
Conselho tornou-se um cenário de blindagem institucional
Marcelo Copelli
Revista Fórum
O arquivamento do processo por quebra de decoro contra o deputado Eduardo Bolsonaro, decidido por 11 votos a 7 no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, não é um simples episódio burocrático — é o retrato de um Parlamento que perdeu o senso de responsabilidade institucional.
Sob o disfarce da legalidade e do discurso da “liberdade de expressão parlamentar”, o que se viu foi a consolidação da impunidade como método de sobrevivência política. O Conselho, criado para resguardar a integridade da Casa, transformou-se num escudo seletivo, regido por conveniências partidárias e cálculos de poder. A decisão não é apenas controversa; é sintomática de um Legislativo que normalizou a indulgência.
ARQUIVAMENTOS – Nos últimos cinco anos, quase três quartos das representações apresentadas ao Conselho foram arquivadas sem qualquer punição. A estatística é brutal: a “ética” virou palavra decorativa num cenário em que a autovigilância parlamentar foi substituída por acordos de bastidores e lealdades circunstanciais. O caso de Eduardo Bolsonaro é apenas mais um exemplo de uma cultura política que confunde solidariedade corporativa com proteção institucional.
A acusação — baseada em manifestações públicas que afrontam o regime democrático e ferem o decoro do cargo — foi tratada como simples divergência de opinião. O relator, deputado Marcelo Freitas (União Brasil–MG), invocou a imunidade parlamentar como álibi, reduzindo a responsabilidade política a um artifício retórico. Sob essa lógica, qualquer discurso, por mais antidemocrático ou incendiário que seja, é reclassificado como “opinião legítima”. É um argumento que distorce o espírito da Constituição e banaliza o dever público, confundindo imunidade com impunidade.
A gravidade se acentua quando se observa o contexto político do julgamento. O Conselho de Ética — espelho da correlação de forças do Congresso — tem se comportado como instrumento de proteção da maioria, e não como instância autônoma de controle.
RESULTADO SELADO – O voto em bloco da base bolsonarista selou o resultado, transformando o que deveria ser um julgamento ético em uma encenação partidária. Quando as decisões deixam de traduzir princípios e passam a servir a alinhamentos, o Parlamento abdica de sua função republicana.
O relator, com vínculos políticos notórios com o bolsonarismo, ignorou o peso das declarações de Eduardo, que condicionaram a realização das próximas eleições a uma eventual anistia a Jair Bolsonaro — uma ameaça disfarçada de opinião.
Seu parecer não analisou o contexto, tampouco o impacto das palavras sobre a estabilidade institucional. Faltou rigor jurídico, sobrou conveniência política. E o Conselho, ao aceitar esse relatório sem contestar sua parcialidade, legitimou a manipulação do próprio sentido de “ética”.
RESPONSABILIDADE – O efeito prático foi a transferência silenciosa da responsabilidade. Ao arquivar o caso, a Câmara empurrou para o Supremo Tribunal Federal o papel de fiscalizar o comportamento de seus próprios membros — uma confissão de impotência institucional. Essa terceirização moral corrói a separação dos Poderes e transforma o Legislativo em espectador de sua própria degradação. O Parlamento, que deveria ser guardião da ética política, converte-se em refúgio da autoproteção. E, ao fazê-lo, reforça a percepção de que a lei é flexível para quem detém poder.
Mas o impacto dessa leniência ultrapassa os muros do Congresso. Cada vez que um parlamentar é poupado em nome de alianças, a democracia perde um pedaço de sua credibilidade. O cidadão comum, que já observa a política com desconfiança, encontra mais um motivo para desacreditar no sistema representativo. O discurso da impunidade — “todos são iguais perante a lei, menos os poderosos” — ganha corpo e enfraquece a fé pública nas instituições. Essa corrosão silenciosa da confiança é o combustível da radicalização, do niilismo político e do descrédito generalizado.
O arquivamento do processo contra Eduardo Bolsonaro não é um deslize isolado, mas um capítulo de uma narrativa mais ampla: a decadência moral de um sistema que trata privilégios como prerrogativas. O Conselho de Ética, pensado como mecanismo de autorregulação, tornou-se um cenário de blindagem institucional. Casos de corrupção, incitação ao ódio e desrespeito às instituições têm sido arquivados sistematicamente, sob o manto de uma solidariedade corporativa que garante impunidade mútua.
CÁLCULO ELEITORAL – Essa permissividade é expressão da degradação dos valores que sustentam a vida pública. O cálculo eleitoral substituiu a coerência institucional. E o custo é coletivo: cada ato de omissão amplia a distância entre representantes e eleitores, naturalizando a ideia de que o Congresso existe para proteger os seus, não para servir ao país.
O episódio expõe o vazio moral de uma estrutura que já não se envergonha de proteger o indefensável. O Conselho de Ética não é hoje o tribunal da consciência parlamentar — é o palco onde a ética é dramatizada para logo ser esquecida. A Câmara, mais uma vez, preferiu o conforto do silêncio à coragem da retidão.
TRANSPARÊNCIA – Reverter esse quadro exigirá autocrítica e transparência. O Parlamento precisa revisitar seus próprios mecanismos, garantir independência real aos relatores, publicar votos nominais e enfrentar o corporativismo que o paralisa. Sem isso, o Conselho continuará sendo apenas um teatro de absolvições anunciado.
Em vez de reafirmar a integridade, reafirmou-se a conivência. A democracia brasileira, já exaurida por crises de legitimidade e discursos de ódio, saiu, mais uma vez, menor. E o recado que fica é claro: enquanto a ética for tratada como adereço e a responsabilidade como escolha, o Parlamento continuará refém de sua própria covardia — e o Brasil, prisioneiro de um poder que absolve a si mesmo.
“Conselho tornou-se um cenário de blindagem institucional”
Tanto quanto quem mais?
Ajude-nos a lembrar!
O autor desconhece o artigo 53 da CR/88.
Ricardo Boecha, nos dizia que o Brasil é governado por quadrilhas institucionalizadas.
Ou instituições quadrilhalizadas.
Santo Ricardo Boechat.
E Malafaia segue vendendo o Céu e politicagando na Terra.