Ao se envolver na política brasileira, Musk tentaria dar um golpe de mestre

Elon Musk Has Twitter Bills To Pay, But Charging For A Blue Checkmark Won't Be Enough

Ilustração reproduzida da revista Forbes

Sergio Denicoli
Estadão

O Brasil possui cerca de 19 milhões de usuários do X. É o quarto maior mercado da empresa no mundo. Diante de números tão expressivos, é preciso se perguntar por que Elon Musk estaria arriscando ter a plataforma suspensa no País, por conta de decisões do STF que pediram a suspensão de cerca de uma dúzia de perfis.

A resposta parece clara: ao se envolver na política interna brasileira, Musk consegue tumultuar o cenário a ponto de impedir que o Brasil prossiga com tentativas de regular as redes sociais, o que poderia ser seguido por outros países.

ESTRATÉGIA ANTIGA – As big techs sempre atuaram para evitar uma regulação externa. Elas pregam a ideia de que a internet segue a lógica da chamada arquitetura “end-to-end”, ou “ponta a ponta”, que busca responsabilizar o usuário final pelo que ocorre no ambiente online. Ou seja, se as redes são utilizadas pera propagar crimes, essas empresas simplesmente lavam as mãos e culpabilizam o usuário que está por trás da ação.

Desde a popularização da Web, a partir dos anos 1990, as próprias empresas atuaram para se autorregular. A primeira regra visava a proteção às crianças. Um tema pacificado, diante do qual todos concordam.

No entanto, o desenvolvimento da internet deu cada vez mais poder aos usuários, para que publiquem conteúdos. As empresas, globalizadas, criaram então uma espécie de multiverso, que não segue as regras domésticas dos países. É um limbo jurídico.

REDUZIR O PODER – A Europa foi uma das primeiras a se manifestar no ocidente, para tentar reduzir o poder das big techs, em favor das pessoas. Foi no velho continente que aprovaram, por exemplo, a chamada “lei do esquecimento”, que permite a alguém exigir dos sistemas de busca, como Google e Bing, que apaguem informações, caso a pessoa considere algum conteúdo prejudicial à sua imagem.

Mas pouco se avançou nessa linha. A ONU, por meio do Fórum de Governança de Internet, há décadas promove debates sobre o assunto, sem conseguir uma solução. São debates democráticos e amplos, que englobam todos os envolvidos no tema. No entanto, as big techs sempre atuam para boicotar qualquer tipo de ação mais contundente.

Se uma deep fake, que consegue manipular a imagem e voz de alguém, for espalhada nas redes, o usuário afetado entra em um labirinto legal, onde não há uma saída clara. As empresas vão se apressar em dizer que a culpa é de quem divulgou a informação falsa, mas dificultam a identificação da pessoa.

AUTOPROTEÇÃO – O fato das redes agregarem e difundirem conteúdos classificados como crime não entra na equação. Quando alguém tenta legislar sobre essa zona escura em termos jurídicos, as empresas gritam que se trata de algo que fere a liberdade de expressão, misturando o conceito de crime com liberdade.

Não pode ser visto como liberdade difamar alguém, assediar, espalhar conteúdo que seja contrário às leis de cada país. Basta utilizar o sistema de busca do X para observar apologia a vários crimes, anúncio de venda de drogas, estímulo ao suicídio e à automutilação, etc.

Ao se focar na política, Elon Musk engana a direita. Faz com que conservadores fechem os olhos para a premente necessidade de se regular algo onde muitos crimes ficam impunes.

POLÍTICA INTERNA – Se há abusos por parte do Supremo, é uma questão política interna do Brasil, que deve ser resolvida pelos meios disponibilizados pelo Estado de Direito brasileiro. Uma empresa fazer juízo de valor sobre decisões da Suprema Corte de um país é uma agressão à soberania nacional.

Essas grandes empresas de tecnologia não têm qualquer aptidão à defesa da liberdade e operam esse discurso de uma forma paradoxal. Elas computam dados de bilhões de usuários e capitalizam essas informações. Sabem gostos, hábitos e até mesmo os locais que uma pessoa frequenta.

Ao se envolver com a política, exibem uma face perversa de um mundo que controlam, e buscam subjugar os países aos seus interesses econômicos.

MENOS PASSIONAL – Esse episódio envolvendo o X e o ministro Alexandre de Moraes deveria ser visto de uma forma menos passional e mais racional. Se hoje as redes buscam blindar o debate sobre a regulação da internet, se alinhando mais à direita, nada impede que no futuro mudem de lado e se alinhem à esquerda, de acordo com seus interesses comerciais. Se ilude quem acha que essas empresas têm um lado ideológico.

É ilusão também achar que o que está em curso é a defesa da liberdade. A cada dia que passa sem que os países discutam como tornar claras as regras que envolvem o mundo online, mais poder as big techs ganham para controlar a vida de todos.

Fala-se muito no Marco Civil da Internet, que entrou em vigor em junho de 2014, mas que possui inúmeras lacunas e não versa sobre os reais problemas que hoje se colocam no ambiente virtual.

DATACENTERS – A proposta original do Marco Civil previa, por exemplo, que os dados dos brasileiros fossem armazenados em servidores do País. Isso obrigaria as empresas de tecnologia a construir data centers no Brasil. Essa proposição, no entanto, foi derrubada, permitindo, então, que as informações sobre os brasileiros naveguem em computadores de outros países, cujas regras não seguem a legislação local.

Se hoje Alexandre de Moraes está sendo visto como ditatorial pelos conservadores, cabe lembrar que as ações do STF ocorrem justamente devido à omissão do Legislativo. Se houvesse regras claras, debatidas com a sociedade, por intermédio do parlamento, seria bom para todos.

Mas para Elon Musk e seus pares o que interessa é realmente o tumulto. Uma estratégia de ação antiga e caricata, mas extremamente funcional para manter interesses. Algo que foi inocentemente absorvido por um dos espectros políticos do Brasil, que brada pela liberdade, só que esquece de discutir questões referentes à segurança, privacidade, direitos individuais e soberania. A única liberdade que se coloca nesse caso á a das empresas fazerem o que querem e continuarem a captar dados de todos, sem serem devidamente importunadas.

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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOGExcelente artigo, realmente esclarecedor. Quanto a Elon Musk, acredito que ele esteja agindo mais por impulso do que inspirado num plano de aumentar o faturamento com vendas de conexão privada, tipo VPN, para bolsonaristas, com uma rede imune a bloqueios. Acho que o sucesso excessivo mexeu demais com a cabeça dele. Se colocarmos Musk num debate aberto com Lula e Bolsonaro, vão brotar bobagens de todos os tipos. Será o maior espetáculo da Terra, com royalties para o genial cineasta Cecil B. DeMille. (C.N.)

12 thoughts on “Ao se envolver na política brasileira, Musk tentaria dar um golpe de mestre

  1. Sr. Newton

    Tudo para salvar a bandidocracia, ops, errei, a democracia….

    Bolsonaro tem encontro com irmão de Gilmar Mendes e apoia sua candidatura a prefeito
    Ex-presidente busca fazer gesto a decano do STF..

    Lembranças.: Relator Gilmar Mendes.

    Ricardo Lewandowski e Kassio Nunes Marques seguiram o voto do relator Gilmar Mendes e rejeitaram, nesta terça-feira (30), o pedido do Ministério Público para retirada do foro privilegiado do senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) no julgamento das “rachadinhas”.

    Depois dessa, meu nome é Fui e meu sobrenome é Tchau,

    :0)

  2. Ameaça à soberania nacional? Pronto, corram, chamem o poder moderador!
    Misericórdia.
    Nobre articulista deve estar procurando emprego na grobo.

  3. Dirijam seu insultos à PGR, adevogados, cúmplices, ovelhas, asnos e similares:

    PGR não vê motivos para prender Jair Bolsonaro | LINHA DE FRENTE

    O procurador-geral da República, Dr. Paulo Gonet Branco, entendeu que a ida de Jair Bolsonaro à embaixada da Hungria em Brasília não pode ser configurada como uma tentativa de pedir asilo político ao governo do país europeu. O parecer enviado ao Supremo Tribunal Federal é contrário a novas sanções ao ex-presidente. Além disso, a PGR argumentou que Bolsonaro não descumpriu nenhuma medida cautelar imposta a ele, como a de não manter contato com outros investigados.

  4. Musk é o bandido camuflado de direita.
    Se é assim a esquerda deveria aplaudi-lo.
    Então a esquerda também está camuflada?
    Temos assim toda espécie de camaleões enganando a todos o tempo todo.
    E tome narrativa.
    $talinacio disse que faria o diabo, está fazendo agora, falando em Deus.
    Fazer o Diabo falando em Deus deve ser o supra sumo do paradoxo devocional.
    Marx falou que Deus era o ópio do povo, lá veio Nietsche e disse que Deus estava morto. Agora temos que Loola ressuscitou Deus.
    Hehehheheh pelas barbas do profeta!

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