
Bombardeios mataram chefes militares e cientistas
Pedro do Coutto
O recente ataque de Israel ao Irã, anunciado pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu como uma ação preventiva contra bases nucleares, inaugura um novo e perigoso capítulo na já instável geopolítica do Oriente Médio. A ofensiva, inesperada e sem precedentes recentes em sua magnitude, reacende o temor de um conflito regional de grandes proporções com efeitos globais. Com a justificativa de conter o avanço do programa nuclear iraniano, Israel arrisca não apenas uma escalada bélica na região, mas também a abertura de múltiplas frentes de confronto que podem envolver potências globais diretamente ou por meio de seus aliados estratégicos.
O Irã, profundamente atingido no ataque que vitimou altos oficiais militares, já sinalizou que haverá retaliação. Em um ambiente marcado por orgulho nacional e rivalidades ideológicas, a devolução da agressão se torna quase inevitável, mesmo diante da pressão internacional por contenção. O problema, porém, está na imprevisibilidade do contra-ataque iraniano. Ele poderá vir diretamente, através de mísseis ou drones, ou por meio de seus aliados regionais, como o Hezbollah no Líbano e grupos milicianos no Iraque e na Síria. A multiplicidade de possíveis frentes transforma o conflito em um quebra-cabeça geopolítico extremamente complexo.
PRESSÃO – As consequências desse ataque não se limitam aos dois protagonistas diretos. Países como os Estados Unidos, a Rússia e a China, cada um com interesses estratégicos e alianças regionais, serão pressionados a se posicionar. Os EUA, tradicional aliado de Israel, tentam evitar um envolvimento direto enquanto sustentam politicamente Tel Aviv. A Rússia, por sua vez, já criticou duramente a ação israelense, e pode usar o episódio como mais um elemento para reforçar sua retórica antiocidental, especialmente após os desdobramentos da guerra na Ucrânia. A China, investidora pesada em infraestrutura no Irã e mediadora recente entre Teerã e Riad, terá seu papel de mediadora global posto à prova.
O ataque também agrava drasticamente a situação humanitária e política na Faixa de Gaza, onde os conflitos já haviam atingido níveis alarmantes de violência e destruição. A ação israelense alimenta a retórica das facções palestinas mais radicais, que veem no Irã um aliado estratégico contra o Estado judeu. A combinação de bombardeios em Gaza e ataques no Irã coloca ainda mais lenha na fogueira de uma guerra assimétrica, onde civis continuam sendo as maiores vítimas e as perspectivas de paz se tornam cada vez mais distantes.
Netanyahu, em meio a pressões internas por sua condução da guerra em Gaza e escândalos de corrupção, pode ter buscado neste ataque uma reafirmação de poder e de sua política de “segurança total”. No entanto, ao fazer isso, arrisca levar o país a um conflito de larga escala com consequências imprevisíveis. A história nos mostra que líderes acuados tendem a adotar estratégias arriscadas, e o Oriente Médio já pagou caro diversas vezes por decisões unilaterais tomadas sob pressão doméstica.
POLARIZAÇÃO – O ataque pode ainda redefinir alianças e polarizações no mundo islâmico. A Arábia Saudita, que vinha se aproximando discretamente de Israel sob a mediação dos Estados Unidos, pode recuar em sua aproximação se o conflito escalar. Países como Turquia, Paquistão e os Emirados Árabes Unidos observam com atenção os desdobramentos. A possível radicalização de setores islâmicos em todo o mundo, inclusive na Europa, acende alertas sobre riscos de terrorismo em retaliação ao que será visto por muitos como uma agressão ocidental ao mundo muçulmano.
O impacto econômico da ação israelense também merece destaque. Mercados globais já reagem com volatilidade diante da ameaça de interrupção do fluxo de petróleo e gás da região. O Estreito de Ormuz, por onde passa cerca de 20% do petróleo mundial, pode ser bloqueado pelo Irã em caso de intensificação do conflito, o que elevaria drasticamente os preços dos combustíveis e causaria instabilidade econômica, sobretudo em países emergentes. O conflito, portanto, transcende fronteiras e atinge diretamente a vida de bilhões de pessoas em escala global.
No campo diplomático, as Nações Unidas enfrentam mais uma prova de sua fragilidade. O Conselho de Segurança se reúne em caráter emergencial, mas como já se viu em crises anteriores, vetos e impasses políticos tendem a paralisar qualquer resposta prática. A União Europeia, por sua vez, tenta se posicionar como força moderadora, mas seus próprios desafios internos, como o avanço da extrema-direita e a crise migratória, dificultam sua eficácia como mediadora de conflitos fora do continente.
TENSÃO – É importante lembrar que o mundo vive um momento de tensão sistêmica, em que a ordem internacional baseada em regras está cada vez mais fragilizada. O ataque de Israel ao Irã não é um evento isolado, mas sim um sintoma de uma nova era de confrontos híbridos, onde o uso da força se alia à desinformação, ao ciberataque e à manipulação de narrativas. Em um mundo polarizado, cada evento é rapidamente absorvido por uma batalha ideológica maior, em que fatos são relativizados e interesses nacionalistas ganham prioridade sobre o direito internacional.
O risco mais assustador é o de uma guerra prolongada, envolvendo múltiplos atores estatais e não estatais, com potencial de destruição em massa. Quando se fala em “bases nucleares” como alvo de ataques, o mundo se aproxima perigosamente de um limiar ético e estratégico que não pode ser ultrapassado sem consequências catastróficas. A humanidade já presenciou os horrores de duas guerras mundiais. Repetir os erros do passado seria não apenas trágico, mas suicida. É hora de a diplomacia global ser reativada com urgência.