Na Quarta-Feira de Cinzas do Supremo, o preço da liberdade é essa desconfiança

Tribuna da Internet | Datafolha reforça a ação do Congresso para tirar  “superpoderes” do Supremo

Charge do Tacho (Jornal NH)

Marcus André Melo
Folha

Dois eventos apontam para um recrudescimento de patologias institucionais do STF que muitos esperavam se atenuar. Sobretudo, considerando que reformas regimentais recentes para conter os danos causados pelo ativismo sinalizavam a conscientização do problema.

Refiro-me às decisões de Dias Toffoli anulando multas bilionárias de grandes empresas. Trata-se de exemplo eloquente do ativismo processual que Diego Werneck critica em livro recente “O Supremo entre o direito e a política”. Sua conclusão que “o preço da liberdade do Supremo é a eterna desconfiança pública quanto à formação de sua pauta” não podia ser mais acertada.

ARBITRÁRIO E ILEGÍTIMO – O aumento do escopo de atuação individual dos juízes mina de maneira clara a legitimidade da corte. O caso é particularmente relevante em um contexto em que o Supremo tem que lidar com uma agenda explosiva envolvendo o alto escalão do governo anterior e o ex-presidente. A última coisa que a instituição precisaria numa conjuntura desse tipo seriam decisões dessa natureza.

Se o STF, através de decisões monocráticas de seus juízes, pode decidir virtualmente sobre qualquer tema e a qualquer momento, o tribunal será visto pela sociedade como arbitrário e ilegítimo. As decisões são cada vez mais interrogadas por suas motivações individuais, políticas, estratégicas.

O impacto deste tipo de comportamento não incide apenas sobre a comunidade jurídica, que tem demonstrado grande preocupação (excluo aqui as partes interessadas, que o aplaudem), mas, sobretudo, na opinião pública. E ela é crucial, como estudos empíricos demonstram.

CRISES JUDICIAIS – Há expressiva correlação negativa na América Latina entre ataques às cortes supremas (impedimento de juízes, CPIs, intervenções etc.) e a avaliação de que desfrutam junto à opinião pública. Veja-se, por exemplo, “Public Support and Judicial Crises in Latin America” (apoio público e crises judiciais na América Latina), de Gretchen Helmke, que examinou 472 casos de ataques às cortes supremas em países da região (que examinei aqui).

Em situações normais, a opinião pública influencia indiretamente as decisões dos tribunais superiores. É o que concluem Lee Epstein e Andrew Martin, em trabalho clássico sobre 6.000 casos de confirmação ou reversão de sentenças de cortes inferiores por cinco décadas nos EUA. O estudo refere-se a uma “pauta normal”, e não hiperpolarizada e de alta voltagem, como a atual. Na atual, o déficit de legitimidade dos tribunais é inédito e pode ter vastas consequências.

Aqui no Brasil, há um problema de ação coletiva envolvendo os ministros que maximizam seus interesses individuais, ignorando os impactos institucionais coletivos. Ao carnaval de decisões individuais, sobrevém uma Quarta-Feira de Cinzas institucional.

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