
Bolsonaro, com Michelle, têm feito campanha nas igrejas
Camila Turtelli e Ivan Martínez-Vargas
Dois artigos incluídos no projeto do novo Código Eleitoral, em análise pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, ampliam permissões para a atuação de líderes religiosos durante campanhas. O texto apresentado pelo relator, o senador Marcelo Castro (MDB-PI), restringe a condenação de guias espirituais que professem suas preferências eleitorais pelo chamado “abuso de poder religioso”.
Além disso, afirma que manifestações políticos-partidárias em templos “não poderão ser objeto de limitações”. Atualmente, a lei proíbe pedir votos em igrejas.
BRECHA EVANGÉLICA – A avaliação de especialistas é que, na prática, a proposta abre brecha para que candidatos possam fazer campanhas nos templos. Entendem, ainda, que a tentativa de mudar a lei representa uma reação do mundo político a decisões recentes da Justiça Eleitoral sobre o uso eleitoral da fé.
Procurado, Castro nega que o projeto libere campanha em igrejas e argumenta que os artigos incluídos no texto têm como objetivo garantir a liberdade de expressão. “O senador reforça ainda que o texto do Código Eleitoral não está definitivamente fechado e que continua acolhendo sugestões”, diz em nota.
O gerente da Transparência Internacional Brasil, Guilherme France, avalia que as permissões previstas podem desequilibrar disputas eleitorais. “Não podemos negar a profunda influência que autoridades religiosas têm sobre seus fiéis. A participação em atos regulares de campanha, como autorizado pela proposta, por parte destas autoridades, pode influenciar indevidamente os resultados de uma eleição”, diz.
BENS DE USO COMUM – O entendimento atual da lei eleitoral considera igrejas, templos, sinagogas, terreiros e demais espaços religiosos como “bens de uso comum”. Nestes lugares, é proibido fazer campanha eleitoral a favor de algum candidato ou acusações contra adversários políticos. Os estabelecimentos podem ser condenados a pagar uma multa.
A regra é estabelecida no artigo 37 da Lei das Eleições. Os bens de uso comum são aqueles definidos pelo Código Civil e aqueles aos quais a população em geral tem acesso, tais como cinemas, clubes, lojas, centros comerciais, templos, ginásios e estádios, ainda que de propriedade privada.
O relatório do novo Código Eleitoral mantém essa previsão e coloca na norma a definição de bem de uso comum, mas insere uma exceção a “reuniões fechadas ou de entrada restrita, ainda que realizadas em bens civilmente definidos como de uso comum”, o que poderia abrir brecha para a realização de cultos com pedidos de voto.
DURANTE O CULTO – Em setembro de 2024, um pastor em São Fidélis (RJ), a 328 quilômetros da capital fluminense, foi multado em R$ 2 mil por pedir votos no púlpito de uma igreja para candidatos a prefeito e vereador. Na decisão, o juiz eleitoral destacou o “claro abuso de poder religioso”, evidenciado por vídeos que mostravam o pedido durante o culto.
No caso de candidatos, porém, a legislação atual prevê punição mais dura, que vai além da aplicação de multas. O Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE-RJ), por exemplo, entendeu que houve “abuso de poder religioso” ao determinar a cassação do deputado estadual fluminense Fábio Silva (União).
Segundo a decisão, durante a campanha de 2022, Silva promoveu eventos batizados de “Culto da Melodia” para proferir discursos políticos e distribuir material eleitoral. Ele ainda se mantém no mandato enquanto aguarda julgamento de recursos. Procurado, não se manifestou.
CRIMES CONEXOS – A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), contudo, prevê a cassação apenas quando o abuso de poder religioso é atrelado a outros tipos de crimes eleitorais, como abuso de poder econômico ou uso indevido de meios de comunicação. Um líder espiritual que usa a estrutura física da igreja e dinheiro para promover eventos políticos, por exemplo, deve ser enquadrado por abuso de poder econômico atrelado à religião.
— O Congresso deveria aproveitar a reforma do Código Eleitoral para tipificar o abuso de poder religioso na lei. Isso é um fenômeno recente e crescente que não é saudável numa democracia. Não posso atrair pessoas com oferta de música e cultura para ouvir propaganda política por meio dos showmícios, por exemplo. Também não deveria poder aproveitar um momento de oração de fiéis para isso — afirma o advogado eleitoral Fernando Neisser, professor da FGV Direito.
Para o advogado Silvio Salata, que integra a Academia Brasileira de Direito Eleitoral, caso aprovado, o texto em discussão no Senado violaria os princípios da isonomia e da paridade de armas.
PROJETO PARADO – O novo código substitui sete leis atualmente em vigor: o Código Eleitoral de 1965, a Lei Geral das Eleições, a Lei dos Partidos Políticos, a Lei das Inelegibilidades e as legislações sobre plebiscitos, transporte de eleitores e combate à violência política contra a mulher.
Pela proposta, todas essas normas passariam a ser tratadas em uma única lei complementar com 23 livros temáticos. O projeto foi aprovado pela Câmara em 2021 e está sob a relatoria de Castro desde 2022. O senador já apresentou quatro relatórios e realizou uma série de audiências. Além disso, o projeto recebeu 193 emendas.
A leitura e votação do relatório foram adiadas após pedidos de parlamentares de diferentes partidos. Senadores de PT, PSB e União Brasil e integrantes da bancada feminina pediram a realização de novas audiências públicas. Para valer nas eleições de 2026, o novo Código precisa ser aprovado no Congresso até 3 de outubro deste ano.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Não há a menor chance de o projeto ser aprovado e virar lei ainda este ano. Mas é uma lei do tipo vacina, que não vai pegar. Hoje em dia, as proibições já são burladas ostensivamente, com a participação de candidatos nos templos, com as igrejas evangélicas e católicas tentando orientar politicamente os fiéis. A cada disputa, os evangélicos avançam e em breve elegerão seu próprio candidato. Podem apostar. (C.N.)