
Mauro Cid virou apenas um joguete nas mãos de Alexandre de Moraes
Eduardo Gonçalves, Daniel Gullino e Patrik Camporez
O Globo
O ex-ajudante de ordens Mauro Cid foi preso e depois solto nesta sexta-feira, e prestou novo depoimento à Polícia Federal na investigação que apura a tentativa de obter passaporte que facilitaria saída do país. O documento, segundo a investigação, seria obtido por intermédio do ex-ministro Gilson Machado, que foi preso. Cid também foi alvo de um mandado de busca e apreensão nesta manhã e não chegou a ser detido. O cumprimento do mandado foi acompanhado pela Polícia do Exército.
Cid também será ouvido para esclarecer as mensagens publicadas pela Revista Veja. De acordo com a publicação, o tenente-coronel usou um perfil no Instagram para se comunicar com um aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro sobre o conteúdo de sua delação premiada. Quando foi ouvido no STF, Cid negou que tenha usado o perfil citado.
CASO DO PASSAPORTE – A PF quer saber se Machado atuou para facilitar uma possível saída de Cid do país. Ao Globo, o ex-ministro admitiu ter procurado o Consulado de Portugal em Recife, em maio deste ano, por telefone, mas alegou que sua intenção era tratar de uma questão familiar.
A medida foi interpretada pela PF como uma possível tentativa de atrapalhar o andamento da ação penal da trama golpista, já que Cid é um dos réus. A Procuradoria-Geral da República (PGR) concordou com a investigação sobre o caso.
A PF reuniu indícios de que Gilson procurou o consulado em Recife, onde mora, para conseguir o passaporte de Cid, mas não teve sucesso. Há a suspeita, contudo, de que ele poderia procurar outras embaixadas ou consulados com o mesmo objetivo, para que o tenente-coronel deixe o país.
HOUVE PRECEDENTE – A PF também ressaltou que em janeiro de 2023, antes de ser preso pela primeira vez, procurou um serviço de assessoria para a obtenção da cidadania portuguesa.
Procurado na quarta-feira, Machado negou que tenha procurado o consulado em busca de um benefício para Cid.
— Estou surpreso. Nunca fui atrás de nada a respeito de Mauro Cid. Tratei do passaporte para o meu pai — afirmou o ex-ministro
A PGR afirma que a atitude pode configurar obstrução de investigação da trama golpista e de outras apurações em curso, além de favorecimento pessoal. A PGR considera, no entanto, que é necessário aprofundar a apuração.
OBSTRUÇÃO – De acordo com a Procuradoria, as informações reunidas pela PF apontam “elementos sugestivos” de uma ação de Machado para “obstruir a instrução da Ação Penal n. 2.688/DF e das demais investigações que seguem em curso, possivelmente para viabilizar a evasão do país do réu MAURO CESAR BARBOSA CID, com o objetivo de se furtar à aplicação da lei penal, tendo em vista a proximidade do encerramento da instrução processual.”
O trecho faz referência ao número da ação penal da trama golpista e a outras apurações em andamento, como a das joias e a da suposta existênca de uma estrutura paralela na Agência Brasileira de Inteligência (Abin) no governo Bolsonaro.
Mauro Cid afirmou, ao deixar o STF no início da tarde desta terça, que a informação era “novidade” para ele e que não houve pedido de passaporte. Seu advogado, Cezar Bitencourt, disse que ele não teria “interesse” em deixar o Brasil: “Não, absolutamente nada. Não tinha interesse nenhum em sair do país”.
MENSAGENS REVELADORAS – Uma reportagem da revista VEJA publicada nesta quinta-feira mostrou mensagens atribuídas a Mauro Cid. Os diálogos teriam sido feitos por meio de um perfil chamado “@gabrielar702” com uma pessoa do círculo próximo do Bolsonaro entre janeiro e março de 2024.
Nas mensagens, o perfil aparece criticando os delegados da Polícia Federal e o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes pela condução do inquérito sobre a trama golpista.
Em relação a Moraes, o usuário diz que o ministro já teria a narrativa da ordem de prisão do PR (presidente Bolsonaro). Não precisa de prova. Só de narrativas”. Em outro momento, ele afirma que os investigadores “queriam colocar palavras na boca” dele, e dá detalhes sobre as etapas da sua colaboração premiada.
PALAVRAS NA BOCA – “Várias vezes eles queriam colocar palavras na minha boca… E eu pedia para trocar. Foram três dias seguidos. Um deles foi naquele grande depoimento sobre as joias. Acho que foram 5 anexos”, diz a mensagem.
O teor dos diálogos é similar ao dos áudios vazados em março do ano passado, que levaram Cid a ser preso novamente por quebrar a regra de manter a delação em sigilo.
O perfil atribuído a Cid também faz comentários contra o Supremo – “o STF está todo comprometido” – e prevê que a situação só “pode mudar” com uma vitória eleitoral do presidente Donald Trump nos Estado Unidos. “E o Brasil começar a ter sanções…. igual Nicarágua e Venezuela”.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – Muito importante a matéria da Veja. Comprova que Mauro Cid sofreu pressão ilegal ao depor e seus interrogadores, inclusive o ministro Moraes, descumpriram claramente a legislação, tornando os depoimentos de Cid absolutamente inúteis e sem validade jurídica. (C.N.)