Confiante numa vitória em 2026, Lula prejudica a governabilidade

Lula parece disposto a testar cacife recém-adquirido

Críticas de Lula ao Congresso comprometem seu governo

William Waack
Estadão

Lula parece ter afastado de si qualquer preocupação sobre como vai governar, se ganhar a próxima eleição. Que ele acha que já levou. A soberba é um pecado grave também na política, mas esse problema é só dele.

O problema para o resto do País é avaliar em que medida as táticas político-eleitorais para permanecer no poder, ganhando a eleição, ofendem um princípio milenar da estratégia. Princípio que consiste em não destruir aquilo que se quer conquistar e manter.

JOGANDO CONTRA – Lula tem atuado contra a sua própria governabilidade em duas direções, cujos sinais de convergência são gritantes hoje mesmo. O primeiro é a armadilha fiscal pela qual garante que gastos vão subir sempre mais que as receitas.

Sim, é sempre possível fazer depois das eleições o que se garantia antes que jamais seria feito. Dilma provocou uma formidável recessão por executar o ideário lulopetista, e achou que um “cavalo de pau” após a vitória em 2014 passaria em branco. Foi um dos fatores que lhe custaram a cabeça dois anos depois.

A segunda direção na qual Lula atua para complicar a própria vida é declarar como “inimigo do povo” o Congresso do qual dependerá para fazer qualquer coisa.

EXISTE RISCO – Se no dia de hoje os especialistas em pesquisas de opinião e as agências de risco atestam uma forte competitividade de Lula frente a possíveis adversários, por outro lado ninguém assume um Congresso mais, digamos, “benigno” ao presidente após 2026. Ao contrário.

Lula tem subestimado o grau de resistência social a ele e ao PT, um tipo de fenômeno de grande abrangência que o apelo das tradicionais políticas assistencialistas e bondades por parte do governo não tem sido capaz de superar.

Essa resistência está associada a fatores estruturais de longo prazo – o que explica o motivo de Lula ser visto por uma maioria do público como alguém com prazo de validade esgotado.

PONTO CRUCIAL – Os fatores geopolíticos notoriamente fogem ao controle de Lula, mas ele não enxergou ou falhou num ponto crucial para o País: evitar que fosse feita por nós uma escolha de Sofia. E ela está sendo feita, em favor da China, no confronto gigantesco com os Estados Unidos. A turbulência nesse sentido será pra lá de severa para qualquer governo brasileiro, especialmente um eventual quarto governo Lula.

Uma parte relevante do que se poderia chamar de “elite” em vários segmentos da economia brasileira está acabrunhada diante de três cenários hostis imediatos: o da geopolítica, o das contas públicas e o do desequilíbrio institucional, que Lula pensa poder controlar via aliança com o STF.

A sensação é a de capitães à deriva, ouvindo o mar batendo nas pedras.

3 thoughts on “Confiante numa vitória em 2026, Lula prejudica a governabilidade

  1. Congresso inimigo do povo e dos serviços públicos!

    Sob a capa de combate aos supersalários e privilégios, reforma administrativa traz retirada de direitos, precarização e terceirização

    Movimentos sindicais e sociais convocam para Marcha em Brasília, em 29/10

    A reforma administrativa caminha a passos largos na Câmara dos Deputados neste segundo semestre, colocada como prioridade pelo presidente da casa, o deputado Hugo Motta (Republicanos-PB). Ele criou um grupo de trabalho (GT), coordenado pelo deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), com a relatoria do deputado Zé Trovão (PL-SC) e composto por 18 membros.

    O GT realizou algumas audiências públicas, ouviu convidados de várias entidades, quase todas patronais, e fez muitas reuniões fechadas, sem a presença de parte dos seus membros. No dia 2/10, após 45 dias de instalação, divulgou oficialmente seu relatório, com quase 500 páginas, dividido em: uma proposta de emenda constitucional (PEC), um projeto de lei complementar (PLP) e um projeto de lei (PL).

    Trata-se de um conjunto de propostas majoritariamente voltadas a enfraquecer carreiras, arrochar salários, reduzir direitos e facilitar a terceirização. “Sob o discurso de modernização do Estado brasileiro, de mais eficiência dos serviços públicos e do fim dos privilégios, sintetizam o maior ataque já visto contra os serviços públicos do Brasil”, denuncia o Fórum das Entidades Nacionais dos Servidores Públicos Federais (Fonasefe).

    Integrantes do governo e parte dos deputados que participaram do GT não assinaram o relatório final. Além do coordenador e do relator, o texto traz a assinatura de apenas outros quatro deputados: Fausto Santos Jr. (União Brasil-AM), Marcel van Hattem (Novo-RS), Neto Carletto (Avante-BA) e Júlio Lopes (PP-RJ). Segundo reportagem do jornal Folha de SP, de 6/10/2025, os membros divergentes ressaltam que só tiveram acesso à íntegra da proposta do GT após a divulgação pública e que estão preparando um texto para apontar as divergências.

    Para impulsionar a reação do funcionalismo e levar o debate à sociedade, servidoras e servidores públicos de todo o país estão sendo chamados para grande ato de protesto em Brasília, no dia 29 de outubro. A ‘Marcha Nacional do Serviço Público contra a Reforma Administrativa’ está sendo organizada pelas centrais sindicais, confederações e federações, sindicatos e movimentos sociais ligados à defesa dos serviços públicos.

    Os três eixos do relatório do GT

    Análise feita pelo Fonasefe resume as propostas do GT desta forma:

    1) Eixo constitucional (PEC da ‘Reforma’): ataques às carreiras e aos salários

    – A PEC cria a ‘gestão por resultados’, com bônus anual atrelado a metas e avaliação de desempenho, com teto individual de até 4 remunerações para cargos considerados ‘estratégicos’, somente para pessoal da ativa, fora do teto remuneratório. A política do bônus tende a substituir os reajustes salariais lineares.
    – Proíbe adicionais exclusivamente por tempo de serviço (quinquênio, sexta-parte etc.), licença-prêmio, conversão em pecúnia de férias/licenças não gozadas. Condiciona adicionais de insalubridade/periculosidade à prova pericial de habitualidade e permanência.
    – As carreiras terão ao menos 20 níveis, com interstício mínimo anual, e salário inicial até 50% do topo. Cada ente (União, estados, municípios) deve instituir tabela remuneratória única como referência para todas as carreiras.

    2) Eixo de lei complementar (PLP da ‘Responsabilidade por Resultados’): ataques ao orçamento dos serviços públicos e à estabilidade dos servidores

    – O PLP regulamenta o arranjo do ‘Planejamento Estratégico de Resultados’, no qual se inclui o bônus citado no Eixo 1.
    – Institui o SINAP (Sistema Nacional de Avaliação de Políticas Públicas), responsável por condicionar a disponibilidade orçamentária para os órgãos da administração pública de acordo com as metas estabelecidas nos programas de avaliação.
    – Define a avaliação de desempenho como instrumento indispensável para progressão/promoção e bônus e abre espaço (via lei específica de cada ente) para a perda do cargo por avaliação periódica.

    3) Eixo de lei ordinária (PL do ‘Marco Legal da Administração Pública’): ataques aos concursos públicos e generalização da precariedade

    – Cria um PGD (Programa de Gestão e Desempenho), aplicável ao trabalho (presencial ou online), ancorado em indicadores e metas. No caso do teletrabalho, que será no máximo 20% do total, o servidor arca com toda a infraestrutura; veda residir fora do munícipio de lotação.
    – Antes de abrir concursos, o ente deve demonstrar alternativas de realocação, digitalização e intensificação da execução indireta (terceirizações). Cria a possibilidade de contratação por tempo determinado de até 5 anos, o que fragiliza o vínculo, gerando instabilidade e insegurança para os trabalhadores;
    – Estrutura as carreiras do serviço público sob a lógica da “meritocracia obrigatória”, vedando progressão exclusivamente por tempo, fixando 20 níveis mínimos até o topo e limites à remuneração inicial (até 50% do salário do topo).
    – Em até 10 anos, todos os entes estabelecerão tabela remuneratória única, favorecendo o achatamento salarial.

    Velhas ideias, novos ataques

    O desejo de promover uma ampla reforma administrativa no país não é de hoje. Em 2020, em plena pandemia, o governo Bolsonaro patrocinou o envio ao Congresso Nacional da PEC 32, um conjunto de medidas para enxugar o Estado, cortar direitos do funcionalismo e precarizar os serviços públicos prestados à população por meio de terceirizações e privatizações generalizadas. A reação dos movimentos sindicais e sociais conseguiu engavetar a proposta. Desde então, poderosos setores empresariais vêm pressionando explicitamente o Congresso para retomar a reforma administrativa.

    Os mesmos argumentos usados em 2020 repetem-se agora: a reforma visa a modernizar o serviço público, coibir o excesso de servidores, combater os privilégios (os exemplos mais citados são as férias de 60 dias e a aposentadoria como punição aos magistrados) e os supersalários. Mas a realidade é outra.

    Segundo levantamento feito pelo Fonasefe, o número de funcionários públicos no Brasil é de 11 milhões (12,4% da força de trabalho). Estamos abaixo de países como a França (20,28%), Dinamarca (30,34%), Suécia (24,99%), Argentina (19,31%), Uruguai (16,92%) e Chile (13,10%).

    Cerca de 70% dos servidores recebem até R$ 5 mil; menos de 1% ganha acima de R$ 27 mil; os chamados supersalários (acima do teto) correspondem a 0,3% dos servidores. As férias de 60 dias – uma das citações mais recorrentes entre os defensores da reforma – é prevista apenas para juízes e promotores, uma parcela ínfima do funcionalismo. A gigantesca maioria tem 30 dias de férias.

    Reagir, lutar e impedir retrocessos

    A ‘Marcha Nacional do Serviço Público contra a Reforma Administrativa’, em 29/10, é o pontapé inicial para uma grande reação do funcionalismo na defesa dos direitos e da valorização do serviço público no Brasil. Novas atividades virão. A mobilização – não só dos servidores públicos, mas do conjunto da classe trabalhadora – é essencial para impedir estes ataques.

    Resumo das maldades

    1) Corta direitos históricos (adicionais por tempo de serviço, licença-prêmio e outras licenças) e endurece adicionais de risco por perícia restritiva.

    2) Troca reajuste estrutural por bônus volátil, concentrado em cargos “estratégicos”, fora do teto e não incorporável, acentuando desigualdades.

    3) Ameaça a estabilidade funcional por ampliar o uso de avaliação para perda do cargo, abrindo espaço para a interferência de interesses políticos e privados na administração pública.

    4) Achata carreiras via tabela remuneratória única. As carreiras terão no mínimo 20 níveis e o salário inicial limitado a 50% da remuneração final.

    5) Amplia a precarização nas condições de teletrabalho, que será integralmente custeado pelo servidor, com sua simultânea generalização, com 80% presencial e vedações de residência, atingindo desproporcionalmente mulheres e responsáveis por cuidados.

    6) Favorece a terceirização estrutural ao exigir avaliar “execução indireta” antes de repor servidores, e estreita a porta dos concursos. Prevê contratações temporárias de até 5 anos.

    7) Centraliza diretrizes remuneratórias, reduzindo espaço para negociação setorial e autonomia.

    8) Impõe lógica de mercado: avaliações centradas em produtividade podem distorcer finalidades públicas, penalizando áreas como saúde e educação.

    Fórum das Entidades Nacionais dos Servidores Públicos Federais

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