
Charge do William Medeiros (Arquivo Google)
Marcus André Melo
Folha
A singularidade do presidente dos Estados Unidos na centralização da tomada de decisões em uma democracia
Trump é um caso singular de centralização da tomada de decisões em uma democracia. Ele personifica seu gabinete. Atua como titular das pastas da Fazenda, Relações Exteriores e Justiça — para dizer o mínimo. Suas decisões são divulgadas em sua própria rede social ao longo do dia.
Ocorre que o sistema político norte-americano é, ao contrário dos sistemas parlamentaristas unipartidários, precisamente o tipo de arranjo institucional em que a centralização do poder decisório não deveria ser possível, como discuti aqui na coluna.
FREIOS E CONTRAPESOS – O sistema foi desenhado para dificultar a concentração de autoridade e garantir freios e contrapesos robustos: combina um Judiciário independente com forte capacidade de revisão judicial, um Legislativo bicameral cujos mandatos são defasados no tempo, uma Presidência institucionalmente limitada.
Além disso, há um federalismo robusto e eleições legislativas de meio de mandato que ampliam a responsividade do sistema à opinião pública e ao desempenho do Executivo.
Mccubbins identificou um trade-off inerente ao desenho institucional das democracias entre o que chama decisiveness (capacidade de um sistema institucional de aprovar e implementar mudanças em políticas) e resoluteness (capacidade do sistema de manter e sustentar essas políticas ao longo do tempo).
EQUILÍBRIO INSTITUCIONAL – Sistemas com alta capacidade decisória tendem a ser menos resilientes e mais vulneráveis à volatilidade institucional. Em contraste, sistemas com baixa capacidade decisória frequentemente enfrentam bloqueios decisórios e paralisia governamental.
O número e a localização institucional dos veto players moldam esse equilíbrio entre capacidade decisória e estabilidade normativa. Arranjos institucionais situados nos extremos desse espectro — seja com vetos excessivos ou com concentração de poder — tendem a gerar disfunções governativas, comprometendo a estabilidade democrática, seja pela incapacidade de adaptação institucional, seja pela facilidade de captura do sistema por lideranças de perfil autocrático.
Sistemas altamente decisivos facilitam a aprovação rápida de mudanças —inclusive aquelas que podem fragilizar a democracia—, tornando-se mais suscetíveis à instabilidade política. Por outro lado, sistemas com baixa capacidade decisória, ao se depararem com impasses institucionais recorrentes, geram paralisia e um déficit de responsividade frente às demandas sociais.
DIVISÃO DE PODERES – No presidencialismo, a forte separação de poderes tende a limitar a capacidade decisória, pois distribui o poder entre diferentes atores institucionais, exigindo algum consenso para aprovação de políticas. Já a separação de propósitos — a divergência de preferências políticas entre os atores que controlam as instituições — também reduz a capacidade decisória, dificultando-o.
O inverso — o alinhamento político entre os atores institucionais — pode resultar na hegemonia de uma única força; no limite, na eliminação dos pontos de veto que garantem freios e contrapesos ao Executivo.
Assim, a combinação do mandato das urnas (no colégio eleitoral e voto popular), o controle das duas casas congressuais, a maioria na Suprema Corte, as eleições de meio de mandato em 2026, e a proibição de mais uma reeleição geram uma estrutura de incentivos que produz o decisionismo trumpista.