
Governo precisa repensar seu diálogo com o Congresso
Pedro do Coutto
A recente rejeição, pelo Congresso Nacional, da Medida Provisória que previa a taxação de investimentos — com início pelo IOF — representa mais do que uma simples negativa legislativa. Trata-se de um revés significativo para o governo Lula, que vê ruir uma das principais apostas de sua equipe econômica para ampliar a arrecadação em um cenário de exigências fiscais cada vez mais agudas. O anúncio, feito com ênfase pelo presidente da Câmara, Hugo Motta, escancarou o clima de insatisfação generalizada entre os parlamentares, sobretudo diante da falta de consenso em torno da proposta.
Essa movimentação parlamentar expõe com clareza a fragilidade da articulação política do Executivo, particularmente do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, autor do projeto rejeitado. A medida, ao mirar diretamente os investimentos financeiros de empresas e empresários, encontrou forte resistência nos setores representados por poderosos grupos de influência no Congresso, como a Federação Brasileira de Bancos, a Confederação Nacional da Indústria e a Confederação Nacional do Comércio.
FRENTES – O episódio representa, portanto, uma derrota política em duas frentes: a da equipe econômica, que não soube calibrar a proposta em termos técnicos e políticos; e a do Palácio do Planalto, que falhou na construção de uma maioria estável em torno de sua pauta fiscal. A tentativa de onerar o capital financeiro sem diálogo prévio com os principais interessados demonstrou uma leitura equivocada do cenário parlamentar e das forças que nele atuam.
É preciso reconhecer que, em questões tributárias, a sensibilidade política deve caminhar lado a lado com o conteúdo técnico. Faltou ao governo — e, por extensão, à Fazenda — a capacidade de ouvir, negociar e modular o projeto para que ele se tornasse palatável às bancadas empresariais, que detêm significativa influência nas duas casas legislativas. Ignorar essa realidade equivale a desprezar os fundamentos do presidencialismo de coalizão brasileiro.
Ainda mais grave, a condução do processo revelou um descompasso entre o discurso de justiça fiscal e a prática legislativa. Embora a intenção de aumentar a arrecadação para reduzir o déficit público seja legítima, é necessário encontrar caminhos viáveis e sustentáveis. A arrecadação não pode se sustentar exclusivamente sobre tributos que penalizam setores econômicos sem a devida ponderação sobre os efeitos colaterais no investimento e na geração de emprego.
ESTRATÉGIA – O governo precisa, urgentemente, repensar sua estratégia de diálogo com o Congresso. A rejeição da medida não significa apenas o enterro de uma proposta fiscal; ela representa o sintoma de uma desconexão mais profunda entre o Executivo e o Legislativo. Para avançar, será preciso abrir espaço para soluções conjuntas, nas quais Executivo e Parlamento compartilhem responsabilidades e méritos.
Além disso, é fundamental superar a falsa dicotomia entre capital e trabalho quando se fala em produtividade. A força de trabalho é, e sempre foi, elemento central na construção do Produto Interno Bruto. Portanto, uma política fiscal que almeje equilíbrio de contas precisa considerar, com igual peso, os estímulos à produção, ao emprego e ao investimento, sem privilegiar de forma desproporcional um único setor da economia.
O episódio também lança luz sobre o desafio da reforma tributária, que segue em compasso de espera. Sem uma arquitetura mais ampla, que corrija distorções históricas e torne o sistema mais progressivo, medidas pontuais como a taxação do IOF tendem a ser engolidas pelo sistema político. É hora de abandonar soluções improvisadas e investir em propostas estruturantes, construídas com base no diálogo interinstitucional.
ALINHAMENTO – Por fim, a derrota de Haddad, embora dolorosa, deve ser vista como uma oportunidade de aprendizagem para o governo. A política fiscal não se faz apenas com números e decretos, mas com sensibilidade, escuta ativa e capacidade de articulação. Sem isso, qualquer tentativa de ajuste será sempre incompleta — e, pior, insustentável.
Resta saber se o Planalto compreenderá a mensagem enviada pelo Parlamento ou se continuará insistindo em uma fórmula que já se mostrou ineficaz. O tempo, como sempre na política, cobra seu preço — e raramente oferece uma segunda chance nas mesmas condições.