Israel ataca o Irã: será o início de uma guerra regional com reflexos globais?

Bombardeios mataram chefes militares e cientistas

Pedro do Coutto

O recente ataque de Israel ao Irã, anunciado pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu como uma ação preventiva contra bases nucleares, inaugura um novo e perigoso capítulo na já instável geopolítica do Oriente Médio. A ofensiva, inesperada e sem precedentes recentes em sua magnitude, reacende o temor de um conflito regional de grandes proporções com efeitos globais. Com a justificativa de conter o avanço do programa nuclear iraniano, Israel arrisca não apenas uma escalada bélica na região, mas também a abertura de múltiplas frentes de confronto que podem envolver potências globais diretamente ou por meio de seus aliados estratégicos.

O Irã, profundamente atingido no ataque que vitimou altos oficiais militares, já sinalizou que haverá retaliação. Em um ambiente marcado por orgulho nacional e rivalidades ideológicas, a devolução da agressão se torna quase inevitável, mesmo diante da pressão internacional por contenção. O problema, porém, está na imprevisibilidade do contra-ataque iraniano. Ele poderá vir diretamente, através de mísseis ou drones, ou por meio de seus aliados regionais, como o Hezbollah no Líbano e grupos milicianos no Iraque e na Síria. A multiplicidade de possíveis frentes transforma o conflito em um quebra-cabeça geopolítico extremamente complexo.

PRESSÃO – As consequências desse ataque não se limitam aos dois protagonistas diretos. Países como os Estados Unidos, a Rússia e a China, cada um com interesses estratégicos e alianças regionais, serão pressionados a se posicionar. Os EUA, tradicional aliado de Israel, tentam evitar um envolvimento direto enquanto sustentam politicamente Tel Aviv. A Rússia, por sua vez, já criticou duramente a ação israelense, e pode usar o episódio como mais um elemento para reforçar sua retórica antiocidental, especialmente após os desdobramentos da guerra na Ucrânia. A China, investidora pesada em infraestrutura no Irã e mediadora recente entre Teerã e Riad, terá seu papel de mediadora global posto à prova.

O ataque também agrava drasticamente a situação humanitária e política na Faixa de Gaza, onde os conflitos já haviam atingido níveis alarmantes de violência e destruição. A ação israelense alimenta a retórica das facções palestinas mais radicais, que veem no Irã um aliado estratégico contra o Estado judeu. A combinação de bombardeios em Gaza e ataques no Irã coloca ainda mais lenha na fogueira de uma guerra assimétrica, onde civis continuam sendo as maiores vítimas e as perspectivas de paz se tornam cada vez mais distantes.

Netanyahu, em meio a pressões internas por sua condução da guerra em Gaza e escândalos de corrupção, pode ter buscado neste ataque uma reafirmação de poder e de sua política de “segurança total”. No entanto, ao fazer isso, arrisca levar o país a um conflito de larga escala com consequências imprevisíveis. A história nos mostra que líderes acuados tendem a adotar estratégias arriscadas, e o Oriente Médio já pagou caro diversas vezes por decisões unilaterais tomadas sob pressão doméstica.

POLARIZAÇÃO –  O ataque pode ainda redefinir alianças e polarizações no mundo islâmico. A Arábia Saudita, que vinha se aproximando discretamente de Israel sob a mediação dos Estados Unidos, pode recuar em sua aproximação se o conflito escalar. Países como Turquia, Paquistão e os Emirados Árabes Unidos observam com atenção os desdobramentos. A possível radicalização de setores islâmicos em todo o mundo, inclusive na Europa, acende alertas sobre riscos de terrorismo em retaliação ao que será visto por muitos como uma agressão ocidental ao mundo muçulmano.

O impacto econômico da ação israelense também merece destaque. Mercados globais já reagem com volatilidade diante da ameaça de interrupção do fluxo de petróleo e gás da região. O Estreito de Ormuz, por onde passa cerca de 20% do petróleo mundial, pode ser bloqueado pelo Irã em caso de intensificação do conflito, o que elevaria drasticamente os preços dos combustíveis e causaria instabilidade econômica, sobretudo em países emergentes. O conflito, portanto, transcende fronteiras e atinge diretamente a vida de bilhões de pessoas em escala global.

No campo diplomático, as Nações Unidas enfrentam mais uma prova de sua fragilidade. O Conselho de Segurança se reúne em caráter emergencial, mas como já se viu em crises anteriores, vetos e impasses políticos tendem a paralisar qualquer resposta prática. A União Europeia, por sua vez, tenta se posicionar como força moderadora, mas seus próprios desafios internos, como o avanço da extrema-direita e a crise migratória, dificultam sua eficácia como mediadora de conflitos fora do continente.

TENSÃO – É importante lembrar que o mundo vive um momento de tensão sistêmica, em que a ordem internacional baseada em regras está cada vez mais fragilizada. O ataque de Israel ao Irã não é um evento isolado, mas sim um sintoma de uma nova era de confrontos híbridos, onde o uso da força se alia à desinformação, ao ciberataque e à manipulação de narrativas. Em um mundo polarizado, cada evento é rapidamente absorvido por uma batalha ideológica maior, em que fatos são relativizados e interesses nacionalistas ganham prioridade sobre o direito internacional.

O risco mais assustador é o de uma guerra prolongada, envolvendo múltiplos atores estatais e não estatais, com potencial de destruição em massa. Quando se fala em “bases nucleares” como alvo de ataques, o mundo se aproxima perigosamente de um limiar ético e estratégico que não pode ser ultrapassado sem consequências catastróficas. A humanidade já presenciou os horrores de duas guerras mundiais. Repetir os erros do passado seria não apenas trágico, mas suicida. É hora de a diplomacia global ser reativada com urgência.

A derrota de Haddad e os limites da articulação fiscal do governo

Governo precisa repensar seu diálogo com o Congresso

Pedro do Coutto

A recente rejeição, pelo Congresso Nacional, da Medida Provisória que previa a taxação de investimentos — com início pelo IOF — representa mais do que uma simples negativa legislativa. Trata-se de um revés significativo para o governo Lula, que vê ruir uma das principais apostas de sua equipe econômica para ampliar a arrecadação em um cenário de exigências fiscais cada vez mais agudas. O anúncio, feito com ênfase pelo presidente da Câmara, Hugo Motta, escancarou o clima de insatisfação generalizada entre os parlamentares, sobretudo diante da falta de consenso em torno da proposta.

Essa movimentação parlamentar expõe com clareza a fragilidade da articulação política do Executivo, particularmente do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, autor do projeto rejeitado. A medida, ao mirar diretamente os investimentos financeiros de empresas e empresários, encontrou forte resistência nos setores representados por poderosos grupos de influência no Congresso, como a Federação Brasileira de Bancos, a Confederação Nacional da Indústria e a Confederação Nacional do Comércio.

FRENTES – O episódio representa, portanto, uma derrota política em duas frentes: a da equipe econômica, que não soube calibrar a proposta em termos técnicos e políticos; e a do Palácio do Planalto, que falhou na construção de uma maioria estável em torno de sua pauta fiscal. A tentativa de onerar o capital financeiro sem diálogo prévio com os principais interessados demonstrou uma leitura equivocada do cenário parlamentar e das forças que nele atuam.

É preciso reconhecer que, em questões tributárias, a sensibilidade política deve caminhar lado a lado com o conteúdo técnico. Faltou ao governo — e, por extensão, à Fazenda — a capacidade de ouvir, negociar e modular o projeto para que ele se tornasse palatável às bancadas empresariais, que detêm significativa influência nas duas casas legislativas. Ignorar essa realidade equivale a desprezar os fundamentos do presidencialismo de coalizão brasileiro.

Ainda mais grave, a condução do processo revelou um descompasso entre o discurso de justiça fiscal e a prática legislativa. Embora a intenção de aumentar a arrecadação para reduzir o déficit público seja legítima, é necessário encontrar caminhos viáveis e sustentáveis. A arrecadação não pode se sustentar exclusivamente sobre tributos que penalizam setores econômicos sem a devida ponderação sobre os efeitos colaterais no investimento e na geração de emprego.

ESTRATÉGIA – O governo precisa, urgentemente, repensar sua estratégia de diálogo com o Congresso. A rejeição da medida não significa apenas o enterro de uma proposta fiscal; ela representa o sintoma de uma desconexão mais profunda entre o Executivo e o Legislativo. Para avançar, será preciso abrir espaço para soluções conjuntas, nas quais Executivo e Parlamento compartilhem responsabilidades e méritos.

Além disso, é fundamental superar a falsa dicotomia entre capital e trabalho quando se fala em produtividade. A força de trabalho é, e sempre foi, elemento central na construção do Produto Interno Bruto. Portanto, uma política fiscal que almeje equilíbrio de contas precisa considerar, com igual peso, os estímulos à produção, ao emprego e ao investimento, sem privilegiar de forma desproporcional um único setor da economia.

O episódio também lança luz sobre o desafio da reforma tributária, que segue em compasso de espera. Sem uma arquitetura mais ampla, que corrija distorções históricas e torne o sistema mais progressivo, medidas pontuais como a taxação do IOF tendem a ser engolidas pelo sistema político. É hora de abandonar soluções improvisadas e investir em propostas estruturantes, construídas com base no diálogo interinstitucional.

ALINHAMENTO –  Por fim, a derrota de Haddad, embora dolorosa, deve ser vista como uma oportunidade de aprendizagem para o governo. A política fiscal não se faz apenas com números e decretos, mas com sensibilidade, escuta ativa e capacidade de articulação. Sem isso, qualquer tentativa de ajuste será sempre incompleta — e, pior, insustentável.

Resta saber se o Planalto compreenderá a mensagem enviada pelo Parlamento ou se continuará insistindo em uma fórmula que já se mostrou ineficaz. O tempo, como sempre na política, cobra seu preço — e raramente oferece uma segunda chance nas mesmas condições.

A confissão de Bolsonaro e a ameaça à democracia

Bolsonaro negou ter endossado minuta que previa golpe

Pedro do Coutto

O depoimento de Jair Bolsonaro ao Supremo Tribunal Federal, proferido em tom contido e calculadamente sereno — postura adotada como evidente estratégia de defesa — revelou-se, na essência, uma confissão clara de que ele articulava um golpe de Estado destinado a impedir a posse de Lula da Silva, legitimamente eleito nas eleições democráticas e incontestáveis de 2022.

O ex-presidente reconheceu que buscava uma “alternativa” ao resultado eleitoral ao mesmo tempo em que negava, de forma ambígua, ter tramado uma ruptura institucional. Mas cabe aqui a pergunta inevitável: como é possível conceber uma alternativa ao veredicto das urnas sem incorrer, necessariamente, em um atentado à ordem democrática?

DESVIO – A resposta é simples e contundente: não é possível. Qualquer desvio desse resultado só poderia ocorrer mediante uma tentativa de subversão, com implicações gravíssimas, que incluiriam a prisão — ou, em delírios mais sombrios, até a eliminação física — de figuras centrais do novo governo, como Lula, Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes.

Embora tenha mantido uma aparência afável e cooperativa, Bolsonaro não conseguirá sustentar essa imagem no julgamento que se avizinha. Sua fala foi uma confissão camuflada, articulada para conquistar o benefício de uma pena mais branda — como a prisão domiciliar — e, ao mesmo tempo, tentar preservar sua relevância política com vistas à eleição de 2026, onde pretende apoiar um candidato que funcione como ponte para um eventual retorno ao poder em 2030.

Bolsonaro reconheceu, ainda que indiretamente, a existência da minuta de um decreto de exceção, um instrumento que teria sido utilizado para institucionalizar o golpe contra as estruturas democráticas. Ele admitiu discutir medidas que, numa democracia consolidada, simplesmente não têm lugar. E, o mais revelador: em nenhum momento demonstrou aceitar a legitimidade da vitória de seu adversário.

CONSPIRAÇÃO – O que se desenhava, portanto, era uma conspiração para reverter o resultado do pleito, em consonância com os atos antidemocráticos que culminaram nas manifestações golpistas em Brasília, nas quais se clamava por intervenção militar e pelo fechamento do STF.

Em uma república democrática, o único desfecho admissível para uma eleição é a posse do vencedor e o respeito à vontade soberana do povo. A partir do momento em que Bolsonaro se recusou a reconhecer esse princípio elementar, deixou evidente que operava fora dos limites constitucionais. Ele apostou tudo numa estratégia de sobrevivência jurídica e política, mas sua confissão — ainda que envolta em palavras suaves — foi suficientemente reveladora.

SILÊNCIO – O silêncio sobre a posse de Lula pesa mais do que qualquer negativa formal. Foi esse silêncio que transformou seu depoimento em uma confissão inequívoca, transparente e, acima de tudo, definitiva.

Não se trata apenas de um episódio jurídico, mas de um momento histórico. A democracia brasileira foi testada — e, ao que tudo indica, resistirá. Mas as lições deixadas por esse depoimento não podem ser ignoradas. O que está em jogo vai além de uma biografia política. Trata-se da integridade do próprio pacto democrático.

Quando a farsa se desnuda: o que resta ao bolsonarismo após Mauro Cid

Charge do Gilmar Fraga (gauchazh.clicrbs.com.br)

Pedro do Coutto

Nos últimos dias, o Supremo Tribunal Federal voltou a ocupar o centro da cena política brasileira, não por vontade própria, mas porque os ecos do 8 de janeiro ainda reverberam com força no coração da República. O depoimento do tenente-coronel Mauro Cid, outrora ajudante de ordens de Jair Bolsonaro e peça-chave da engrenagem que sustentava o ex-presidente, trouxe à tona uma revelação que  estreita de maneira dramática o espaço de defesa de Bolsonaro: ele teria alterado pessoalmente um projeto de decreto que visava interferir no processo eleitoral brasileiro.

Se Bolsonaro se deu ao trabalho de modificar esse documento, é porque ele de fato existiu. Essa constatação simples, quase ingênua em sua lógica, tem o poder de implodir toda a retórica de negação que o bolsonarismo vem sustentando desde que as urnas falaram em outubro de 2022. O projeto de ruptura democrática, que por tanto tempo foi tratado como ilação ou exagero, passa agora a ter corpo, nome e data. E isso muda tudo.

NARRATIVA – Durante meses, Bolsonaro e seus aliados orbitavam uma narrativa de que os atos golpistas eram obra de “infiltrados” ou de “descontrolados” que agiram por conta própria. Mas Mauro Cid, em seu depoimento, ofereceu mais do que indícios: entregou os bastidores, o clima, os gestos e, sobretudo, a caneta. A assinatura do ex-presidente, em um texto que previa o estado de sítio e a anulação das eleições, transforma um jogo de versões em uma evidência documental.

O bolsonarismo, que sempre apostou na negação como estratégia — negou a gravidade da pandemia, negou o valor das vacinas, negou os dados do INPE, negou a derrota eleitoral — agora vê-se diante de um muro: ou enfrenta as consequências legais e políticas da tentativa de golpe, ou afunda de vez no pântano do descrédito e do radicalismo marginal. O espaço para manobras diminuiu drasticamente, e a vitimização, tão explorada por Bolsonaro, perde eficácia diante de provas concretas.

Politicamente, o depoimento de Mauro Cid cria um dilema para os aliados ainda fiéis ao ex-presidente. Como manter o apoio público a alguém que, ao que tudo indica, tentou sabotar o próprio sistema democrático do qual se beneficiou? Parlamentares, governadores e prefeitos de perfil conservador, mas com apetite institucional, começam a recalibrar sua distância em relação ao bolsonarismo raiz. O risco de contaminação é real, especialmente às vésperas das eleições municipais.

DESDOBRAMENTOS – No campo jurídico, os desdobramentos são igualmente profundos. O STF, que já vinha sendo criticado por setores da sociedade por supostamente “politizar” a Justiça, agora age respaldado por fatos que não podem ser ignorados. Os ministros, sob o peso da responsabilidade institucional, sabem que qualquer passo em falso será usado como munição por aqueles que ainda sonham com o descrédito do Judiciário. Mas a verdade — fria, dura e incontornável — lhes confere um escudo inédito.

A democracia brasileira, embora machucada, mostra mais uma vez sua capacidade de regeneração. As instituições, tão atacadas ao longo dos últimos anos, seguem funcionando. E isso se deve, em grande parte, à coragem de servidores públicos, investigadores, jornalistas e operadores do Direito que, mesmo sob ameaças e pressões, insistem em iluminar as sombras. Mauro Cid, ao romper o pacto de silêncio, talvez tenha compreendido que a lealdade cega tem um preço — e que a História costuma cobrar com juros.

DILEMA – Há também um componente humano nessa história, frequentemente ignorado nos embates político-partidários. Cid, um militar formado sob valores de disciplina e hierarquia, se viu no dilema de proteger seu comandante ou resgatar sua própria dignidade. Sua escolha — tardia, é verdade — pode ser lida como um grito por redenção, mas também como uma confissão sobre os limites da obediência. Ninguém sai ileso de uma conspiração. Muito menos os que a executam em nome de um líder.

Por fim, o Brasil precisa olhar para esse episódio com a sobriedade que ele exige. Não se trata de perseguir um ex-presidente por ideologia, mas de apurar responsabilidades por atos que colocaram em risco a ordem constitucional. A democracia não pode ser refém de populismos, sejam eles de esquerda ou de direita. E, se queremos que a política recupere seu prestígio, é preciso que a verdade venha à tona — doa a quem doer.

Este é um daqueles momentos em que a nação se vê diante do espelho. E o reflexo, embora incômodo, é necessário. Que os próximos passos sejam dados com firmeza, mas também com justiça. Porque sem justiça, não há reconciliação possível.

Receita extra de R$ 170 bilhões é alívio fiscal ou solução temporária?

Montante supera o gasto anual do Bolsa Família

Pedro do Coutto

Nos últimos dois anos, o governo federal arrecadou R$ 170 bilhões extras, segundo reportagem de Thaís Barcellos, O Globo, com dados da consultoria Tendências e do economista João Leme. Esse volume impressiona à primeira vista e foi suficiente para cobrir compromissos relevantes, como dívidas e até o equivalente ao custo do Bolsa Família.

No entanto, ao olhar com atenção, vemos que esse montante representa apenas 3,4% do orçamento total de 2025. Isso revela um paradoxo: ao mesmo tempo que ajuda a aliviar o caixa no curto prazo, não altera de forma substancial a trajetória fiscal brasileira.

FONTES – Grande parte dessa arrecadação adicional veio de fontes extraordinárias, como reoneração de combustíveis, aumento do IOF, tributação de fundos exclusivos, taxação de apostas, dividendos de estatais e mudanças em concessões públicas. São receitas pontuais, muitas vezes dependentes de fatores conjunturais ou de decisões políticas frágeis. Isso significa que, embora funcionem como um alívio temporário, essas fontes não representam uma solução de longo prazo para os desafios fiscais do país.

O caso do IOF é emblemático. A elevação da alíquota pode gerar R$ 19,1 bilhões neste ano e mais de R$ 38 bilhões em 2026. Ainda assim, a medida enfrenta forte resistência no Congresso e pode ser revertida, o que fragiliza sua contribuição futura. Além disso, o impacto de um imposto como o IOF recai diretamente sobre o crédito e o consumo, podendo ter efeitos colaterais sobre a atividade econômica.

Outro fator que impulsionou a arrecadação foi a reversão de políticas de desoneração. A retomada da cobrança de impostos sobre combustíveis, o fim da chamada “taxa das blusinhas” e ajustes no ICMS ajudaram a engordar os cofres públicos. No entanto, isso também implica redução de estímulos a setores produtivos e ao consumo, o que pode frear a economia no médio prazo.

SALDO POSITIVO – Também contribuíram para esse saldo positivo os dividendos pagos por estatais, especialmente Petrobras e bancos públicos, além de receitas de concessões renegociadas, como no setor ferroviário. Essas entradas, embora volumosas, dependem de circunstâncias específicas e não se repetem com previsibilidade. São, portanto, mais uma variável de risco do que uma âncora de estabilidade.

É curioso observar que a arrecadação extra superou o orçamento do Bolsa Família, estimado em R$ 159,5 bilhões. Isso serve para dimensionar a escala do esforço fiscal, mas não significa que haja mais espaço para investimentos sociais. Na prática, o dinheiro novo tem servido para cobrir buracos e manter a máquina pública funcionando dentro do novo arcabouço fiscal, sem necessariamente abrir novas frentes de ação social ou infraestrutura.

João Leme, da Tendências, aponta que o governo chegou até a exceder os limites de bom senso em alguns casos, como no próprio IOF. A crítica, aqui, é que o ajuste se deu basicamente pelo lado da receita, sem cortes significativos de despesa ou reformas estruturais. É um modelo que pode funcionar num ciclo político de dois anos, mas que se mostra frágil diante das exigências de uma trajetória fiscal de médio e longo prazo.

DEPENDÊNCIA – A dependência do Congresso é outro ponto fraco. Muitas das medidas precisam ser aprovadas ou renovadas pelo Legislativo, que nem sempre atua em sintonia com o Executivo. A resistência crescente a novas taxações e a tendência de adiar reformas estruturantes tornam esse tipo de ajuste ainda mais vulnerável, especialmente em períodos pré-eleitorais.

A carga tributária brasileira vem caindo ao longo dos anos — de 20,2% do PIB em 2010 para 18,4% em 2022, com previsão de 18,2% para 2025. Isso indica uma erosão da base de arrecadação que não será revertida com ações pontuais. A receita extra recente, portanto, não altera essa tendência. Pelo contrário, pode mascarar a urgência de uma discussão mais profunda sobre a sustentabilidade fiscal do país.

Por fim, enquanto o governo se esforça para arrecadar mais, as despesas continuam crescendo. Com uma média de aumento real entre 0,6% e 2,5% ao ano, manter o equilíbrio só com receitas adicionais torna-se cada vez mais improvável. O desafio, agora, é ir além da arrecadação pontual e construir uma base fiscal sólida, combinando controle de gastos, reformas estruturais e um modelo tributário mais eficiente e progressivo. Sem isso, o alívio de hoje pode se tornar o problema de amanhã.

No banco dos réus: o confronto entre Bolsonaro, Moraes e a verdade sobre a tentativa de golpe

Charge do Baggi (instagram.com/falabobaggi/)

Pedro do Coutto

O cenário político nacional vive hoje um dos seus momentos mais emblemáticos desde o término das eleições de 2022. O encontro entre o ex-presidente Jair Bolsonaro e o ministro Alexandre de Moraes no Supremo Tribunal Federal simboliza muito mais do que um mero interrogatório judicial.

É o ponto alto de um processo que investiga uma possível tentativa de golpe de Estado articulada por setores ligados ao bolsonarismo, com a participação de militares de alta patente e assessores próximos ao ex-presidente. Essa audiência marca o início formal da fase de depoimentos dos oito réus acusados de participar da trama golpista, e reacende o debate sobre os limites da democracia brasileira e a resistência institucional diante de ameaças autoritárias.

TESTEMUNHA-CHAVE –   O destaque maior do dia recai sobre o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, cuja delação premiada serviu de base para a denúncia e os indiciamentos. Cid, que durante o governo era conhecido por saber demais, agora assume o papel de testemunha-chave, munido de provas documentais e relatos de bastidores que indicam a existência de um plano concreto para subverter o resultado das urnas. Seu depoimento ocorrerá antes mesmo do de Bolsonaro, em uma estratégia calculada pelo STF para evitar que os dois tenham contato ou influenciem mutuamente seus relatos.

Houve, inclusive, uma mudança de última hora na logística da audiência: Moraes determinou que Bolsonaro e Cid fiquem separados fisicamente durante os interrogatórios. A medida foi tomada para garantir a isenção dos depoimentos, já que a expectativa é de que Cid reafirme, diante do ex-presidente, que houve de fato uma minuta de decreto que previa instaurar um estado de defesa com o objetivo de impedir a posse de Lula. Essa minuta, segundo o militar, foi levada por Bolsonaro a diversos comandantes militares em busca de apoio para o que se configuraria como uma ruptura democrática.

Entre os generais procurados por Bolsonaro está Freire Gomes, então comandante do Exército, que, de acordo com relatos já tornados públicos, teria se recusado a aderir à proposta. O gesto de Freire Gomes é simbólico, pois demonstra que, mesmo entre os militares, havia resistência à tentativa de golpe. Sua postura foi crucial para o desmonte inicial da operação golpista e agora serve como um dos principais pilares da acusação contra Bolsonaro e seus aliados.

TROCA DE MENSAGENS –  O acesso liberado aos celulares de Mauro Cid e de sua esposa também é um fator relevante. Os dados extraídos desses aparelhos, já em posse do STF, contêm trocas de mensagens, arquivos de áudio e registros de conversas que reforçam a tese de que havia um plano em curso para manter Bolsonaro no poder. Esses elementos serão confrontados durante os interrogatórios e podem gerar novos desdobramentos, inclusive com o surgimento de novos nomes envolvidos no caso.

Bolsonaro, por sua vez, adota uma postura pública de enfrentamento. Disse em suas redes sociais que “a verdade está do nosso lado” e que não pretende “lacrar” no depoimento. Trata-se de uma retórica política que busca reforçar sua narrativa de perseguição, galvanizar sua base mais fiel e, ao mesmo tempo, evitar o desgaste diante de um processo que pode resultar em consequências penais sérias. Mas o ambiente no STF é de absoluta seriedade, e não há espaço para bravatas. O que se espera do ex-presidente é clareza e coerência diante das evidências já apresentadas.

Esse confronto direto com Moraes representa um capítulo histórico da crise institucional vivida pelo país nos últimos anos. O ministro, que já vinha sendo alvo de ataques sistemáticos por parte do bolsonarismo, agora assume, em pleno tribunal, a posição de relator e julgador de um dos episódios mais graves da história republicana recente. Sua atuação tem sido marcada por firmeza, e ele conta com o apoio da maioria dos ministros do Supremo, além de respaldo em parte considerável da opinião pública que acompanha com atenção o desenrolar dos fatos.

TEIA DE PERSONAGENS – É importante ressaltar que o processo em questão não trata apenas de Bolsonaro. Envolve uma teia de personagens — civis e militares — que, segundo as investigações, participaram ativamente da construção de uma narrativa falsa de fraude eleitoral, alimentaram o caos institucional e, em última instância, prepararam o terreno para um golpe. O julgamento destes réus será um teste decisivo para o funcionamento das instituições democráticas brasileiras e para a responsabilização de agentes públicos que ultrapassaram os limites constitucionais.

O STF, ao conduzir os interrogatórios com publicidade e transparência, cumpre um papel essencial: reafirmar o compromisso do Judiciário com o Estado de Direito. As audiências servirão não apenas para ouvir os réus, mas também para expor os fatos à sociedade, garantir o contraditório e fortalecer os princípios democráticos. Em um país marcado por ciclos de instabilidade política, o que está em jogo não é apenas o destino de um ex-presidente, mas a credibilidade das instituições e a confiança dos cidadãos na justiça.

Este processo será, portanto, lembrado por muitos anos. Não apenas pelo ineditismo do momento — um ex-presidente sendo julgado por tentar sabotar o próprio sistema democrático —, mas pelo impacto que ele poderá ter sobre o futuro político do país. A depender do que for revelado nos depoimentos e da condução dos trabalhos pelo STF, a história do Brasil poderá registrar este episódio como um ponto de inflexão: o instante em que a democracia foi, mais uma vez, testada — e, esperamos, confirmada.

A grave crise do INSS e o espelho partido do Governo Lula

Charge de Fred Ozanan (paraibaonline.com.br)

Pedro do Coutto

A entrevista concedida pelo ministro da Controladoria-Geral da União (CGU), Vinícius Carvalho, ao jornal O Globo, revelou mais do que uma disputa narrativa sobre a crise do INSS: escancarou a desorganização política interna do governo Lula e a fragilidade de suas estruturas de governança.

Ao afirmar, com clareza incomum no ambiente palaciano, que “todo mundo conhecia o problema do INSS e o ministro Rui [Costa] sabe disso”, Carvalho rompeu o protocolo de lealdade ministerial e acendeu um sinal de alerta sobre o grau de deterioração do diálogo dentro do núcleo do Executivo.

FRAUDES – A operação que revelou fraudes bilionárias no INSS — mais de R$ 6,3 bilhões em descontos indevidos de aposentados e pensionistas — deveria ser, em tese, um ponto de união para o governo: combate à corrupção, proteção ao cidadão vulnerável, resgate da imagem pública.

Mas o que se viu foi um jogo de empurra, uma batalha por versões, e uma tentativa velada — mas agora exposta — de se atribuir culpas e responsabilidades de maneira seletiva. Rui Costa, ministro da Casa Civil e figura central na coordenação política do governo, chegou a insinuar que a CGU falhou ao não alertar previamente sobre as irregularidades. A resposta veio na forma de uma entrevista-bomba, onde Vinícius Carvalho, respaldado por documentos e pelo próprio mandato legal da CGU, devolveu a crítica com a contundência de quem se sente injustamente alvejado.

A dimensão política da crise vai além dos embates verbais. O caso do INSS é, por si só, uma tragédia institucional: milhões de brasileiros, a maioria em situação de vulnerabilidade, foram vítimas de um esquema que, ao que tudo indica, contou com conivência ou omissão de agentes públicos e empresas privadas. O fato de que isso se arrastou por anos sem uma resposta firme expõe falhas não apenas de controle interno, mas de prioridade política. A leniência com o problema, agora transformado em escândalo, cobra seu preço.

REAÇÃO – O ponto mais sensível, no entanto, está na forma como o governo reage. Ao invés de uma atuação articulada e transparente, a sociedade assiste a ministros trocando acusações, como se a responsabilidade institucional fosse um fardo a ser repassado. Esse tipo de comportamento mina a credibilidade do governo não apenas diante do eleitorado, mas também entre os próprios aliados. Expõe um gabinete fraturado, onde cada ministério parece operar sob lógicas próprias, muitas vezes conflitantes.

O presidente Lula, que construiu sua imagem sobre a ideia de diálogo e liderança política, agora enfrenta o desafio de recompor a unidade e restabelecer autoridade. Não se trata apenas de encontrar culpados, mas de entender por que os sistemas de controle falharam e como evitar que tragédias administrativas se transformem em desastres políticos. Mais ainda, é necessário dar respostas rápidas à população afetada — com ressarcimento, responsabilização e, principalmente, mudança.

O episódio do INSS, portanto, não é um caso isolado. Ele é sintoma de algo mais profundo: a dificuldade do governo em organizar sua própria estrutura interna, em comunicar-se com clareza entre si e com o público, e em reagir de forma institucional — e não emocional — às crises. A depender da forma como for conduzida daqui em diante, essa crise pode marcar uma inflexão no governo Lula, revelando que a terceira gestão do petista convive com as mesmas mazelas que um dia jurou combater.

Eleições 2026: o impasse entre dois rejeitados em plena polarização

Crise no INSS e queda na popularidade: o governo Lula diante do maior teste

Charge do Jônatas (politicadinamica.com)

Pedro do Coutto

A recente pesquisa do Instituto Quaest revelou um dado alarmante para o governo do presidente  Lula da Silva: 57% da população desaprova sua gestão, enquanto apenas 40% a aprovam. Esse cenário é agravado pelo escândalo envolvendo o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que se tornou o epicentro de uma crise de confiança no governo federal.

O escândalo do INSS, que envolve descontos indevidos em aposentadorias e pensões, gerou uma onda de indignação entre os brasileiros. Estimativas apontam que cerca de R$ 6,3 bilhões foram descontados de forma irregular entre 2019 e 2024, afetando milhões de aposentados e pensionistas. A operação conjunta da Polícia Federal e da Controladoria-Geral da União revelou falhas graves nos mecanismos de controle do órgão.

INFORMAÇÕES – A resposta do governo, até o momento, tem sido considerada insuficiente por grande parte da população. Apesar das promessas de ressarcimento integral aos prejudicados, muitos ainda aguardam informações claras sobre como e quando receberão os valores devidos. A falta de transparência e agilidade na resolução do problema tem alimentado a desconfiança e a insatisfação popular.

A crise no INSS também teve repercussões políticas significativas. O ministro da Previdência, Carlos Lupi, renunciou ao cargo em meio às investigações, e o então chefe do INSS, Alessandro Stefanutto, foi demitido. Essas mudanças, no entanto, não foram suficientes para conter a pressão sobre o governo, que enfrenta críticas tanto da oposição quanto de aliados.

No Congresso Nacional, o escândalo motivou a apresentação de 45 projetos de lei relacionados ao tema, muitos deles visando aumentar a transparência e a fiscalização sobre os descontos em benefícios previdenciários. A movimentação legislativa reflete a gravidade da situação e a necessidade de reformas estruturais no sistema previdenciário.

DESCONTENTAMENTO – A repercussão nas redes sociais também evidencia o impacto negativo do escândalo. Segundo levantamento da Quaest, apenas 3% das menções ao caso em aplicativos de mensagens foram favoráveis ao governo, enquanto 50% expressaram críticas. Esse sentimento de insatisfação digital reflete o clima de descontentamento que se espalha pelo país.

Além dos danos à imagem do governo, a crise no INSS levanta questões sobre a eficácia dos mecanismos de controle e fiscalização dos órgãos públicos. A magnitude das fraudes descobertas indica falhas sistêmicas que precisam ser corrigidas para evitar novos escândalos e restaurar a confiança da população nas instituições.

O governo Lula enfrenta, portanto, um desafio duplo: reparar os danos causados aos beneficiários do INSS e implementar medidas efetivas para prevenir futuras irregularidades. A capacidade de resposta a essa crise será determinante para a recuperação da credibilidade do governo e para a estabilidade política do país.www1.folha.uol.com.br

COMPROMETIMENTO – Em um momento em que a população clama por justiça e transparência, é imperativo que o governo adote uma postura proativa e comprometida com a resolução dos problemas. A reconstrução da confiança pública depende de ações concretas e de uma comunicação clara e honesta com os cidadãos.

A crise no INSS é um alerta sobre a importância de sistemas de controle eficientes e da responsabilidade na gestão dos recursos públicos. O governo tem agora a oportunidade de demonstrar seu compromisso com a ética e a justiça social, respondendo de forma adequada às demandas da sociedade e corrigindo os rumos de sua administração.

A questão do IOF e os desafios do diálogo entre os três Poderes

O recuo do governo Lula no IOF e o sinal de alerta fiscal na Fazenda

Correios em colapso, com crise sistêmica e sobreposição de demandas públicas

Com receita em queda, estatal se converteu em  foco de tensão

Pedro do Coutto

A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (Correios) enfrenta uma das fases mais críticas de sua história. O prejuízo de R$ 1,7 bilhão no primeiro trimestre de 2025 não é apenas um dado contábil alarmante — ele sinaliza uma deterioração estrutural que compromete não só a saúde financeira da estatal, mas também sua capacidade operacional e institucional. Esse déficit representa o dobro do registrado no mesmo período de 2024 e é sintomático de um modelo de gestão que não acompanhou a transformação do setor logístico nacional.

A queda de receitas ocorre em meio a um ambiente cada vez mais competitivo, dominado por empresas privadas com estruturas ágeis, tecnologia de ponta e maior capacidade de resposta às demandas do e-commerce. Os Correios, por outro lado, acumulam passivos, processos burocráticos e uma defasagem tecnológica significativa. A estatal se tornou, em grande medida, refém de sua própria estrutura inchada e de políticas públicas que ignoram sua real capacidade de execução.

ATENDIMENTO – A recente decisão do governo federal de atribuir aos Correios o atendimento extraordinário a aposentados e pensionistas do INSS evidencia essa desconexão entre diagnóstico e ação. Em um momento em que a estatal mal consegue suprir suas demandas básicas — com relatos de falta até de materiais elementares como envelopes e fitas adesivas —, espera-se que ela assuma uma tarefa de grande porte e importância social: o atendimento a milhões de beneficiários do INSS para verificação de descontos não autorizados.

A medida, embora tenha mérito social e se justifique pela urgência de proteger os aposentados de fraudes, ignora por completo a capacidade logística da instituição responsável por sua execução. Na prática, transfere-se para uma estrutura combalida uma função que requer precisão, agilidade e suporte técnico. É o tipo de iniciativa que, sem reforço orçamentário e planejamento integrado, tende ao fracasso — ou, no mínimo, à ineficiência.

Do ponto de vista gerencial, a decisão governamental fere princípios básicos de planejamento. A sobrecarga operacional, sem o devido preparo, tende a gerar não apenas atrasos, mas também prejuízos adicionais. Há risco de aumento do passivo trabalhista, agravamento do desgaste institucional e, pior, frustração da população que buscará atendimento e encontrará filas, desorganização e desinformação.

ENDIVIDAMENTO – A fragilidade financeira dos Correios é agravada pelo aumento do endividamento e pelo atraso em pagamentos a fornecedores, segundo reportagens recentes. Isso afeta diretamente a cadeia de suprimentos da estatal, com impacto na qualidade e na confiabilidade dos serviços prestados. Não se trata apenas de um problema de gestão atual, mas de um acúmulo de anos de investimentos insuficientes, sucateamento e politização de cargos estratégicos.

O caso dos Correios revela um paradoxo comum em estatais brasileiras: são tratadas como instrumento de políticas públicas emergenciais, mas sem os recursos ou a estrutura compatíveis com tais funções. Essa lógica de “uso estratégico sem contrapartida” asfixia as empresas públicas e alimenta ciclos viciosos de má performance, perda de credibilidade e pressão por privatizações.

Se o governo considera os Correios uma ferramenta viável para atender grandes demandas sociais, deveria, no mínimo, estabelecer um plano de recuperação operacional da estatal. Isso inclui investimentos em infraestrutura, contratação de pessoal capacitado, modernização tecnológica e um novo modelo de governança corporativa. Sem isso, a transferência de novas atribuições apenas aumenta o risco de colapso.

“QUEBRA-GALHO” – É preciso também repensar o papel dos Correios no Brasil contemporâneo. Em vez de serem vistos como um “quebra-galho” institucional para crises administrativas, deveriam ocupar um lugar estratégico na logística nacional, especialmente em regiões onde o setor privado não chega com eficiência. Mas isso exige visão de longo prazo e vontade política de reerguer uma empresa pública para além da sobrevivência.

Em resumo, os Correios se tornaram símbolo de uma contradição nacional: espera-se que cumpram funções cruciais, mesmo quando lhes faltam os meios mais básicos para isso. O prejuízo de R$ 1,7 bilhão é o reflexo de uma crise anunciada — e, se nada for feito, tende a ser apenas o começo de uma trajetória ainda mais desafiadora para a estatal.

Infâncias silenciadas nessas guerras que destroem o futuro

Cenário retrata falha ética das lideranças políticas

Pedro do Coutto

A morte de crianças em zonas de conflito é uma das mais pungentes tragédias da humanidade. No artigo “Crianças palestinas não esquecerão o que não fizemos por elas”, Dorrit Harazim, em O Globo, lança luz sobre essa calamidade, destacando o sofrimento infantil na Faixa de Gaza, na guerra entre Rússia e Ucrânia, e nas favelas do Rio de Janeiro. Essas crianças, vítimas inocentes de conflitos prolongados, são frequentemente esquecidas por governantes que priorizam o poder em detrimento da vida humana.

Harazim enfatiza que a morte de crianças representa o assassinato de parte do futuro. Meninos e meninas que não têm a oportunidade de conhecer a paz são privados de uma vida plena, tornando-se símbolos de uma sociedade que falha em proteger seus membros mais vulneráveis. A jornalista também destaca o trauma das crianças que sobrevivem, mas carregam cicatrizes físicas e emocionais profundas, como evidenciado por dados da Save the Children, que apontam para mais de dez crianças mutiladas por dia em Gaza, com a perda de uma ou ambas as pernas .

CAMPO DE BATALHA – A situação na Faixa de Gaza é particularmente alarmante. Desde outubro de 2023, quando terroristas do Hamas atacaram Israel, a região se tornou um campo de batalha, com civis palestinos frequentemente usados como “cobaias humanas” pelas Forças de Defesa de Israel (FDI), prática conhecida como “Protocolo Mosquito” . Essa estratégia cruel coloca crianças e adultos inocentes em risco extremo, evidenciando a desumanização presente no conflito.

Na Ucrânia, a guerra iniciada pela Rússia em 2022 continua a causar sofrimento, especialmente entre as crianças. Apesar de ser uma superpotência, a Rússia não conseguiu dominar a Ucrânia como previsto, resultando em um conflito prolongado que afeta profundamente a população civil. As crianças ucranianas, assim como as palestinas, enfrentam a perda de entes queridos, deslocamento e traumas psicológicos duradouros.

No Brasil, as favelas do Rio de Janeiro são palco de uma guerra não declarada. Conflitos entre facções criminosas e ações policiais resultam frequentemente na morte de crianças inocentes. Essas tragédias, embora menos divulgadas internacionalmente, refletem a mesma negligência governamental e a falha em proteger os mais vulneráveis.

SEM COMPROMISSO – Harazim argumenta que esses problemas são criados por governantes que não têm compromisso com a vida humana. A falta de ação efetiva para proteger as crianças em zonas de conflito demonstra uma falha moral e ética das lideranças políticas. A jornalista destaca que “crianças não fazem guerras, mas são as mais indefesas”, ressaltando a necessidade urgente de políticas que priorizem a proteção infantil.

A comunidade internacional também tem sua parcela de responsabilidade. A omissão diante das atrocidades cometidas contra crianças em zonas de conflito é uma falha coletiva. A falta de pressão efetiva sobre os governos envolvidos e a ausência de intervenções humanitárias adequadas perpetuam o ciclo de violência e sofrimento.

É imperativo que a sociedade civil, organizações não governamentais e indivíduos se mobilizem para exigir ações concretas em defesa das crianças. Campanhas de conscientização, apoio a iniciativas humanitárias e pressão sobre os governantes são passos fundamentais para mudar essa realidade.

REFLEXOS – Além disso, é essencial investir em programas de apoio psicológico e reabilitação para crianças afetadas por conflitos. O trauma vivido por essas crianças pode ter consequências duradouras, afetando seu desenvolvimento e sua capacidade de contribuir positivamente para a sociedade.

A morte e o sofrimento de crianças em zonas de conflito são reflexos de uma sociedade que falha em proteger seus membros mais vulneráveis. Diante de tantas tragédias que atravessam fronteiras e contextos — de Gaza à Ucrânia, passando pelas comunidades periféricas do Rio de Janeiro — uma constatação se impõe com brutal clareza: estamos falhando com nossas crianças.

INDIFERENÇA – A omissão internacional, o descaso governamental e a naturalização da violência contra os mais indefesos revelam não apenas a falência de sistemas políticos, mas de valores humanos essenciais. É preciso romper com a indiferença. As crianças que hoje morrem ou sobrevivem à margem da dignidade não esquecerão o que deixamos de fazer por elas — e o futuro que hoje assassinamos cobrará esse silêncio com a mesma severidade com que cobramos as tragédias do passado.

Enquanto não reconhecermos que a paz se constrói a partir da infância protegida, seguiremos perpetuando um mundo onde a guerra não conhece fim — apenas novas vítimas.

PIB cresce 1,4% no 1º trimestre puxado pelo agro, mas cenário é de alerta

Agro cresce 12,2%, serviços avançam 0,3%, e indústria recua 0,1%

Pedro do Coutto

O crescimento de 1,4% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro no primeiro trimestre de 2025, segundo o IBGE, trouxe alívio a um cenário que vinha sendo pressionado por juros altos e inflação resistente. A cifra surpreendeu parte dos analistas, não pelo crescimento em si, mas pela velocidade da recuperação, sobretudo quando os motores da economia tradicional — indústria e consumo — seguem patinando. O verdadeiro trator por trás desse avanço tem nome conhecido: o agronegócio.

Com uma expansão de 12,2% no período, a agropecuária foi responsável por ancorar o crescimento. Fatores como condições climáticas favoráveis e colheitas recordes de soja e milho foram determinantes. Além disso, as exportações agrícolas mantiveram fôlego mesmo com a desaceleração da economia global, fortalecendo o superávit comercial e ajudando na balança de pagamentos. No entanto, é justamente essa dependência de um único setor que acende alertas entre especialistas.

REAJUSTES – O consumo das famílias também contribuiu positivamente, com alta de 1%, impulsionado por reajustes no salário mínimo e programas de transferência de renda. Ainda assim, esse crescimento vem em um ambiente de crédito caro e endividamento elevado das famílias. A taxa de juros real segue em patamar restritivo, e o acesso ao consumo parcelado, que sustenta grande parte do comércio, continua limitado.

Do lado dos investimentos, o salto de 3,1% foi influenciado por importações pontuais de bens de capital, sobretudo ligados à indústria petrolífera. No entanto, não há indícios de uma retomada estrutural da formação bruta de capital fixo. A indústria, por sua vez, recuou levemente (-0,1%) e continua sendo o elo mais fraco da retomada — afetada por custos elevados, baixa produtividade e o mesmo ambiente de crédito restrito.

Serviços, setor que responde por cerca de 70% da atividade econômica, avançaram apenas 0,3%. Embora mantenham trajetória positiva, estão longe de uma recuperação robusta, refletindo um mercado de trabalho que, apesar da melhora na taxa de desemprego, ainda convive com altos índices de informalidade e subutilização.

ALERTA – Apesar do resultado robusto no trimestre, economistas alertam que o restante do ano tende a ser mais contido. As previsões de crescimento para 2025 giram entre 2,0% e 2,4%, e há riscos concretos no horizonte. Entre eles, a possibilidade de reversão no desempenho agrícola, caso o clima mude, e a manutenção de juros altos, que reduzem o ímpeto da atividade produtiva. Além disso, há incertezas no cenário fiscal e no ambiente político, que podem afetar a confiança de empresários e consumidores.

O dado do PIB, embora positivo, escancara a fragilidade da retomada brasileira. Crescer sobre a força do campo não é sustentável a médio prazo, sobretudo diante de um cenário climático cada vez mais volátil. A diversificação da base produtiva e o estímulo a investimentos de longo prazo continuam sendo desafios centrais.

Conclui-se, portanto, que o desempenho da economia no primeiro trimestre é mais um fôlego momentâneo do que uma tendência sólida. O Brasil precisa usar esse respiro para corrigir seus desequilíbrios estruturais, reduzir a dependência de ciclos agrícolas e reconstruir as bases para um crescimento mais equilibrado, produtivo e duradouro.

Discussão sobre o IOF: O ultimato de Motta desafia a autoridade de Lula

Crise do IOF: O desgaste de Haddad e o alerta final ao governo Lula

Charge do Jorge Braga ( Arquivo Google)

Pedro do Coutto

A recente crise envolvendo o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) expôs fissuras significativas na articulação política e na estratégia fiscal do governo Lula. O decreto que elevou as alíquotas do IOF, publicado em 22 de maio, gerou reações negativas imediatas tanto no Congresso quanto no mercado financeiro, levando o Ministério da Fazenda a recuar parcialmente da medida no mesmo dia

Fernando Haddad, ministro da Fazenda, reconheceu que a decisão foi tomada sem a devida coordenação com o Banco Central e outros setores do governo, o que contribuiu para a instabilidade gerada. A reversão parcial, que manteve a alíquota zero para investimentos de fundos nacionais no exterior, foi justificada como uma “necessidade técnica” para evitar desincentivos a aplicações financeiras fora do país .

CLIMA FAVORÁVEL – A insatisfação generalizada levou o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, a afirmar que o clima no Congresso é favorável à derrubada do decreto. Ele deu um prazo de dez dias para que o governo apresente alternativas ao aumento do IOF, sob pena de o Legislativo agir para revogar a medida .

Em meio à pressão, o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, afirmou que o governo apresentará, em até dez dias, iniciativas fiscais estruturais como possíveis alternativas ao aumento do IOF. Ele ponderou que não há solução definida neste momento.

O presidente Lula, por sua vez, saiu em defesa de Haddad durante evento de criação do assentamento Maila Sabrina, no Paraná, destacando a competência do ministro nas negociações que viabilizaram a iniciativa . Essa manifestação pública de apoio busca reforçar a coesão interna do governo em meio à crise.

ARTICULAÇÃO POLÍTICA – A situação evidencia a necessidade de o governo aprimorar sua articulação política e comunicação interna, especialmente em decisões que impactam diretamente a economia e o cotidiano da população. A falta de coordenação na implementação do decreto do IOF expôs vulnerabilidades que podem comprometer a credibilidade da equipe econômica.

Além disso, a crise ressalta a importância de o governo buscar soluções fiscais sustentáveis e socialmente justas, evitando medidas que onerem excessivamente determinados setores ou classes sociais. A discussão sobre a revisão de isenções fiscais e a implementação de reformas estruturais, como a administrativa, pode ser uma oportunidade para construir um sistema tributário mais equitativo e eficiente.

Em suma, a controvérsia em torno do aumento do IOF serve como um alerta para o governo Lula sobre os riscos de decisões unilaterais e mal comunicadas. A superação da crise exigirá diálogo aberto com o Congresso, transparência nas ações e comprometimento com uma agenda fiscal responsável e inclusiva.

Ataques a Marina Silva no Senado revelam crise de civilidade e retrocesso ambiental

‘Fui agredida fazendo meu trabalho’, disse Marina Silva

Pedro do Coutto

A audiência pública na Comissão de Infraestrutura do Senado, ocorrida na última terça-feira, revelou não apenas divergências políticas, mas também um preocupante padrão de desrespeito institucional e pessoal direcionado à ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Convidada para discutir a criação de unidades de conservação na Margem Equatorial, Marina enfrentou ataques verbais que extrapolaram o debate técnico, evidenciando tensões entre agendas ambientais e interesses econômicos.

O episódio mais emblemático foi protagonizado pelo senador Plínio Valério que afirmou desejar “separar a mulher da ministra”, pois “a mulher merecia respeito, a ministra não”. Tal declaração, além de misógina, desconsidera o papel institucional da ministra e sua trajetória na defesa ambiental. A recusa do senador em se retratar levou Marina a se retirar da sessão, atitude que reflete a gravidade do ocorrido.

AGRESSÃO – Este incidente não é isolado. Em março, durante uma audiência da CPI das ONGs, Plínio Valério já havia proferido comentários agressivos, sugerindo que “tolerar a Marina seis horas e dez minutos sem enforcá-la” seria um desafio. Tais falas indicam uma hostilidade contínua à figura da ministra, que transcende críticas políticas e adentra o campo do ataque pessoal.

A reação de Marina Silva, exigindo respeito e se retirando da audiência, foi respaldada por diversos parlamentares e autoridades. O presidente Lula manifestou apoio à ministra, destacando a importância de um debate respeitoso e técnico sobre questões ambientais. A primeira-dama Janja também se solidarizou, reforçando a necessidade de combater atitudes misóginas no ambiente político.

A tensão entre desenvolvimento econômico e preservação ambiental é um dilema histórico no Brasil. A Margem Equatorial, região rica em biodiversidade e potencial petrolífero, tornou-se palco desse embate. Enquanto setores políticos e econômicos pressionam pela exploração, o Ministério do Meio Ambiente, sob liderança de Marina, defende a criação de unidades de conservação, visando um desenvolvimento sustentável.

DESMATAMENTO – A postura de Marina Silva reflete uma política ambiental baseada em dados científicos e compromissos internacionais, como o Acordo de Paris. Sua gestão tem priorizado a redução do desmatamento e a promoção de energias renováveis, enfrentando resistências de setores que veem a preservação como obstáculo ao crescimento econômico.

O comportamento de certos senadores durante a audiência evidencia uma resistência não apenas às políticas ambientais, mas também à presença feminina em posições de poder. A tentativa de deslegitimar a ministra por sua condição de mulher revela um machismo estrutural que ainda permeia as instituições brasileiras. É imperativo que o Senado adote medidas para garantir o respeito e a equidade de gênero em seus debates.

Em suma, o episódio na Comissão de Infraestrutura do Senado escancara desafios que vão além das políticas públicas, envolvendo questões de respeito institucional, equidade de gênero e compromisso com o desenvolvimento sustentável. A sociedade brasileira deve refletir sobre o tipo de liderança e debate político que deseja fomentar, valorizando o diálogo construtivo e o respeito mútuo como pilares da democracia.

Crise de popularidade e fragmentação política são os desafios de Lula em 2025

Charge do Cláudio (folha.uol.com.br)

Pedro do Coutto

O governo do presidente Lula da Silva enfrenta, em 2025, um cenário político e econômico desafiador. A recente tentativa de aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) gerou forte reação na Câmara dos Deputados, com parlamentares articulando movimentos para anular a medida. Essa iniciativa evidencia a crescente tensão entre o Executivo e o Legislativo, especialmente com o Centrão pressionando por maior influência e recursos no governo.

A base de apoio de Lula, que já demonstrava sinais de fragilidade, mostra-se cada vez mais fragmentada. Divergências internas e disputas por protagonismo entre diferentes alas do governo têm dificultado a implementação de políticas coesas. A falta de unidade compromete a eficácia administrativa e a capacidade de resposta às demandas populares.

ÍNDICES – A popularidade do presidente tem sofrido quedas significativas. Pesquisas recentes indicam uma aprovação de apenas 24%, o menor índice registrado em seus três mandatos. A desaprovação atinge 41%, refletindo o descontentamento da população com a gestão atual. Fatores como a inflação dos alimentos, que subiu 55% nos últimos cinco anos, têm impactado diretamente o poder de compra dos brasileiros, especialmente das classes mais baixas.

O Nordeste, tradicional bastião eleitoral de Lula, também apresenta sinais de desgaste. A aprovação na região caiu de 67% para 60% entre dezembro e janeiro, segundo levantamento da Quaest. A dificuldade do governo em dialogar com trabalhadores informais e pequenos profissionais liberais, comuns na região, contribui para esse cenário.

A comunicação do governo tem sido apontada como um dos pontos fracos. Erros estratégicos no início do mandato criaram falsas expectativas, segundo avaliação do próprio Planalto. A falta de clareza na divulgação de políticas e medidas adotadas contribui para a percepção de ineficiência e desorganização.

CRISES – Internamente, o governo enfrenta crises e instabilidades. Ministros manifestam desejo de deixar os cargos, e a relação com o Congresso é marcada por tensões. A recente decisão do Superior Tribunal Militar de reduzir penas de militares envolvidos na morte do músico Evaldo Rosa levanta preocupações sobre a justiça militar no Brasil e adiciona mais um elemento de desgaste para o governo.

A oposição, por sua vez, aproveita o momento para intensificar críticas. O ex-presidente Jair Bolsonaro, mesmo inelegível, declarou que Lula “está derretendo”, referindo-se à queda na popularidade do atual presidente. Pesquisas indicam que nomes da direita, como Bolsonaro e sua esposa Michelle, aparecem à frente de Lula em cenários de segundo turno para 2026.

Diante desse panorama, o governo Lula precisa reavaliar estratégias e buscar reconstruir sua base de apoio. A implementação de políticas eficazes, uma comunicação clara e a recomposição das alianças políticas são essenciais para superar os desafios atuais e evitar um isolamento político que comprometa a governabilidade e as perspectivas para as próximas eleições.

Centrão ensaia o desembarque: a crise silenciosa que ameaça Lula em 2026

Recuo no IOF expõe falhas na gestão e abala credibilidade do governo

Episódio gerou um embate direto entre Sidônio e Haddad

Pedro do Coutto

A recente tentativa do governo brasileiro de aumentar o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre investimentos no exterior, seguida de um recuo parcial, expôs fragilidades na coordenação interna da equipe econômica e gerou tensões políticas significativas. O episódio não apenas abalou a confiança dos agentes econômicos, mas também forneceu munição à oposição para questionar a condução da política fiscal do governo.

Em entrevista ao jornal O Globo, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, atribuiu a confusão à divulgação precipitada da medida pela Secretaria de Comunicação, liderada por Sidônio Palmeira. Haddad afirmou que a pasta não costuma participar da elaboração de relatórios finais, mas que, neste caso, divulgou a decisão de reajustar o IOF, o que teria causado a turbulência. Essa tentativa de transferir a responsabilidade para a comunicação institucional foi vista por muitos como uma estratégia defensiva para se desvincular das consequências políticas e econômicas da medida.

ALÍQUOTA – O aumento do IOF, que previa uma alíquota de 3,5% sobre investimentos de brasileiros no exterior, foi anunciado como parte de um esforço para aumentar a arrecadação e atingir as metas fiscais estabelecidas. No entanto, a medida gerou críticas imediatas de diversos setores, incluindo o Banco Central, que não teria sido consultado previamente. A reação negativa levou o governo a recuar parcialmente, mantendo a alíquota zero para transferências de fundos de investimento brasileiros para o exterior, mas mantendo aumentos em outras operações, como empréstimos corporativos e transações com cartões internacionais.

A reversão parcial da medida resultou em uma perda estimada de R$ 6 bilhões na arrecadação prevista até 2026, comprometendo os planos do governo de reforçar o caixa e cumprir as metas fiscais. Além disso, a forma como a decisão foi tomada e posteriormente revertida levantou questionamentos sobre a coordenação entre os diferentes órgãos do governo e a clareza na comunicação das políticas econômicas.

A oposição aproveitou o episódio para criticar a condução da política econômica do governo, apontando para a falta de planejamento e a instabilidade nas decisões. A situação também reacendeu debates sobre o papel do Congresso Nacional na definição das políticas fiscais, com Haddad reconhecendo que o ajuste fiscal depende cada vez mais da atuação do Legislativo, em um contexto que ele descreveu como de “semipresidencialismo”.

DIVERGÊNCIAS – A crise também expôs divergências dentro da própria equipe econômica, com relatos de que o Banco Central e outros setores do governo foram pegos de surpresa pela medida. A falta de alinhamento interno e a ausência de uma estratégia de comunicação eficaz contribuíram para a percepção de desorganização e improviso na condução da política fiscal.

Analistas políticos destacam que o episódio pode ter impactos duradouros na credibilidade do governo junto ao mercado e à sociedade. A confiança na estabilidade e previsibilidade das políticas econômicas é fundamental para atrair investimentos e garantir o crescimento sustentável. A instabilidade gerada por decisões mal coordenadas pode minar esses objetivos e dificultar a implementação de futuras medidas necessárias para o equilíbrio fiscal.

Em resumo, o episódio do aumento e recuo do IOF revelou falhas significativas na coordenação e comunicação das políticas econômicas do governo. A tentativa de transferir a responsabilidade para a Secretaria de Comunicação não convenceu e expôs ainda mais as fragilidades internas. Para recuperar a confiança dos agentes econômicos e da sociedade, será necessário um esforço coordenado para melhorar a governança interna, fortalecer a comunicação institucional e garantir a previsibilidade das políticas fiscais.