Não falta motivo para proibir reeleição de presidente, governador e prefeito

FHC faz um diagnóstico perfeito, mas indica um remédio insuficiente -  Flávio Chaves

Charge do Kacio (Metrópoles)

Mario Sabino
Metrópoles

A data mais funesta para o Brasil redemocratizado não é 8 de janeiro de 2023, como querem fazer crer. É 4 de junho de 1997. Naquele dia de 26 anos atrás, aprovou-se a emenda da reeleição para presidente da República, governadores e prefeitos.

A Constituição de 1988 havia descartado a reeleição para cargos no Executivo. Mais uma das nossas poucas decisões sábias que foram revogadas. Para permanecer no poder por mais um mandato, Fernando Henrique Cardoso comprou uma penca de parlamentares e fez aprovar a emenda constitucional que estabeleceu a estrovenga.

ERRO DE FHC – Fernando Henrique Cardoso sempre negou que tenha comprado a emenda da reeleição. Só faltava admitir. O ex-presidente diz que não comprou, nem precisava, porque a maioria da população e a maioria do Congresso temiam a vitória de Lula.

No terreno das admissões prováveis, ele reconheceu, em 2021, em artigo publicado em dois jornais, um paulista e um carioca, que errou quadradamente no principal. Escreveu Fernando Henrique Cardoso, em versão condensada:

“Cabe a mim um ‘mea culpa’. Permiti, e por fim aceitei, o instituto da reeleição. Sabia e continuo pensando assim, que um mandato de quatro anos é pouco para ‘fazer algo’. Tinha em mente o que acontece nos Estados Unidos. Visto de hoje, entretanto, imaginar que os presidentes não farão o impossível para ganhar a reeleição é ingenuidade.

CINCO ANOS – Devo reconhecer que historicamente foi um erro: se quatro anos são insuficientes e seis parecem ser muito tempo, em vez de pedir que no quarto ano o eleitorado dê um voto de tipo ‘plebiscitário’, seria preferível termos um mandato de cinco anos e ponto final.”

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, quer consertar esse erro histórico e discutir o fim da reeleição. De acordo com ele, o assunto será prioridade em 2024: “O fim da reeleição é algo que é um desejo muito forte dos senadores, nós vamos fazer audiências públicas, debater isso”.

A substituição da possibilidade da reeleição por um mandato de cinco anos é um toma lá dá cá. Essa história de que 4 anos é pouco é balela. Em 4 anos, dá perfeitamente para um presidente, um governador e um prefeito arrombarem os respectivos cofres públicos.

PODER ETERNO – Paguemos esse preço, tudo bem. Cinco anos são menos desastrosos do que oito ou 16 anos — se um presidente reeleito conseguir eleger um poste, esse será o tempo que ele permanecerá continuamente no poder. Mas não deveríamos abrir mão de impedir que, uma vez presidente, o sujeito possa voltar a sê-lo, a qualquer tempo. O mesmo deveria valer para os demais cargos do Executivo.

Rodrigo Pacheco defende o fim da reeleição para “acabar com o estado eleitoral permanente”. Um jornalista já resumiu o que isto significa:

A reeleição é o nascedouro dos nossos maiores problemas porque o governante eleito, não importa o sinal ideológico, passa a preocupar-se unicamente com ficar mais quatro anos no poder. Assim, deixa de tomar medidas antipáticas necessárias à nação e passa a trabalhar em regime de dedicação exclusiva para ser reeleito, principalmente a partir do segundo ano de governo”.

AVES DE RAPINA – “Torna-se candidato com mandato, avançando sobre o Orçamento como se fosse recurso de campanha. As aves de rapina do Congresso, obviamente, cobram um preço elevado por isso. Criam dificuldades para vender facilidades, na forma de obstruções sistemáticas em votações relevantes, CPIs e pedidos de impeachment. Depois de levar o seu quinhão de dinheiro público, aderem. O fisiologismo e o corolário dele, a corrupção, sempre existiram, mas o seu coágulo mortal, o Centrão, só cresceu a ponto de entupir as artéria da democracia graças à emenda que constitucionalizou a reeleição.”

Escrevi o trecho acima em 2019, antes de FHC arrepender-se. Está publicado no meu livro “Me Odeie Pelos Motivos Certos.” Mas estou longe de ser original. Se reeleição fosse boa coisa para o país, Jair Bolsonaro e Lula não teriam mentido que jamais buscariam reeleger-se.

Espero que Rodrigo Pacheco consiga levar adiante o fim da reeleição (seria a partir de 2030). A ruína causada pela PEC da reeleição é bem maior do que a de 8 de janeiro e está na origem do quebra-quebra bolsonarista. O meu princípio de realidade indica, contudo, que o Centrão cobrará mais caro para não mudar nada. Por que mudar o que está dando certo para ele e errado para o Brasil?

11 thoughts on “Não falta motivo para proibir reeleição de presidente, governador e prefeito

  1. Pela milésima vez, é preciso sair do sistema presidencialista!

    Não adianta ficar remendando algo que sistematicamente não funciona.

    Os problemas do presidencialismo são inerentes ao sistema em si, com ou sem reeleição, continuará não funcionando.

    • Prezado Waksh

      Em parte, neste item, tem muita razão!!!
      Agora, pensa comigo: que sistema funcionará com tantos equívocos já existentes e outros que inventaram?
      1. distribuição de voto, a partir dos 16 anos – jovens sem qualquer responsabilidade;
      – eleitor, com mais de 18 anos, totalmente, analfabeto político;
      – escola que não repassa princípios de estado e democracia e quando o faz, puxa para um dos dois lados extremados;
      – presos que continuam com direitos políticos (votam);
      – mistura dos poderes (executivo, legislativo e judiciário), etc, etc. Paro por aqui, mas tem outros vários argumentos lógicos e indestrutíveis!

      Agora, mudarmos para qual sistema? Não entendem o presidencialismo, não conhecem a constituição, sabem quase nada, compreenderão, por exemplo, o parlamentarismo, algo desconhecido e mais complexo?

      Me desculpe insistir, mas não te um começo mais lógico! Ou iniciamos pelo voto/eleitor, ou não terá saída igual!!!

      Os pilares da democracia, já destruímos quase todos.

      E tudo iniciou no voto irresponsável e sem qualidade!

      Fallavena

      • Um dos motivos do voto irresponsável está justamente no personalismo do sistema presidencialista.

        A população não se sente responsável pelas decisões de seus políticos eleitos, agem como cada deputado estive lá por motivos meramente pessoais, não veem ligação entre suas escolhas e o que o governo faz.

        Nenhum sistema é perfeito, e mudar para o parlamentarismo não vai resolver tudo, mas é um começo. O que não dá é continuar nesse lógica de não mudar “isso”, por causa daquele outro problema.

        Vamos resolvendo os problemas um por um, a começar por acabar com essa estrovenga chamada presidencialismo.

  2. 1) Faço votos que o Ano do Dragão, 2024, traga de volta o fim da reeleição…

    2) E por falar em Aves de Rapina, lembro de um ótimo livro publicado pela antiga editora Civilização Brasileira:

    3) “O Zen e as Aves de Rapina”, autoria do excelente escritor católico, monge trapista Thomas Merton.

    4) Que faleceu em um mosteiro budista da Tailândia, quando visitava a capital, Bangkok.

  3. Um dia, se Deus permitir e eu conseguir, quero debater, pessoalmente com o jornalista Sabino e muitos outros.
    Acho que seria legal! Debater frente a frente é mais fácil do que escrever!
    Não tem fundamento algum a proposta dele!!!
    Ele já parte da metade do problema que temos, quando o correto é no início, bem no iniciozinho!
    Ele não enfrenta o problema na fonte, mas no meio do caminho. Seria como tratar o câncer que está na perna, cortando o cabelo da cabeça!!!
    Para qual sistema trocaria? parlamentarismo, monarquia, anarquia?
    Os eleitores serão os mesmos, em qualquer sistema!
    Quem elegeu as trolhas que tivemos, só como exemplo, nos últimos 40 anos?
    Onde nasce a corrupção? Não é nos eleitos!

    Mudarei de opinião, mas tem de derrubarem estas afirmações!

    Fallavena

  4. Particularmente acho que FHC foi o maior mal que aconteceu na história política brasileira pós-democratização. Ele faz parte daquele seleto grupo de mortais que gozam a tranquilidade de possuir residência na Av. Foch em Paris. Local onde o Aga Khan, os Wildenstein, os Rothschild, os Lagardère também residem… A quem o leão enxerga?

  5. O problema reside no “condicionante estatuto” que retira do “iniciado” o sentimento de pátria que se volta para o ditado por seu “mestre”, subalterno da “Máfia Khazariana”, àquela que suga as riquezas das naçôes!

  6. Considero o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso um homem inteligente. Considero que não houve compra de parlamentares no atacado. Um ou outro parlamentar aproveitou o processo e conseguiu algumas vantagens.
    Com uma proposta que tinha o apoio de um presidente da república, 27 governadores e mais 5.500 prefeitos com o olho na “botija” precisava comprar votos?
    Sou contra a reeleição pois o brasileiro, de uma forma geral, não tem parcimonia com o dinheiro da viúva.
    Argemiro

  7. Ainda bem que podemos debater isso, em alguns lugares seria um tiro na nuca, expurgo biológico ou um paredão de fuzilamento.
    Coreia do Norte está aí mesmo.

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