Brasil precisa deixar de ser esse peculiar Estado “minuciosamente intervencionista”

Ilustração de Edson Ikê publicada na Folha de S.Paulo em 10 de dezembro de 2023 mostra, sobre um fundo vermelho, personagem usando terno. Ele aparece no centro da cena, é feito em traços preto e branco, usa um terno e está de perfil, olhando para o lado direito da cena. Com a mão esqueda, segura um prato, com uma mão e um pedaço de manga de terno. Uma outra mão gigante aparece cutucando a nuca do homem

Ilustração de Edson Ikê (Folha)

Marcos Lisboa
Folha

O Brasil tem uma tradição de legislação complexa e minuciosa na economia, acompanhada por instituições de Estado com forte poder de intervenção discricionária nos mercados. Nos países anglo-saxões, a legislação é menos invasiva nos contratos entre partes privadas do que em países latinos, como o Brasil, de acordo com os resultados de agenda de pesquisa com microdados sistematizada por La Porta, Lopez-de-Silaba e Shleifer no ”Handbook of the Economics of Finance”.

As intervenções do poder público, inclusive para promover mudanças das regras do jogo, tendem a ser lentas e cuidadosas, por vezes com avanços pontuais seguidos de recuos. Mas a tradição latino-americana – e brasileira, em particular – é bem distinta.

ESTADO INTERVÉM – Mesmo em caso de contratos juridicamente perfeitos, o Estado intervém com frequência e arbitra eventuais queixumes, por vezes rompendo com o que havia sido acordado livremente.

Decisões arbitrárias do poder público ocorrem frequentemente em regimes de concessão, nos mercados de crédito ou em setores regulados. Esse Estado autoritário e discricionário foi consolidado na era Vargas, que criou uma extensa legislação intervencionista e instituições com amplo poder de mando.

Foram estabelecidos sindicatos com monopólio de representação, assim como federações e confederações de setores de empresas, que recebiam tributos recolhidos da sociedade. Nada de liberdade de adesão ou de contribuição. E herdamos instituições peculiares quando comparados com outros países, como a Justiça do Trabalho.

EXAGEROS ÓBVIOS – Alguns órgãos públicos contam com representantes do setor privado para estabelecer políticas públicas ou sanções que afetam as empresas do próprio setor.

O Instituto de Resseguros do Brasil (IRB), que possuía o monopólio do resseguro no país, era responsável pela regulação do setor e contava entre seus sócios o governo federal e empresas privadas de seguros. Preços das mais diversas atividades eram tabelados. Havia múltiplas taxas de câmbio, que variavam conforme o bem a ser comercializado. A realização do comércio dependia de autorização oficial.

DEMOCRATIZAÇÃO – Em 1945, tentou-se iniciar uma democracia em meio as instituições, ideias e valores herdados da longa era Vargas, que foi na contramão da economia de mercado como espaço da inovação, da concorrência e dos ganhos de produtividade.

Não se sabia bem como fazer política de estabilização, e qualquer medida de ajuste gerava a reação dos grupos organizados que dependiam dos favores oficiais. Os bastidores dessa história conturbada são descritos por Lourdes Sola no seu livro “Ideias Econômicas, Decisões Políticas”, cuja segunda edição, revista, foi publicada no último mês.

Lourdes Sola, que entrevistou protagonistas dessa história e cuidou de estudar conjuntamente a economia e a política, enfatiza a peculiar governança da gestão pública, analisa a tensão entre os técnicos e a política na época, além da aliança tática entre economistas que pareciam de campos distintos.

PÓS-1964 – Seu livro termina no golpe de 1964. Na década seguinte, reincidimos nos mesmos erros, com a tecnocracia provendo estímulos e coordenando os investimentos.

Neste caso, as regras do jogo agora permitem amplo espaço para o experimentalismo privado. Não se sabe o que irá dar certo. Por isso, deve-se deixar empreendedores independentes explorarem, de forma descentralizada, múltiplos caminhos, cada um fazendo o que achar que poderá ser mais promissor. A maioria irá fracassar. Mas os bem-sucedidos trarão novidades que serão posteriormente copiadas pelos demais, aumentando a produtividade e a renda.

As intervenções econômicas do setor público devem ser cirúrgicas e cuidadosas com a técnica, promover atividades com benefícios difusos, como ciência e tecnologia, e fortalecer a governança. Tudo isso, contudo, era estranho ao poder público no Brasil dos anos 1950.

8 thoughts on “Brasil precisa deixar de ser esse peculiar Estado “minuciosamente intervencionista”

  1. Singing out of the key:

    O cardiologista Roberto Kalil Filho, médico do presidente Lula e de outras personalidades, foi assaltado na manhã desta terça-feira (12) na garagem de seu consultório na região da Bela Vista, no Centro de São Paulo.

    O consultório fica próximo à unidade do Hospital Sírio-Libanês, onde o médico atende. Segundo Kalil, os dois criminosos estavam em duas motocicletas e o seguiram até o local. Chegando lá, o abordaram.

    O médico diz que ficou sob a mira de uma arma e teve itens levados pelos criminosos, como a aliança de casamento, um par de óculos e um relógio de luxo que ganhou do sheik de Dubai.

  2. Conta outra parceiro, até 1930 vivemos esse paraíso liberal que o autor tanto defende. Éramos um fazendão agropecuário com um exército de indigentes e analfabetos e uma minoria ínfima rica dona das terras.

    Foi justo durante a era Vargas que o autor tanto crítica, com um Estado forte e intervencionista, e cujas bases foram mantidas mesmo nos governos militares, que o Brasil mais se desenvolveu e cresceu.
    Infelizmente com a abertura econômica a partir do Collor e a volta do liberalismo voltamos a sofrer com estagnação económica e aumento da miséria

    Mesmo os países anglo saxões tiveram fortes taxas de crescimento no pós segunda guerra, justamente no período em que o Estado foi mais atuante, a era de ouro do capitalismo, que durou até o início Reagan-Tatcher.

  3. Por falar em “minuciosamente intervencionista”

    Comunismo na veia e na véia…….eh!eh!eh

    Mobilidade subsidiada

    São Paulo terá tarifa zero nos ônibus aos domingos; gratuidade começa neste mês
    Passageiros poderão usar gratuitamente ônibus aos domingos, além de Natal, Ano Novo e aniversário de São Paulo

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