Igualdade perante a lei e liberdade de expressão serão derrotadas pelo Supremo

Charge do Zé Dassilva (NSC Total)

Demétrio Magnoli
Folha

A igualdade perante a lei e a liberdade de expressão enfrentam julgamento no STF. Há fortes sinais de que os dois princípios constitucionais serão derrotados. O caso específico é a arguição de descumprimento de preceito fundamental para derrubar o artigo 141, inciso II, do Código Penal, que determina aumento de pena para culpados de crime contra a honra de servidor público.

Na sessão inicial, o relator Luís Roberto Barroso votou pela derrubada parcial, mas foi seguido apenas por André Mendonça. Flávio Dino abriu divergência, sendo acompanhado por Cristiano Zanin, Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes.

CASO DE SERVIDOR – Segundo Barroso, “funcionários públicos devem tolerar um maior nível de exposição, escrutínio social e críticas, ainda que injustas”. Só excetuou a calúnia, tipo penal que, por admitir a exceção da verdade, protege a crítica legítima da criminalização. Seu argumento, razoável, é que a calúnia pode ameaçar a atuação institucional do agente público.

“Chamar um servidor de louco ou incompetente pode ser injusto, mas não justifica uma pena maior só por ele ser servidor”, adicionou Mendonça, enfatizando o óbvio. Não convenceu seus pares, pois a casta exige o privilégio de casta.

Dino e Zanin saíram em defesa da lógica da casta: a desigualdade perante a lei. O bem protegido pelo aumento de pena, disseram, não é o servidor, mas a “dignidade da função pública”.

MUITOS REIZINHOS – No fundo, afirmaram que o servidor personifica o próprio Estado, o que sugere uma pretensão de substituir a República por uma monarquia coletiva, na qual cada agente estatal seria um reizinho.

Na monarquia o trono é sagrado, pois representa o Estado. O monarca, que não é eleito e reina pela vida inteira, teria dois corpos: o físico (“natural”) e o político (“espiritual”). O segundo corpo é o trono vivo, o que justifica sua elevação ao plano dos objetos intocáveis.

Os ministros do STF que operam como sentinelas do artigo 141, inciso II, invocam a teologia política medieval para preservar privilégios da casta de políticos, desembargadores e burocratas brasileiros.

DISSE XANDÃO – Alexandre de Moraes, o juiz que arrogou-se às atribuições da extinta Divisão de Censura de Diversões Públicas da ditadura, apontou uma “leniência” na punição como causa das ofensas sofridas por funcionários públicos nas redes sociais.

Flávio Dino, juiz nos dias pares e político nos ímpares, esclareceu tratar-se de uma questão tanto corporativa quanto pessoal:

“Eu não admito que ninguém me chame de ladrão. Porque esta tese da moral flexível que inventaram é a tese que desmoraliza o Estado”. Cortem a cabeça dos bolsonaristas que pregam em Lula a alcunha de ladrão –e dos petistas que qualificam Bolsonaro como genocida.

CHAMAR DE LADRÃO – Um pinga-fogo entre Mendonça e Dino iluminou a divergência. “Chamar de ladrão é uma opinião, não um fato específico”, esclareceu o primeiro. “E ministro do Supremo, pode?”, indagou o segundo, ouvindo a resposta democrática do mais conservador entre os magistrados: “Eu não sou distinto dos demais”.

Dino replicou, imaginando desferir a estocada definitiva: “Se um advogado subir nesta tribuna e disser que Vossa Excelência é ladrão eu ficarei curioso para ver a reação”. A tréplica: “Irá responder por desacato ou crime na mesma pena que qualquer cidadão”.

Qualquer cidadão? A casta não reconhece tal figura jurídica.

2 thoughts on “Igualdade perante a lei e liberdade de expressão serão derrotadas pelo Supremo

  1. “Quando encontrares uma víbora em teu caminho, mata-a imediatamente. Se apenas cogitares, pagarás mais tarde pela hesitação ou por não ter tentado”
    Wildson Villar

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