa para outras formas de parentismo.

O STF decidiu nesse ano, por exemplo, que uma regra impedindo ministros de julgar caso de empresa cliente de parente próximo é inconstitucional. Sob o pretexto de que a regra era rigorosa demais e de difícil operacionalização, em vez de dar a ela uma interpretação adaptativa, que pelo menos protegesse o essencial e fácil de aplicar, resolveu revogar.

Assim, ninguém fica impedido: se o ministro é pai, contrate o filho; se é marido, contrate a mulher; se é irmão, contrate a irmã. A porta do tribunal será mais família, ainda que custe honorários extras (a taxa do parente). Não há conflito de interesses, nem corrupção. Há apenas prerrogativas de um tipo especial de advogado, as prerrogativas dos laços de família.

PAÍS & FILHOS – Todo magistocrata quer futuro brilhante para os filhos. Por isso não hesita em ajudar a colocar o filho na carreira. Aos filhos estudiosos que passam em concurso, ajudam na promoção. Aos filhos não concurseiros, oferecem a entrada direta em tribunal de segunda instância. Até ministro do STF já fez lobby pela filha. Só não inaugurou a prática.

Há também os convites para “dar palestras” e “assistir palestras”. Em regra, em lugares glamorosos, onde se bebe o melhor vinho e se aprecia paisagens contemplativas. Sob “patrocínio” dos agentes econômicos mais poderosos do país, com grandes interesses em casos de tribunais em todos os níveis.

Acontece em Lisboa, todo ano. Ou numa ilha do Mediterrâneo.

3 thoughts on “Parentes, palestras e penduricalhos formam o PPP da nata da magistocracia

  1. Dos três poderes, o Judiciário e seus tribunais é o que mais oferece festas. Festas para todos gostos, ano inteiro.

    Por quê? Para quê?

    Não são gratuitas. Têm uma função na definição da justiça.

    Medalhas, títulos, honra ao mérito, jantares de adesão, comemorações de promoções, aposentadorias, remoções. Almoços que iniciam seminários, coquetéis que encerram.

    Prêmios. Recepção a ministro do Supremo. A outro, também. Discursos, conferências, palestras. Idas a resorts, comitivas ao exterior. Festas presenciais, é claro. Não são virtuais.

    Um abecedário que não acaba em z.

    Se Gilberto Freyre fizesse a sociologia destas festas, começaria perguntando: Quem vai? Quem não vai? Para quem são?

    Vão os magistrados, desembargadores, ministros, procuradores, subprocuradores, presidentes de tribunais, corregedores. E cônjuges. Vai toda a hierarquia. Relatores, conselheiros, peritos, assistentes. Famílias.

    Advogados, muitos, muitos e muitos advogados.

    Vão sobretudo as partes com grandes processos pendentes. Os advogados de milhões de pequenas causas não são convidados.

    Mas o que tanto conversam? Servidores públicos, donos de cartórios, partes, juízes e ministros?

    Não é sobre teorias jurídicas. Hart versus Alexy, ou Pontes de Miranda. É sobre processos para serem julgados. A pauta da próxima sessão. Despachos auriculares. Pedidos de vista.

    Jovem juiz é apresentado ao desembargador que vai votar, ou não, a sua promoção. Desembargador apresentado ao governador que vai escolher na lista tríplice. Pedidos de audiência. Procuradores alertando juízes. E vice-versa. O despacho vai ser publicado quando?

    O coquetel judicial é o mercado das informações judiciais potenciais.

    Lembra o mercado da praça de Jemaa el-Fna, patrimônio cultural da Unesco em Marrakech.

    Tudo é informação. A linguagem corporal. O grupinho. Tudo interferirá, subliminarmente ou não, no processo.

    Citar jurisprudência ou doutrina, com um Prosecco na mão, já é uma pista. Criticar o potencial voto do colega, outra. Prorrogar prazo também.

    Gilberto Freyre não seria unilateral. Festa é também fraternidade, celebração do conhecer os colegas, formular empatias intelectuais. Alianças inter e extra políticas. De reforçar o sistema de relações profissionais, diria Luhmann.

    Mas tudo vai depender das conversas. Será que nelas se respeita o artigo do Código de Processo que proíbe um processo passar à frente de outro? Ou o artigo da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, que proíbe o juiz de se pronunciar sobre processo seu ou do colega?

    O processualismo protoformalista, tão em moda, proíbe conversas, independentemente dos resultados. Proíbe a forma, independentemente do conteúdo. Proíbe a boa-fé. A descontração. E, no entanto, se conversa, se ouve, se pratica a boa-fé.

    Um coquetel é humano. Demasiadamente humano para ser codificado. Demasiadamente fugaz para ser punido.

    No final, cada um recorta a conversa como lhe apeteceu.

    O importante foi o ouvir, e não o falar.

    E se as conversas fossem gravadas e vazassem?

    O coquetel seria contra o devido processo legal, imparcial e inconstitucional.

    Anulam-se os processos ou o coquetel?

    LINK: https://joaquimfalcao.com.br/2019/07/26/o-que-tanto-conversam/

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