
Ataques israelenses atingiram áreas populosas em Teerã
Pedro do Coutto
Nas últimas décadas, o mundo testemunhou crises localizadas, conflitos de baixa intensidade e disputas diplomáticas que, apesar de tensas, pareciam controláveis. No entanto, estamos agora diante de uma realidade muito mais grave e volátil: a multiplicação simultânea de guerras que envolvem diretamente ou indiretamente as maiores potências do planeta. O que antes era um cenário de rivalidade geopolítica, agora se desenha como uma cadeia de eventos perigosamente conectados, onde qualquer movimento impensado pode resultar em consequências catastróficas.
A guerra entre Rússia e Ucrânia, que já ultrapassou dois anos, permanece como um epicentro de instabilidade na Europa. Mas a atenção internacional rapidamente se deslocou para o Oriente Médio, onde a escalada entre Israel e o Irã assume proporções inéditas. Em poucos dias, foguetes cruzaram o céu entre os dois países, colocando a região e o mundo em alerta máximo. Ao mesmo tempo, a tragédia na Faixa de Gaza continua ceifando vidas civis em larga escala, expondo a brutalidade dos conflitos assimétricos e a fragilidade das convenções internacionais de proteção humanitária.
INTERESSES – Essa sobreposição de crises não é apenas geográfica, mas também estratégica. De um lado, temos os Estados Unidos, firme no apoio a Israel, tanto militar quanto diplomaticamente. De outro, a Rússia se consolida como aliada do Irã, movida tanto por interesses geopolíticos quanto pela necessidade de manter sua relevância frente ao ocidente. A China, por sua vez, adota uma posição ambígua, mantendo-se aparentemente neutra, mas com claras inclinações em favor do eixo Teerã-Moscou, especialmente diante da disputa hegemônica com Washington.
O grande dilema que enfrentamos não está apenas nos mísseis lançados ou nos tanques em movimento, mas no colapso de qualquer forma efetiva de mediação internacional. O Conselho de Segurança da ONU, paralisado por vetos cruzados, tornou-se cada vez mais inoperante. E as antigas instituições multilaterais, criadas no pós-guerra para garantir um mínimo de estabilidade global, revelam-se hoje ultrapassadas e incapazes de responder a crises que se retroalimentam num ritmo vertiginoso.
O temor mais recorrente entre analistas e diplomatas é que essas frentes de conflito se transformem em gatilhos para um enfrentamento mais amplo — não apenas convencional, mas potencialmente nuclear. Vivemos em um mundo onde arsenais atômicos estão em prontidão, e onde a doutrina da retaliação proporcional ainda é a norma entre as potências. Isso significa que um erro de cálculo, uma provocação mal interpretada ou mesmo um ataque cibernético mal atribuído pode iniciar um ciclo de destruição irreversível.
RISCOS – A situação se torna ainda mais alarmante quando consideramos os riscos colaterais, como a possibilidade de ataques a instalações nucleares civis. Usinas como as de Dimona (em Israel) ou Bushehr (no Irã) são alvos extremamente sensíveis. Um bombardeio direto ou mesmo danos indiretos poderiam resultar em vazamentos radioativos de proporções semelhantes — ou piores — do que os desastres de Chernobyl ou Fukushima. O impacto humanitário seria devastador, com milhares de mortos e milhões de refugiados ambientais.
Neste cenário de incertezas e alinhamentos perigosos, a população civil, como sempre, é a principal vítima. Em Gaza, a cada nova ofensiva, crianças, mulheres e idosos perdem a vida ou ficam mutilados. Em Kiev, famílias inteiras continuam a viver em abrigos subterrâneos. Em Teerã e Tel Aviv, o medo de sirenes e explosões voltou a fazer parte da rotina. A guerra, por mais tecnológica que se torne, segue sendo, sobretudo, uma tragédia humana.
A diferença agora é a velocidade da escalada, impulsionada por redes sociais, fake news e decisões políticas cada vez mais populistas. A diplomacia tradicional, cautelosa e lenta, perdeu espaço para líderes que preferem a retórica agressiva ao diálogo construtivo — e isso apenas acelera a aproximação do abismo.
ESFORÇO – Ainda há tempo para evitar o pior. Mas será necessário um esforço coordenado que vá além dos interesses nacionais ou ideológicos. Precisamos resgatar a lógica da negociação, da diplomacia preventiva, e do direito internacional como mecanismos legítimos de resolução de conflitos. Se as potências mundiais não conseguirem estabelecer pontes mínimas de entendimento, estaremos condenados a repetir os erros que levaram o mundo à beira da destruição em outras eras.
A paz, hoje, não é apenas uma utopia: é uma necessidade existencial. Ou compreendemos isso, ou deixaremos para as futuras gerações um planeta ferido, dividido e radioativo. E, nesse caso, não haverá vencedores — apenas sobreviventes.