Falta uma folha de parreira para cobrir o olhar sensual da amada do poeta 

Uma discreta folha de parreira, para cobrir o olhar da amada do poeta Artur  Azevedo - Flávio Chaves

Artur Azevedo, grande poeta maranhense

Paulo Peres
Poemas & Canções

O dramaturgo, jornalista, contista e poeta maranhense Artur Nabantino Gonçalves de Azevedo (1855-1908) sustenta que “Por Decoro”, os olhos do seu amor, quando expostos publicamente, deveriam estar cobertos por uma discreta folha de parreira.

POR DECORO
Artur Azevedo

Quando me esperas, palpitando amores,
e os lábios grossos e úmidos me estendes,
e do teu corpo cálido desprendes
desconhecido olor de estranhas flores;

quando, toda suspiros e fervores,
nesta prisão de músculos te prendes,
e aos meus beijos de sátiro te rendes,
furtando às rosas as purpúreas cores;

os olhos teus, inexpressivamente,
entrefechados, lânguidos, tranquilos,
olham, meu doce amor, de tal maneira,

que, se olhassem assim, publicamente,
deveria, perdoa-me, cobri-los
uma discreta folha de parreira.

No Dia Nacional do Samba, lembremos Donga e a histórica gravação de “Pelo Telefone”

The First Samba | Rio Then

Três bambas: Pixinguinga, João da Baiana e Donga

Paulo Peres
Poemas & Canções

Hoje é comemorado o Dia Nacional do Samba e, neste sentido, não poderíamos esquecer do músico e compositor carioca Ernesto Joaquim Maria dos Santos, conhecido como Donga (1890-1974) que é lembrado pela gravação de “Pelo Telefone”, em 1917, considerado o primeiro samba gravado na história. Foi composto na casa da Tia Ciata, famosa na época por reunir os maiores e melhores músicos populares da época, onde frequentavam, além de Donga e Mauro de Almeida, também João da Baiana, Caninha, Sinhô e Pixinguinha, entre outros.

“Pelo Telefone” tem uma estrutura ingênua e desordenada: a introdução instrumental é repetida entre algumas de suas partes (um expediente muito usado na época) e cada uma delas tem melodias e refrões diferentes, dando a impressão de que a composição foi sendo feita aos pedaços, com a junção de melodias escolhidas ao acaso ou recolhidas de cantos folclóricos. Este samba sintetiza aspectos da vida e da boemia no Rio de Janeiro nas primeiras décadas do século passado.

PELO TELEFONE
Mauro de Almeida e Donga

O chefe de Polícia pelo telefone,
Mandou me avisar,
Que na Carioca tem uma roleta
Para se Jogar.

Ai, ai, ai, deixa as mágoas para trás, o rapaz,
Ai, ai, ai, fica triste se és capaz e verás.

Tomara que tu apanhes
Pra nunca mais fazer isso,
Roubar o amor dos outros
E depois fazer feitiço.

Olha a rolinha, sinhô, sinhô,
Se embaraçou, sinhô, sinhô,
Caiu no laço, sinhô, sinhô,
Do nosso amor, sinhô, sinhô,
Parte deste samba, sinhô, sinhô,
É de arrepiar, sinhô, sinhô,
Põe perna bamba, sinhô, sinhô,
Mas faz gozar.

O peru me disse,
Se você dormisse, não fazer tolice,
Que eu não saísse, dessa esquisitice,
Do disse me disse.

Queres ou não, sinhô, sinhô,
Ir pro cordão, sinhô, sinhô,
Ser folião, sinhô, sinhô,
De coração, sinhô, sinhô,
Porque este samba, sinhô, sinhô,
É de arrepiar, sinhô, sinhô,
Põe perna bamba, sinhô, sinhô,
Mas faz gozar.

Sob pele de ovelha, Ariano Suassuna vira um leão para enfrentar a morte

Eu digo sempre que das três virtudes... Ariano Suassuna - PensadorPaulo Peres
Poemas & Canções

O dramaturgo, romancista e poeta paraibano Ariano Vilar Suassuna (1927-2014), no poema “Abertura Sob Pela de Ovelha”, mostra a luta eterna do homem contra o envelhecimento e a morte.

ABERTURA SOB PELE DE OVELHA
Ariano Suassuna

Falso Profeta, insone, Extraviado,
Vivo, Cego, a sondar o Indecifrável:
e, jaguar da Sibila – inevitável,
meu Sangue traça a rota desse Fado.

Eu, forçado a ascender, eu, Mutilado,
busco a Estrela que chama, inapelável.
E a pulsação do Ser, fera indomável,
arde ao Sol do meu Pasto – incendiado.

Por sobre a Dor, Sarça do Espinheiro
que acende o estranho Sol, sangue do ser,
transforma o sangue em Candelabro e Veiro.

Por isso, não vou nunca envelhecer:
com meu Cantar, supero o Desespero,
sou contra a Morte e nunca hei de morrer. 

Poeticamente, o Brasil precisa de uma política que busque a simplicidade

Estudo Literaturas - Antonio Carlos Rocha

A simpliicidade é o caminho, diz Rocha

Paulo Peres
Poemas & Canções

O professor, escritor e poeta carioca Antonio Carlos Rocha, Doutor e Mestre em Ciência da Literatura, escreveu o poema “Uma Política de Simplicidade” como contraponto ao livro “Uma Política de Bondade”, escrito pelo Dalai Lama em publicado em Portugal, pela Editorial Estampa, 1991. O poema de Antonio Rocha é uma lição de vida e se adapta com perfeição à conjuntura atual da política brasileira.

UMA POLÍTICA DE SIMPLICIDADE
Antonio Rocha

Precisamos de políticos
Que sejam simples
E tenham simplicidade
E façam caridade.

Queremos parlamentares
Que não pensem em si,
Nem no partido
Nem se preocupem
Com o próprio
Conforto.

Queremos pessoas públicas
Homens e mulheres
Abnegados, abnegadas
Determinados, dedicadas
Ao estrito bem comum.

Se tiverem carro
Que seja uma só unidade.
Simples.
Que seja só um carrinho
Sem muito luxo.

Se tiverem casa,
Ou ganharem uma,
Que seja uma só, uma só
Nada de ostentação.
Uma casinha de campo, pode
Um sitiozinho simples, pode
Uma fazendinha pode
Tudo bem simplinho.

Queremos que o
Fundo Partidário
Seja transformado
Em Fundo Operário
E cada trabalhador
Receba o 14º salário
No dia do seu
Aniversário.
E o excedente
Vá para a Saúde
Para a Educação.

Queremos presidentes,
Governadores, ministros,
Secretários, vereadores,
Prefeitos, deputados,
Senadores
Sem auxílio-paletó
E sem nenhum auxílio.

Vistam-se e calcem
De forma simples.

Mas o que é ser simples?
É quando todos, todas
Têm o suficiente
Para viver feliz e
A felicidade é
Compartilhada
Igualitariamente.

A força de anseios e dores que atingem o poeta, em suas inquietudes cotidianas

Vicente Limongi Netto – JP Revistas

Limongi é jornalista e poeta

Paulo Peres
Poemas & Canções

O jornalista e poeta amazonense Vicente Limongi Netto, radicado há anos em Brasília, em poucas linhas expõe poeticamente a larga dimensão das “inquietudes” cotidianas.

INQUIETUDES
Vicente Limongi Netto

A dor dentro
dos anseios permanece
despeja ruídos que
perdoam e libertam
perturba instintos inquietos
bocas aflitas por ilusões
lutando por almas desamparadas

Um poema para decifrar o dilema existencial que confunde a todos nós

Antonio Cícero, grande poeta e compositor

Paulo Peres
Poemas & Canções

O filósofo, escritor, compositor e poeta carioca Antonio Cícero Correa de Lima, membro da Academia Brasileira de Letras, reconhece, neste poema, o “Dilema” existencial que confunde a todos.

DILEMA
Antonio Cícero

O que muito me confunde
é que no fundo de mim estou eu
e no fundo de mim estou eu.

No fundo
sei que não sou sem fim
e sou feito de um mundo imenso
imenso num universo
que não é feito de mim.

Mas mesmo isso é controverso
se nos versos de um poema
perverso sai o reverso.

Disperso num tal dilema
o certo é reconhecer:
no fundo de mim
sou sem fundo.

Chove nos telhados, lavando a cidade, e chove na minha alma a chuva do teu olhar

Ana Cristina Cesar: homenageada da Flip | Dante FilhoPaulo Peres
Poemas & Canções

A professora, tradutora e poeta carioca Ana Cristina Cruz Cesar (1952-1983) é considerada um dos principais nomes da geração mimeógrafo (ou poesia marginal) da década de 1970. O poema “Chove” descreve uma certa tarde, quando a chuva caía e também choviam no coração da poeta os olhares que a seguiram.

CHOVE
Ana Cristina Cesar

A chuva cai.
Os telhados estão molhados,
Os pingos escorrem pelas vidraças.
O céu está branco,
O tempo está novo.
A cidade lavada.
A tarde entardece,
Sem o ciciar das cigarras,
Sem o jubilar dos pássaros,
Sem o sol, sem o céu.

Chove.
A chuva chove molhada,
No teto dos guarda-chuvas.

Chove.
A chuva chove ligeira,
Nos nossos olhos e molha.
O vento venta ventado,
Nos vidros que se embalançam,
Nas plantas que se desdobram.

Chove nas praias desertas,
Chove no mar que está cinza,
Chove no asfalto negro,
Chove nos corações.
Chove em cada alma,
Em cada refúgio chove;
E quando me olhaste em mim,
Com os olhos que me seguiam,
Enquanto a chuva caía
No meu coração chovia
A chuva do teu olhar.

Quando a paixão é muito forte, o maior risco é ser levado pela ilusão

871 – Paulinho Pedra Azul comemora 35 anos de carreira com shows em duas  cidades do Sul de Minas Gerais* – Barulho d'Água Música (O que o Faustão  não divulga está aqui.

Paulinho com o amigo Rolando Boldrin

Paulo Peres
Poemas & Canções

O cantor, compositor e poeta mineiro Paulo Hugo Morais Sobrinho nasceu na cidade de Pedra Azul, a qual adotou como nome artístico. Em parceria com Cláudio Mourão, ele explica como entende “Os Mistérios da Paixão”. A música foi gravada pelo próprio Paulinho no CD Quarenta, em 1994, produção independente.

OS MISTÉRIOS DA PAIXÃO
Cláudio Mourão e Paulinho Pedra Azul

A paixão é um bichinho que muda de pele
Ele entra bem dentro da gente
Fica atento e não quer sair nunca mais
Revira tudo pelo avesso
E nesse mistério, me toma do carinho
Não me deixa encontrar o caminho
E eu, irado pela dor da emoção
Me perco, virando a cabeça
E vejo estrelas passando em meus olhos
E suplico ao amor mais profundo
Pra que venha me tirar da ilusão
Desse mundo
Que me afoga e me faz pequeno
Feito um grão de areia que
Saiu da terra pra ficar no tempo,
Solto na poeira

Um desesperado poema mostrando que falta tudo ao poeta, inclusive dinheiro

Feliz daquele que no livro d'alma não... Álvares de Azevedo - PensadorPaulo Peres
Poemas & Canções

O dramaturgo, ensaísta, contista e poeta paulista Manuel Antônio Álvares de Azevedo (1831-1852) foi um escritor da segunda geração romântica (Ultra-Romântica, Byroniana ou Mal-do-século). O poema “Minha desgraça” fala de alguém que apesar de ser poeta é vítima do desamor da cândida donzela devido a sua indigência que, consequentemente, acarreta solidão, indiferença e desesperança pela vida.

MINHA DESGRAÇA
Álvares de Azevedo

Minha desgraça, não, não é ser poeta,
Nem na terra de amor não ter um eco,
E meu anjo de Deus, o meu planeta
Tratar-me como trata-se um boneco….

Não é andar de cotovelos rotos,
Ter duro como pedra o travesseiro….
Eu sei…. O mundo é um lodaçal perdido
Cujo sol (quem mo dera!) é o dinheiro….

Minha desgraça, ó cândida donzela,
O que faz que o meu peito assim blasfema,
E’ ter para escrever todo um poema,
E não ter um vintém para uma vela.

“Desilusão, desilusão, danço eu, dança você na dança da solidão…”

Paulinho da Viola e Marisa Monte - Não Quero Você Assim - YouTube

Paulinho regravou a música com Marisa Monte

Paulo Peres
Poemas & Canções

O cantor e compositor carioca Paulo César Batista de Faria, o Paulinho da Viola, é tido como um dos mais talentosos representantes da MPB. A letra de “Dança da Solidão” tematiza o mergulho de uma pessoa para dentro dela própria ao perceber sua condição humana de ser sozinha, seja em seus sentidos, seja em seus pensamentos, desiludida, sem ter um escape exterior, canta a sua amargura, uma vez que a solidão possibilita uma melhor observação de tudo. Esse samba faz parte do LP A Dança da Solidão, gravado por Paulinho da Viola em 1972, pela Odeon.

DANÇA DA SOLIDÃO
Paulinho da Viola

Solidão é lava
que cobre tudo
amargura em minha boca
sorri seus dentes de chumbo
Solidão, palavra
cavada no coração
resignado e mudo
no compasso da desilusão

Desilusão, desilusão
Danço eu dança você
na dança da solidão

Carmélia ficou viúva
Joana se apaixonou
Maria tentou a morte
por causa do seu amor
Meu pai sempre me dizia
meu filho tome cuidado
quando penso no futuro
não esqueço meu passado

Desilusão, desilusão
Danço eu dança você
na dança da solidão

Quando chega a madrugada
meu pensamento vagueia
corro os dedos na viola
contemplando a lua cheia
Apesar de tudo existe
uma fonte de água pura
quem beber daquela água
não terá mais amargura

Quem dera fosse meu o poema de amor definitivo, diz Alice Ruiz

Poema Alice Ruiz - Assim que vi você | Poetisas Brasileiras | Poesia por  Mulheres | CLIQUE pra OUVIR - YouTube

Alice Ruiz, consagrada poeta de Curitiba

Paulo Peres
Poemas & Canções

A publicitária, tradutora, compositora e poeta curitibana Alice Ruiz Scherone queria que fosse seu um sonho poético que representa o poema de amor definitivo.

SONHO DO POETA
Alice Ruiz

Quem dera fosse meu
o poema de amor
definitivo.

Se amar fosse o bastante,
poder eu poderia,
pudera,
às vezes, parece ser esse
meu único destino.

Mas vem o vento e leva
as palavras que digo,
minha canção de amigo.

Um sonho de poeta
não vale o instante
vivo.

Pode que muita gente
veja no que escrevo
tudo que sente
e vibre
e chore
e ria,
como eu antigamente,
quando não sabia
que não há um verso,
amor,
que te contente.

Hoje é dia de homenagear Zumbi dos Palmares, herói da libertação dos negros

Zumbi dos Palmares, um grande herói brasileiro | Pernambuco, História &  Personagens

Zumbi dos Palmares, grande herói brasileiro

Carlos Newton

Ganga Zumba, um príncipe africano e ex-escravo fugido, se torna o líder do Quilombo de Palmares. Mais tarde, seu herdeiro e afilhado, Zumbi, contesta suas ideias conciliatórias, enfrentando o maior exército jamais visto na história brasileira.

Símbolo da luta negra contra a escravidão e pela liberdade de seu povo, Zumbi dos Palmares foi morto no dia 20 de novembro de 1695. A data de seu falecimento é lembrada nacionalmente como o Dia da Consciência Negra, um momento de reflexão sobre a relevância da população africana e seu impacto nos mais diversos campos da cultura brasileira, como política, cultura e religião, entre outras.

Neste sentido, o advogado, jornalista, analista judiciário aposentado do Tribunal de Justiça (RJ), compositor, letrista e poeta carioca Paulo Roberto Peres, fez a letra de “Atabaque”, que lembra o tempo da escravidão. A letra foi musicada por Jorge Laurindo.

ATABAQUE
Jorge Laurindo e Paulo Peres

Este bocejo da noite é banzo
Engasgando profecias na senzala
Como as mãos da África, África,
Silenciou no adeus

“Atabaqueia” atabaque distante:
Axé, agô-iê, axé com fé….

Esta força, raça, canta e luta
Como Zumbi nos Palmares lutou.
Este gemido do açoite na alma
Qual sentinela de preço vil
Moldurou o libertar futuro

Era rei virou escravo
Quão errante terra branca
Soluçou-lhe cativeiro

No fim, o que resta da poesia é apenas “um verso, um pensamento ou uma saudade”

Veredas da Língua: Alberto de Oliveira - PoemasPaulo Peres
Poemas & Canções

O farmacêutico, professor e poeta Antonio Mariano Alberto de Oliveira (1857-1937), nascido em Saquarema (RJ), no soneto “Horas Mortas” revela a satisfação que sente, após um longo dia de trabalho, por poder enfim se entregar à poesia.

HORAS MORTAS
Alberto de Oliveira

Breve momento, após comprido dia
De incômodos, de penas, de cansaço,
Inda o corpo a sentir quebrado e lasso,
Posso a ti me entregar, doce Poesia.

Desta janela aberta, à luz tardia
Do luar em cheio a clarear o espaço,
Vejo-te vir, ouço-te o leve passo
Na transparência azul da noite fria.

Chegas. O ósculo teu me vivifica.
Mas é tão tarde! Rápido flutuas, 
Tornando logo à etérea imensidade;

E na mesa em que escrevo, apenas fica
Sobre o papel – rastro das asas tuas,
Um verso, um pensamento, uma saudade.

Desejos e fantasias de um poeta que ama o que a vida tem de melhor

Affonso Romano de Sant'Anna | Impressões do Brasil | TV Brasil | Cidadania

Affonso Romano, um grande poeta

Paulo Peres
Poemas & Canções

O jornalista e poeta mineiro Affonso Romano de Sant’Anna descreve os seus “Desejos”, em que alguns versos são bastante atuais.

DESEJOS
Affonso Romano de Sant’Anna

Disto eu gostaria:
ver a queda frutífera dos pinhões sobre o gramado
e não a queda do operário dos andaimes
e o sobe-e-desce de ditadores nos palácios.

Disto eu gostaria:
ouvir minha mulher contar:
– Vi naquela árvore um pica-pau em plena ação,
e não: – Os preços do mercado estão um horror!

Disto eu gostaria:
que a filha me narrasse:
– As formigas neste inverno estão dando tempo às flores,
e não:-Me assaltaram outra vez no ônibus do colégio.

Disto eu gostaria:
que os jornais trouxessem notícias das migrações dos pássaros,
que me falassem da constelação de Andrômeda
e da muralha de galáxias que, ansiosas, viajam
a 300 km por segundo ao nosso encontro.

Disto eu gostaria:
saber a floração de cada planta,
as mais silvestres sobretudo,
e não a cotação das bolsas
nem as glórias literárias.

Ninguém fazia uma bela canção de amor, como Pixinguinha e Otávio de Souza

CEDOC FPA

Pixinguinha tinha parceiros realmente geniais

Paulo Peres
Poemas & Canções

O compositor e mecânico Otávio de Sousa, na letra de “Rosa”, em parceria com Pixinguinha, expressa o mais alto refinamento do romantismo do início do século XX. Esta valsa foi gravada por Orlando Silva, em 1937, pela RCA Victor.

ROSA
Pixinguinha e Otávio de Sousa

Tu és, divina e graciosa
Estátua majestosa do amor
Por Deus esculturada
E formada com ardor
Da alma da mais linda flor
De mais ativo olor
Que na vida é preferida pelo beija-flor
Se Deus me fora tão clemente
Aqui nesse ambiente de luz
Formada numa tela deslumbrante e bela
Teu coração junto ao meu lanceado
Pregado e crucificado sobre a rósea cruz
Do arfante peito seu

Tu és a forma ideal
Estátua magistral oh alma perenal
Do meu primeiro amor, sublime amor
Tu és de Deus a soberana flor
Tu és de Deus a criação
Que em todo coração sepultas um amor
O riso, a fé, a dor
Em sândalos olentes cheios de sabor
Em vozes tão dolentes como um sonho em flor
És láctea estrela
És mãe da realeza
És tudo enfim que tem de belo
Em todo resplendor da santa natureza

Perdão, se ouso confessar-te
Eu hei de sempre amar-te
Oh flor meu peito não resiste
Oh meu Deus o quanto é triste
A incerteza de um amor
Que mais me faz penar em esperar
Em conduzir-te um dia
Ao pé do altar
Jurar, aos pés do onipotente
Em preces comoventes de dor
E receber a unção da tua gratidão
Depois de remir meus desejos
Em nuvens de beijos
Hei de envolver-te até meu padecer
De todo fenecer

O poeta bebe demais, fica muito mal e canta a balada da irremediável tristeza

Renault  teve uma ressaca poética

Renault amargou uma ressaca poética

Paulo Peres
Poemas & Canções

O professor, tradutor, ensaísta e poeta mineiro Abgar de Castro Araújo Renault (1901-1995), da Academia Brasileira de letras, no poema “Balada da Irremediável Tristeza”, reconhece que não estava nada bem naquele dia.

BALADA DA IRREMEDIÁVEL TRISTEZA
Abgard Renault

Eu hoje estou inabitável…
Não sei por quê…
levantei com o pé esquerdo:
o meu primeiro cigarro amargou
como uma colherada de fel;
a tristeza de vários corações bem tristes
veio, sem quê, nem por quê,
encher meu coração vazio…vazio…

Eu hoje estou inabitável…
A vida está doendo…doendo…
A vida está toda atrapalhada…
estou sozinho numa estrada
fazendo a pé um raid impossível.

Ah! se eu pudesse me embebedar
e cambalear…cambalear…
cair, e acordar desta tristeza
que ninguém, ninguém sabe…
Todo mundo vai rir destes meus versos,
mas jurarei por Deus, se for preciso:
eu hoje estou inabitável… 

Uma desesperada canção de amor, na parceira de Silvio Caldas e Orestes Barbosa

Orestes, em caricatura de Nássara

Paulo Peres
Poemas & Canções

O jornalista, escritor, compositor e poeta carioca Orestes Dias Barbosa (1893-1966), em parceria com Silvio Caldas, fez uma “Serenata” para o seu amor.  Silvio Caldas gravou esta canção, em 1957, pela Columbia.

SERENATA
Silvio Caldas e Orestes Barbosa

Dorme, fecha esse olhar entardecente
Não me escute, nostálgico, a cantar
Pois não sei se feliz ou infelizmente
Não me é dado, beijando, te acordar

Dorme, deixa os meus cantos delirantes
Dorme, que eu olho o céu a contemplar
A lua que procura diamantes
Para o seu lindo sonho ornamentar

Na serpente de seda dos teus braços
Alguém dorme ditoso sem saber
Que eu vivo a padecer
E o meu coração feito em pedaços
Vai sorrindo ao teu amor
Mascarado desta dor

No teu quarto de sonho e de perfume
Onde vive, a sorrir, teu coração
Que é teatro da ilusão
Dorme, junto aos teus pés, o meu ciúme
Enjeitado e faminto como um cão    

Ritmo era o que mais desejava para seu dia-a-dia o poeta baiano Waly Salomão

Um poema-manifesto de Waly Salomão, propondo que se adote um frenesi pela vida - Flávio ChavesPaulo Peres
Poemas & Canções

O advogado e poeta baiano Waly Dias Salomão (1943-2003), no poema“Hoje”, demonstra  seu frenesi pela vida, a sua sede de celebrar o momento presente: o aqui e o agora. Logo, mesmo sem expressá-lo claramente, ele demonstra o desejo implícito de passar uma borracha no passado, de suplantá-lo, sempre cultuando o ritmo do presente.

HOJE
Waly Salomão

O que menos quero pro meu dia
polidez, boas maneiras.
Por certo,
um Professor de Etiquetas
não presenciou o ato em que fui concebido.
Quando nasci, nasci nu,
ignaro da colocação correta dos dois pontos,
do ponto e vírgula,
e, principalmente, das reticências.
(Como toda gente, aliás…)

Hoje só quero ritmo.
Ritmo no falado e no escrito.
Ritmo, veio-central da mina.
Ritmo, espinha-dorsal do corpo e da mente.
Ritmo na espiral da fala e do poema.
Não está prevista a emissão
de nenhuma “Ordem do dia”.
Está prescrito o protocolo da diplomacia.
AGITPROP – Agitação e propaganda:
Ritmo é o que mais quero pro meu dia-a-dia.
Ápice do ápice.

Alguém acha que ritmo jorra fácil,
pronto rebento do espontaneísmo?
Meu ritmo só é ritmo
quando temperado com ironia.
Respingos de modernidade tardia?
E os pingos d’água
dão saltos bruscos do cano da torneira
e passam de um ritmo regular
para uma turbulência
aleatória.

Hoje…           

Há poesia até quando o poeta olha em torno e só vislumbra o vazio

Entrevista - Vânia Diniz no MúsicaPoética em BsB ::

Vânia Diniz em recital de poesia

Paulo Peres
Poemas & Canções

A humanista, pesquisadora, escritora e poeta carioca Vânia Moreira Diniz revela sensações e segredos diante do “Vazio”.

VAZIO
Vânia Moreira Diniz

Contemplo a minha volta e nada vejo
não enxergo,
tudo parece um grande mistério e rezo,
sem entender os segredos que preservo,
e conservo,
dentro do meu coração tão vazio.
Não encontro ressonância e me distancio,
não acho a real certeza e me afasto,
não vejo a luz que direciona e me aparto,
como se nada conhecesse e me arredo.

Sinto a leveza, tento pegar e não consigo,
pressinto a bondade e me aproximo,
não alcanço a sua extensão e choro,
e procuro o ideal que já não creio.
As cores não são do extenso universo,
as dores perduram e triste lamento,
a frieza que se esconde no retiro
de ilusões em que me escondo.

Não quero sentir a saudade do encontro,
das lembranças ocultas atrás do muro,
do sonho sempre e sempre revivido
e do passado que se foi no escuro.

Só a nostalgia perene eu vislumbro,
sensação de terna loucura e vazio,
efusões sepultadas no reencontro,
coração para sempre machucado.
Ando, e me concentro,
caminho,
o passo é lento,
inseguro
e encontro o vazio.

Um poema revolucionário de Tobias Barreto, exigindo o fim da escravidão

Livro: Tobias Barreto - Paulo Dantas | Estante Virtual

Tobias Barreto, grande poeta sergipano

Paulo Peres
Poemas & Canções

O jurista, filósofo, crítico e poeta Tobias Barreto de Meneses (1839-1889), no poema “A Escravidão”, questiona a estrutura escravagista do regime monárquico, opondo-lhe a República e a Abolição.

Na primeira estrofe do poema procede a uma reflexão filosófica profunda acerca da Divindade dogmática como instituição mantenedora das desigualdades sociais e conivente com a exploração do homem pelo homem. Enquanto que, nos dois últimos versos do poema, encontramos um eu-lírico cético e questionador de todos os dogmas religiosos e que não se furta a apontar as falhas Divinas: “Nesta hora a mocidade / Corrige o erro de Deus”.

A ESCRAVIDÃO
Tobias Barreto

Se Deus é quem deixa o mundo
Sob o peso que o oprime,
Se ele consente esse crime,
Que se chama a escravidão,
Para fazer homens livres,
Para arrancá-los do abismo,
Existe um patriotismo
Maior que a religião.

Se não lhe importa o escravo
Que a seus pés queixas deponha,
Cobrindo assim de vergonha
A face dos anjos seus,
Em seu delírio inefável,
Praticando a caridade,
Nesta hora a mocidade
Corrige o erro de Deus!…